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Um diário especial: minha mãe e eu – 6, por Helena Prado

“Se eu tivesse um milésimo da vontade que ela tinha de viver, nem sei o que dizer…”

Por Helena Prado

Parei de escrever já faz um bom tempo. Mais especificamente em 9/06/2017.

Foi num dia em que eu estava exausta e com muita angústia por não notar uma recuperação legal da mamãe. Suas idas e vindas para e da UTI eram constantes, sempre causadas por bronco-aspiração, que tornavam-se, via de regra, pneumonia. E dá-lhe antibióticos!

Já não me recordo como eram as noites sentada/deitada naquela cadeira um tanto ou quanto infame. Na verdade, até que ela era boa, não fosse a quantidade de dias/noites passados nela.

O que me dava muita esperança da mamãe ficar bem era o seu astral e sua vontade intensa de viver. Nunca vi nada semelhante.

Houve um dia que ela fez uma tomografia de crânio que durou 4 horas. Ela ficou naquela máquina infernal com um capacete enfiado na sua cabeça.  Quando ela voltou, disse-me: este foi o pior dia de toda a minha vida. Assim mesmo, o médico ainda lhe falou: a senhora toparia fazer um eletroencefalograma? Ela, mais do que depressa, disse a ele: claro, afinal eu quero viver, né, doutor? Só acrescentou se poderia ser na manhã seguinte. Ele respondeu que sim.

Que exemplo de amor à vida!

Se eu tivesse um milésimo da vontade que ela tinha de viver, nem sei o que dizer…

Coisas do Facebook

Há pouco mais de um mês, fiquei amiga de Teresa Gaspar. Sendo muito franca como sempre sou, não me recordo como a amizade surgiu. Se fui eu que pedi a ela ou o inverso.

No dia 12 de janeiro, eu escorreguei no corredor do meu quarto e quebrei o dedo do meio do pé direito.

Pensei: não me falta acontecer mais nada. Sim, porque depois de assistir à agonia de mamãe e sua decadência física durante oito meses e meio, agarrada à ela, eu achei que a vida só me reservaria tudo de bom. Eu também achei que não merecia sofrer mais nada, por nada e nem por ninguém.

Estive com meu dedo quebrado em Cunha, com o João. Temos um trato: nem eu e nem ele pretendemos morar juntos.

Já tivemos casamentos suficientes, dois. Eu e ele.

Agora, nossa ideia, é aproveitar a parte boa do relacionamento. Viajar, ir a Shows, ao teatro, jantares em restaurantes badalados, passear e namorar muuuuito.

Íamos ao Chile em julho. Com a doença da mamãe, cancelamos tudo.

Realmente e de fato, eu me dediquei a ela 24 horas por dia, numa primeira etapa, durante 44 dias. Desses que a gente não sabe se “chove lá fora, amor! Aqui, tá tanto frio…”

Quando voltei de Cunha, passei pelo ortopedista que reiterou a necessidade do uso do Robofoot. E acrescentou uma bengala à minha mão tão atrapalhada.

No dia 7 de fevereiro, dia que papai morreu isto me ocorreu agora, eu fui a uma loja trocar uma luminária Bauhaus que comprei pra Magdala e que ela nem chegou a ver. Ficou grande demais para a nossa mesa de jantar – e de almoço também, como na maioria das casas. Escorreguei no chão de tábuas corridas da loja e meu tornozelo ficou idêntico à cabeça da atriz que fez o exorcista.

Pela enésima vez, eu não acreditei que aquilo poderia estar acontecendo comigo. Não era normal. Aliás, continua não sendo.

Fui levada às pressas para o hospital, onde fizeram uma “redução” e encaixaram meu pé, agora o esquerdo, no tornozelo. Bem, nem eu era irlandesa, muito menos Christy Brown nem tampouco tinha vocação pra ganhar um Oscar, como Daniel Day-Lewis. Também sou mulher, condição que adoro.

Sem dois pés em condição de uso, com minha filha e genro trabalhando em Recife, outra morando em Niterói, cuidadora e empregada de folga, na madrugada do dia 14 e por volta de 2h00, acordei sentindo uma falta de ar infame.

Quem é asmático sabe o horror que é querer respirar e não conseguir.

Peguei minhas bombinhas de Aerolin e meu Seretide e despejei vigorosamente nos meus pulmões, aspirando, claro!

Me arrastando, fui ao banheiro, tomei um banho e vesti uma camisola. Até agora não sei por que não pus uma roupa. Peguei dinheiro, alguns pertences que se usa em casa e leva-se a hospitais, quando você vai passar uma temporada “divertindo-se”.

Minha mãe estava por trás de cada uma das minhas ações, só pode. E pôs pra me atender um médico de ouvido tão perfeito que na alsculta ele já detectou uma tromboembolia pulmonar. Grave, muito grave. O mesmo diagnóstico que matou a minha Magdala faz 50 dias. Com agravantes e atenuantes, socorro!

O agravante é que a trombose foi bilateral. A atenuante, claro, a minha idade. Porém, mais que tudo, a minha presença de espírito me salvou. Mamãe é o nome dela.

Três dias na UTI, com vergonha de dizer no Facebook o que se passava. Exceção a dois amigos e ao João. E família.

Que não acreditou, como eu não estava acreditando. Todos riram muito e também ficaram compadecidos, lógico, pois parecia impossível que 50 dias depois da morte da minha mãe eu estaria numa UTI com o mesmo diagnóstico que a matou.

Eu tinha planos de morar em Cunha vivendo uma vida de rainha.

Agora já não sei, nem João sabe se me quer por perto – por precaução, foi o que me disse. Talvez eu dissesse o mesmo, se fosse o contrário.

Nestes dias em que estive de molho, postei a foto de um faqueiro próprio para se comer manga. Perguntei quem conhecia ou sabia sua utilidade. A maioria das pessoas nunca tinha visto.

Mas Teresa sim. Ela fotografou e perguntou se eu gostava. Eu adorei e perguntei a ela se me vendia.

Nos subterrâneos do face, tentei negociar. Ela relutou e disse que não, que queria me presentear.

Dia 18/02/2018, não sei dizer a hora mas calculo que umas 15h00, batem à minha porta do quarto do hospital. Já sei quem é mas não acredito.

Era a própria. Teresa, ultrassimpática, com um pacote de presente nas mãos.

Nos abraçamos, houve uma grande empatia e eu ganhei os talheres de manga que eu tanto queria.

Tiramos umas fotos, mas eu estou péssima: sem maquiagem, cabelos molhados, gorducha. Teresa está ótima, é muito fotogênica, saiu bem na fita e na foto. Delirei!!!

Desde o dia 12 de janeiro, eu não me sentia tão feliz. Por ter conhecido a Teresa e por outro assunto bom demais da conta que não se conta.

Guarda-se no coração bem guardado, com o peito meio apertado, um tantão feliz. “Me dá vontade de saber, aonde está você, me telefona. Me chama, me chama, me chama…”

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