Coluna de Helena Prado sobre tudo que o universo pode oferecer; um espaço para contos, crônicas, textos, relatos…
Eu bebo sim e tô vivendo
Eu bebo sim e tô viveeendo. Tem gente que não beebe e tá morrendo, ai eu bebo…
E outra vez: eu bebo sim, e tô viveeeeeeeeendo, tem gente que não bebe ic e tá morrendo…
Eu bebooooo sim e tô vivendo, tem gente, ic, que não beeeeeeeeeeebe, ic, e ta morrendo, ic….
É hoje que eu vô pra farra ninguém me agarra, eu vô me espalhar….espalhaaaaaaaaaaar ic..
Bandeira branca, amor, ic, não posso mais, pela saudaaaaaaaaaaade ic, que me invade, ic, eu peço paz, ic.
Tchiboom….
Enfermeiros, peguem a moça. Ela pode se afogar.
Cacete, gritou seu marido.
_Hahahahhahaahahahah! Pula aqui Chico, tá umaaaaaaaaaa delíciaaaaaaaaa!
_cala a boca Mariana, você tá numa clínica.
_tô onde?
_numa clínica.
_por quê?
_porque você é uma bêbada.
_o quê?
_bêbada
_quem?
_VOCÊ, V O C Ê
_magina. Háhahhahaaahahh!
_dr, dr,dra, dramático. Só por que eu bebi um pouquinho?
_cara de pau.
_cara de pau ou bêbada?
_as duas coisas.
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O médico chamou Francisco de lado e lhe disse: não adianta brigar ou tentar fazê-la entender alguma coisa agora, porque ela está sem a menor condição de nada. Ela faz algum tratamento? Francisco assentiu. Quer avisar o médico dela? O marido de Mariana, que detestava José Eduardo o psiquiatra dela, disse um não redondo. E pensou de saco cheio e entristecido: aonde ela foi chegar??? Tão bonitinha, novinha, gostosinha…
As enfermeiras vão lhe dar um banho, disse o médico. E ela deverá dormir bastante. Quando acordar você contará o que foi resolvido.
E Francisco ficou sentado num canto, pensando na boa vida que sempre tiveram.
Nunca lhes faltou nada. Muito ao contrário, sobrava de tudo. Viajaram pelo mundo afora. Divertiram-se muito. Não tinham filhos por opção. Tudo que Mariana quis ele proporcionou a ela. Que dureza!
Seis horas depois, Mariana acordou, olhou para Francisco e lhe perguntou: onde estamos? Num hotel?
Muito seco, ela ouviu:
_ numa clínica para tratamento de alcoolismo.
_tratamento de quê?
_alcoolismo.
_o quê?
_ ALCOOLISMO, gritou. Você é alcoólatra.
_você é alcoólatra, Mariana.
_e você é padre, Chico. Instituto Padre Chico. Hahahhahah!
_engraçadinha.
_me tira daqui já.
_nem pensar.
_eu saio, então.
_é ruim, hein?!
_você que me aguarde.
_tô indo embora.
_a sua bênção, padre.
E Chico saiu deixando sua mulher, aliviado. A clínica era de alto padrão. Os médicos, enfermeiros e psicólogos especializados.
Mariana ficou trancada no quarto, puta da vida. Sem comer nem beber, tampouco sem tomar banho durante três dias.
As enfermeiras e o médico tentavam falar com ela, mas ela não queria ouvir nem conversar.
Seu médico foi visitá-la, e ela não lhe deu nem tchum. Ficou muda.
Depois desses três dias iniciais, ela saiu do quarto envergonhada, achando tudo muito esquisito, porque quem ela viu estava com o astral ótimo e rindo.
.
Aos poucos, foram se achegando a ela e perguntando o porquê de ela estar ali. Ela respondeu que não sabia, mas que, às vezes, sentia-se deprimida. Já enturmada, depois de uma semana, reunia-se com todos os malucos das mais diversas problemáticas. Tinha louco pra tudo e pra todos os gostos.
Um dia, andando pela clínica no horário do almoço, passou pelo posto de enfermagem. Sem querer, viu seu prontuário. Curiosa, leu. E o que leu não gostou: Atenção redobrada. Paciente perigosa. Ficou puta da vida. Por que perigosa? Eu mato o médico. E o Chico. E o Zé Eduardo. Ele é quem deve ter contado a minha história para o médico.
A partir deste episódio, Mariana resolveu observar a clínica, os horários de troca de pessoal, algum lugar vulnerável por onde pudesse escapar.
Com tudo prontinho na cabeça, ela pôs uma roupa de fitness, calçou tênis, e saiu sem que ninguém a visse. Foi até uma muretinha onde tinha um relógio de luz. De lá subiu no muro e pulou para o lado de fora. Livre, pensou muito feliz.
Pegou um táxi e foi para a sua casa. No caminho, ligava de seu celular para a clínica chamando-os de incompetentes. E dava gargalhadas. Fez isso, uma, duas, quatro vezes.
Passou num mercado superchique que havia perto de sua casa e comprou garrafas de uísque, champagne, martini, gim e azeitonas. Ela tinha um barman amigo deles que preparava um Dry Martini como ninguém. Comprou ainda vários tipos de queijos, frios e petiscos. E encomendou outros tantos.
Lá chegando, chamou um chaveiro e trocou a fechadura. Telefonou para muitos amigos e amigas. Resolveu dar uma festa. E as festas dela eram concorridíssimas.
Disse que começaria às 23h.
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À altura, um grande reboliço já havia se formado na clínica e no escritório de Francisco. No consultório de seu psiquiatra idem. Seu celular não parava de tocar, bem como o telefone de seu apartamento. Ela abaixou o volume dos dois. E pôs uma música altíssima para tocar.
Tomou uma deliciosa ducha, pôs um biquíni e foi para a cobertura onde tinha uma piscina. E bebeu e nadou e se divertiu à larga.
Já de noite, voltou ao apartamento. Estava tropegamente alegre. Tomou um banho delicioso. Estava bem bronzeada. Escolheu uma roupa linda, um vestido sem costas. Dourado.
Sempre com um copo na mão e com um líquido na goela, já estava pra lá de Bagdá. O som era bárbaro. Sem noção de horário e já vestida, cantava junto com a música: sei que eu sou bonita e gostosa… Ah, que saudades sentiu das Frenéticas!
Como ninguém ainda havia chegado, recostou-se. Achou que ainda era cedo. Foram muitas emoções para um mesmo dia. Ressuscitou cantando.
Eu bebo sim e tô viveeendo. Tem gente que não beebe e tá morrendo, ai eu bebo…
E outra vez: eu bebo sim, e tô viveeeeeeeeendo, tem gente que não bebe ic e tá morrendo…
Ai, que soluço, ic!
Eu bebooooo sim e tô vivendo, tem gente, ic, que não beeeeeeeeeeebe, ic, e ta morrendo, ic….
É hoje que eu vô pra farra ninguém me agarra, eu vô me espalhar….espalhaaaaaaaaaaar ic..
Bandeira branca, amor, ic, não posso mais, pela saudaaaaaaaaaaade ic, que me invade, ic, eu peço paz, ic.
Tchiboom….
Enfermeiros, peguem a moça. Ela pode se afogar.
Cacete, gritou Chico. Que mal fiz eu, porra???
_Hahahahhahaahahahah! Pula aqui Chico, tá umaaaaaaaaaa delíciaaaaaaaaa! Ic!
_cala a boca Mariana, você tá de volta na clínica.
_tô onde? Que clínica?
_na clínica pra bêbados.
_por quê?
_porque você é alcoólatra, não tem remédio nem solução. Sua bêbada.
_o quê?
_bêbada
_quem?
_VOCÊ, V O C Ê
_magina. Háhahhahaaahahh!
_exagerado. Bebi só duas taças de champagne.
_cara de pau.
_porra, por que você não acredita em mim, ic?.
_porque não sou cego, cacete!
_padre Chico, hahahhahaah, claro que você é cego, porra!. Pra que serve o instituto Padre Chico? Hahhahaah! Você é um porre!
_Mariana, você é Ô porre. E vai viver sozinha
_quê?
_sozinha.
_só o quê?
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Mariana começou a espernear loucamente. E se debatia sem parar. Chegou a se machucar. Olhe o que você fez, Francisco, disse alterada.
De repente, ela ouviu o interfone tocar.
Eram os primeiros convidados chegando.
Levou um susto. Olhou-se no espelho.
Estava bem, estava bonita.
Com um copo na mão recebeu os amigos. Francisco a ajudava a servir os convidados.
Volta e meia eles se esbarravam e ele dizia: que saudade, minha maluquinha! Você é tudo que eu sempre quis.
Sem entender bulhufas, Mariana parou de beber.
E nunca mais pôs uma gota de álcool na boca.
Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena e escreverei aqui aos domingos.