Patrimônio e Sociedade; memória social, identidade cultural, patrimônios, coleções e muito mais
Porque Astronautas Deveriam Saber Sobre Memória e Patrimônio I
Numa pequena série de textos mais conteudistas, mais teóricos, vou tentar explanar temas como a memória e o patrimônio, a sociedade e a formação individual, com uma visão um pouco mais acadêmica e também, como não podia deixar de ser, com exemplos práticos e alegrias para um melhor entendimento.
Começaremos pela memória. Como se sabe, psicólogos, neurologistas e outros estudiosos da saúde entendem a memória de uma maneira biológica, como manda a ciência. A memória, e seus vários tipos de apresentação, serve para armazenarmos informações e recuperarmos quando quisermos, ou ainda para que se recuperem automaticamente, sem nossa ação consciente. Para isso, as ciências da saúde trabalham com a memória visual, a sonora, a olfativa e com outros sentidos humanos que servem para captarmos e recolhermos informações do ambiente e internalizarmos na memória. Não entrarei fundo neste debates por duas questões: não é o foco dos textos apresentados e não tenho competência para isso. Nos basta saber que a memória é uma capacidade natural do ser humano, que pode ou não ser administrada conscientemente com práticas e exercícios, e também que sua importância social é enorme, e como mostra disso temos que na Grécia Antiga, dentre todas as musas havia Mnemosine, exclusivamente musa da memória.
Em geral percebemos a memória quando queremos administrá-la conscientemente. Quantas vezes não precisamos estudas algum conteúdo para algum teste, principalmente os que não gostamos, e enquanto estudávamos pensávamos “preciso lembrar disso!”. Ou ainda, quando algum professor, para ajudar, nos apresentava alguma música para facilitar a memorização do conteúdo de forma lúdica. Eu mesmo, há dez anos tive uma professora de Biologia, da qual não lembro o nome, mas que ao falar de doenças transmitidas por insetos nos obrigou a cantar “a doença de Chagas ataca o coração / o barbeiro faz a transmissão / FEZES! (em coro e a toda voz) / Trypanosoma cruzi é quem causa a lesão”. Nunca mais esqueci.
Mas e a memória, para além das ciências da saúde, para que serve? Nas vidas comuns da população, além de fazer lembrar mecanicamente o endereço, nome e telefone, há outra utilidade?
São Miguel das Missões, um exemplo de patrimônio históricoA memória cultural, muitas vezes negligenciada ou ignorada pela maioria esmagadora (talvez não tão dramaticamente assim, mas realmente não percebida no dia-a-dia), tem um papel fundamental na vida humana. Como sabemos, nascemos inseridos numa comunidade. Esta nossa comunidade de origem, e as outras com as quais fazemos contato durante a vida, têm regras, leis, modos, tradições e outras características particulares. Para nos mantermos inseridos nessa primeira comunidade, e para nos inserirmos em outras depois de adultos, devemos respeitar e compartilhar das mesmas regras, leis, modos e tradições e etc. Ao fazermos isso, de modo natural e não forçoso, estamos, além de respeitando os modos de ser e viver deste grupo, nos identificando com eles.
Por exemplo, as pessoas que professam a fé católica têm por tradição e obrigação religiosa o ato de se confessar. Quando já em particular com o padre, ora-se o Ato de Contrição antes de entregar todos os pecados e pedir perdão. Como, para os mais tradicionalistas, é um ato corriqueiro, a memorização e o relembrar do Ato de Contrição, já ensinado nas aulas de catequese para as crianças, é fácil. Este é um exemplo de usos conscientes e inconscientes da memória. Inconscientemente sabe-se do ritual da confissão (o encontro particular com o padre no confessionário; a oração do Ato de Contrição; a entrega de si, dos pecados; o ouvir a absolvição; etc.), e conscientemente sabe-se que para eles, católicos, é importante saberem o Ato de Contrição (assim como as outras orações), saberem que a confissão é importante, que participar das missas é fundamental, etc.
Neste exemplo temos um indivíduo que participa de um grupo, de uma cultura com particularidades, e tem a memória cultural deste grupo, compartilhando dos mesmos valores, modos, tradições e afins, tornando-se um membro e um agente da manutenção do grupo.
São José dos Pinhais, 09 de janeiro de 2017.
Titulado em nível de graduação em Conservação e Restauro de Bens Culturais, graduado em História, especialista em Gestão, Preservação e Valorização de Patrimônios e Acervos e em Estudos em Memória, e mestre em Patrimônios, Acervos e Memória. Atualmente é Historiador e Conservador-Restaurador do Círculo de Estudos Bandeirantes, em Curitiba, entidade cultural agregada à PUCPR onde também ministra aulas e oficinas periódicas para graduandos em História