Música

Análise crítica “BaianaSystem”: Há Science no System

BaianaSystem

“Mas é da crise que surgem as contradições para supera-las, diria um velho sábio e barbudo. Porém é um outro barbudo, do interior da Bahia, rodeado de grandes artistas que nos interessa aqui. Pois percebendo isso, ou não, esses artistas criaram uma banda em 2009 chamada BaianaSystem”.

Por Luan Piauhy

Você deve estar pensando o quão esnobe eu sou por escrever um texto com o título que mesclam palavras em inglês e em português. Quão ianque eu sou por isso, ou ainda, que pretensão a minha e onde eu quero chegar com isso. Calma, existe uma tentativa de explicação lógica para as palavras no título em inglês e eu vou tentar fazê-la até o final desse textículo, garanto, mas antes, vamos começar assim:

Não é difícil – numa pesquisa rápida no tio google – encontrar artigos, textos jornalísticos e análises sobre a crise do Axé Music na Bahia. Manifestado sempre como patrimônio cultural da Bahia, o Axé Music carrega em si um misto de culturas afros, o ijexá, o samba-reggae, vinculado a uma influência da guitarra elétrica importada da Black Music norte americana e uma profusão de ritmos e culturas afro-latinas, com uma grande base popular que navegam atrás dos trios elétricos, podemos afirmar – sem titubeio – que o Axé Music esteve por muito tempo no topo como o ritmo mais escutado durante – no mínimo – 30 anos em todo Brasil.

Para uma nova geração – nascida e criada a base de leite ninho, chocolate, Felipe Neto e, principalmente, sertanejo universitário – este último parágrafo se desenha quase como uma obra fantástica do Júlio Cortázar ou mais um papel de devaneios de Buendia e sua Macondo mágica. Isso porque de meados da primeira década do século XXI pra cá o Axé Music se rendeu – de uma vez por todas – a indústria musical. Caindo, cada vez mais, na formula de letras repetitivas e se rendendo a outras influências, contentando em ser somente um enorme eco dos sucessos industriais, já não importando aqui o ritmo, suas influências, a letra, ou até mesmo os símbolos da cultura do Axé. Surgem o Axénejo ou o Axéfunk.

Mas é da crise que surgem as contradições para supera-las, diria um velho sábio e barbudo. Porém é um outro barbudo, do interior da Bahia, rodeado de grandes artistas que nos interessa aqui. Pois percebendo isso, ou não, esses artistas criaram uma banda em 2009 chamada BaianaSystem. Vocês devem conhecer, esta banda atropelou a cena da indústria baiana sem pedir licença para gritar em alto e bom som, coletivamente, o sucesso de uma nova cena, que surgia sem grandes recursos, mas com uma ciência simples, Russo Passapusso – cantor da banda BaianaSystem – e os demais fizeram o básico, porém sempre difícil, retorno às origens sem deixar de sentir o presente e sem perder de vista o futuro, para recuperar o já fúnebre Axé baiano. Ao mesclar as raízes da música baiana com o dub, o hip-hop, o BaianaSystem é um frescor à nossa cultura, totalmente sintonizados com o público e não com a indústria.

Em, literalmente, um furdunço, o grupo coloca o seu Navio Pirata para velejar em águas turbulentas de um mar de gente dias antes do carnaval num evento que acontece desde 2014. O Furdunço – nome dado ao evento pré-carnaval – é exatamente a cena músical supracitada gritando por um carnaval diferente. Sem cordas, esse evento leva milhões de pessoas as ruas não como meros foliões fardados com seus abadas, pelo contrário, eles são – e sabem disso – a verdadeira identidade do carnaval e estão inteiramente sintonizados com os artistas que os acompanha. Entre rodas, cirandas, cotoveladas apaziguadoras e palmas violentas, Russo Passapusso é maestro de si mesmo para reger não a multidão, mas para se permitir ser regido por ela.

Foto: @jardelsouza, 2019, Furdunço, pré-carnaval de Salvador;

Outro artista do nordeste já havia feito esse caminho do retorno ao passado para projetar o futuro de uma cultura regional. Sim, e aqui explico o porquê das palavras do título do textículo em inglês, Chico Science, na década de 90, percorreu essa trajetória com o movimento manguebeat e ressignificou a cultura pernambucana, o maracatu, o frevo, com um olho no passado, outro no futuro e os pés no presente, Chico e a Nação Zumbi conseguiram retomar todo orgulho de um povo, de sua cultura regional e também de um país. Não fizeram isso sozinhos é claro, assim como BaianaSystem não carregará essa difícil tarefa sozinhos, porém tendo ciência – e aqui sem trocadilho – ou não do que estão fazendo, Russo e os demais integrantes já começaram esse processo, a ressignificação da cultura musical baiana e sua relação com o Axé Music já começou e ele está em boas mãos.

Palmas.

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