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Letras Irreverentes: Os demônios, Deus, os hambúrgueres e os zíperes

Coluna de Helena Prado sobre tudo que o universo pode oferecer; um espaço para contos, crônicas, textos, relatos…

Os demônios, Deus, os hambúrgueres e os zíperes

Ela era uma mulher de 45 anos. Chamava-se Frederica em homenagem ao seu pai. Desde criancinha odiava ser Fred. Que pra ela era homem.

Assim, Fred muito tempo chateada neste quesito. Sorte que nos outros ela tinha sido abençoada. Não foi namoradeira porque não era do seu feitio. Também não sabia paquerar. Pra namorar com ela, o sujeito tinha que suar. Em compensação, depois…

E quando namorava, já se portava tão séria, como se fosse pra casar.

Ela tinha pavor de dizer seu nome. Embromava, chamava atenção pra outro assunto, até que chegava uma hora que não dava mais pra enrolar. E, titubeante, dizia com os olhos e a voz baixos: Frederica. Invariavelmente ouvia hã? E ela: Frederica. Depois de dois ou três hãs?, ela ouvia hã-hã! que significava que o cara tinha entendido. Ou que estava duvidando.

Frederica pensava que coisa mais infeliz! E repetiu esta frase durante um bom tempo de sua vida, como se sua situação fosse mudar.

Um dia seu namorado lhe deu um cano. Fred ficou possessa. Em vez de ficar chorando as pitangas, telefonou para Mariana, sua amiga, que lhe disse que ia à uma festa. E perguntou se ela queria ir junto. Fred, disse Mariana, vai um cara amigo do Jorge. Ele está sozinho. Que tal? Mariana achou que era uma boa maneira de dar o troco no namorado, e disse ótimo!

Era linda

Enfim, Jorge, namorado de Mariana, passou na casa de Fred e Frederico para pegá-los. Ele nem sonhava que a amiga de Mariana chamava-se Frederica. Descoladão, Frederico beijou Mariana e a amiga. E fez a pergunta fatídica: qual é o seu nome? Ela disse pra ele falar o dele primeiro. Tudo bem,  e ele falou Frederico. Frederica não sabia se chorava ou se ria. E ficou no “adivinha” até chegar à festa e depois de tomar três uísques. Naquela altura, ele já estava pra lá de intrigado e de saco cheio. E começou a falar nomes femininos pelas letras do alfabeto. Ana, Beatriz, Cristina, Deborah, Elaine, Frederica… e caiu na risada. Ela ficou roxa. Queria se enfiar no primeiro buraco que aparecesse. Ele, sem entender por quê, disse qual a graça? O que foi que eu falei de tão gozado? Nunca imaginou que a graça estava em Frederica. Mas Mariana deu uma dica. Frederica, perguntou Frederico? E emendou nossa, nunca vi uma mulher com meu nome. Bacana, achei legal. Lógico que ela duvidou. Mas ele continuou dizendo que achava muito legal. E pra justificar dizia: não tem Roberta? Gabriela? Paula? Então, pô, qual o problema chamar-se Frederica?!

Fred se encantou com Frederico. E, depois dos três uísques, já estava desinibida, beijando , amassando… e, quando terminou a festa, dando.

Chegou em casa muito a fim de Frederico. E pensava como ele era o máximo! E se encaixou direitinho com ela, que ficou com o olhar perdido, até ser sacudida pela mãe.

A partir desta festa, Frederica e Frederico começaram a namorar. Ele mudou seu apelido para Kika. E ela adorou e ficou puta porque ninguém teve aquela ideia antes. Pouco tempo depois, um ano e meio, talvez, casaram-se. Tiveram um casal de filhos. Em quem puseram os nomes de Leonardo e Beatriz. Assim, nomes normais, destes que ninguém homenageia ninguém. E foram muito felizes por treze anos.

Até que Frederico encantou-se com uma morena muito mais jovem. E deu um pé em Frederica, que ficou numa pior.

Esta pior não durou muito tempo porque Kika ainda era jovem, estava com trinta e oito anos. E na plenitude de sua beleza. E Kika namorou uns três caras. Seus filhos não achavam legal dividir a mãe com nenhum deles, que punham defeitos sem mesmo conhecerem os caras. E nem queriam ouvir falar neles. Mas Kika era muito bem resolvida. E não dava a mínima para seus filhos. Assim, namorava, não dava bola, e, afinal, firmou-se com Jurandir. Um executivo que os filhos de Kika forçosamente conheceram e acharam um saco, e com nome brega.

Para coroar, Jurandir tinha dois filhos. Um pouco mais velhos que os filhos de Kika. Também um casal. O ciúme invadiu os dois algozes de Kika. E além de chatearem a mãe reiterando a breguice do nome de Jurandir, ficavam agora chateando a mãe, que não tinha dito os nomes dos filhos de Jurandir.  A história do nome de Kika era uma farra para seus filhos. Vai ver que se chamam Jorja e Henrica. E riam feito dois palhaços. Eles eram muito crianças e imaturos. Culpa de Frederico, que além de fazer todas as vontades dos dois chatos, só faltava carregá-los no colo.
Vocês nunca quiseram saber deles, bradava Kika. Não conto, será surpresa. Eles então tinham certeza de que os nomes eram um ponto a ser gozado.  Por que você nunca os trouxe aqui? Por que eles são muito ocupados e não têm tempo.

Foi isto mesmo que chamou a atenção de Leonardo e Beatriz. No começo achavam que a mãe não os levava lá para não criar confusão com eles que eram muito ciumentos. Mas, depois de alguns meses,  o namoro evoluiu e Kika e Jurandir acharam que estava na hora de apresentarem os filhos. Tenho certeza de que aí tem, dizia Leonardo. Eles devem ser Jorja e Henrica, e quem sabe uns crianções? Da certeza, Beatriz proclamou: e o defeito deve ser grave, senão a mamãe não os escondia, concordaram os dois. E faziam mil perorações acerca dos dois. Será que são fanhos? Pô, mas os dois? Não, vai ver que um deles é fanho e o outro tem a língua presa.  Ou falam errado? E davam gargalhadas.

Assim, chateando noite e dia a mãe, começaram também a pentelhar Jurandir, que contemporizava, mas com o saco muito cheio dos dois pivetes. Eles são muito diferentes de vocês, disse.

E eles não davam trégua. Mas diferentes como, perguntavam constantemente Leonardo e Beatriz? São ETs? Imaturos e muito chatos, pentelhos demais, suspirava e pensava Jurandir, com uma paciência de Jó. Diferentes e pronto, e encerrava aborrecido o assunto.

Assim, resolveram marcar o encontro. Seria numa lanchonete, que Leonardo tratou de escolher. E Beatriz deu o seu aval. Era um lugar badalado, cheio de jovens. Eles tinham lido num guia de uma revista semanal. Beatriz era gordinha. Estava naquela fase em que as meninas ainda não estão completamente desenvolvidas. Era um pouco diferente das meninas de sua idade, que já tinham mais jeito de mocinhas.  Leonardo tinha dezessete anos e meio, era muito estudioso, apesar de ser muito chato. Tinha cara de nerd.  Mas não tinha noção de suas características. Beatriz já tinha um namorado. Também gordinho como ela e coxinha idem.

Oba, mexeu Beatriz com Leonardo!, depois de mil e uma recomendações de Kika. Vou pegar no pé deles até… Vamos, disse Leonardo.

E nessa de darem um jeito de sacanearem o casal de irmãos, os dois não viam a hora de chegar o dia, que tinham certeza de que seria divertidíssimo. Beatriz perturbou a mãe porque queria uma calça nova. Se ela for ganhar uma calça, eu também quero, disse Leonardo. E uns complementos bem legais. Queriam estar bacanas para “humilhar” os filhos de Beatriz. E percorreram o Shopping atrás de lojas caras e transadas. Pobre Kika, que pensava: tamanha besteira não os mudará. em nada Mas fez a vontade dos filhos, pacientemente.

E o tão esperado dia chegou. Os dois se arrumaram acharam-se o máximo. Que bom, pensou Kika! Um problema a menos a enfrentar.

Deus e o diabo

Kika chegou primeiro com seus dois demônios, que olhavam toda hora para a porta a fim de verem a bizarrice que Jurandir traria. E Kika ficou distraída e na dela vendo o movimento. Para aborrecer a mãe, disseram que estavam com fome. Kika disse: calma, pô! Que falta de educação começarem a comer antes deles chegarem. Ah, não queremos nem saber. Quem mandou eles atrasarem…. Vai ver que a filha perdeu muito tempo encolhendo a barriga para fechar o zíper da calça, por causa das banhas. Acho que são gordinhos, baixinhos, têm os cabelos vermelhos e são branquelas cheios de sardas. E espinhas e cravos, complementavam. E riam adoidado. Não desistindo de aborrecer a mãe, Leonardo e Beatriz pediram milk shake, batatas fritas e hambúrguer.

De repente, um casal chamou a atenção dos dois. Na verdade, eram o sonho deles. Eram jovens, bonitos e transados. Charmosos, pensou Beatriz. Mas algum defeito devem ter, disse Leonardo com inveja. Beatriz e o irmão cravaram os olhos no casal, que sentou e ficou conversando. Os dois ficaram hipnotizados.  Sentiram-se umas crianças.

Assim, neste clima, chegou Jurandir. Sozinho, cutucaram os diabos. Eu sabia que o Jurandir não teria jeito de nos encarar, falou Beatriz bem alto. Leonardo deu gargalhadas. E começaram a apostar qual seria a diferença que os dois teriam: Acho que já dissemos todas, riam. Vai ver que vivem em “algum lugar do passado”, tipo na era da pedra lascada. E entre uma e outra gargalhada, nem perceberam quando um casal que chegou perto de Jurandir disse oi, pai, você demorou! E se apresentaram aos insuportáveis filhos de Kika: eu sou Juliana. E eu Guilherme.

Leonardo e Beatriz ficaram de queixo caído. E foram escorregando pela cadeira e se encolhendo como dois patetas. E tímidos disseram oi, somos Beatriz e Leonardo.

Pai, falou Juliana, eu quero um screwdriver, Guilherme pediu Black Label.

???, pensaram os dois patetas.

Beatriz e Leonardo queriam morrer com o milk shake que tomavam. Pior, com as batatinhas fritas e o hambúrguer que comiam. Os outros dois não quiseram comer nada.

Mudos, o demônio e a endiabrada, foram questionados sobre o que faziam. Mais que depressa, o demônio falou: faço direito na São Francisco. Não surtiu o efeito desejado, nem tipo um puxa, que bacana! Que inteligente… E você, Beatriz, perguntou Juliana? Estou me preparando para o vestibular. Vou fazer psicologia.

Visivelmente incomodada com a aparência legal dos dois, Beatriz falou pra Juliana, nossa como você é magra!  E tem o cabelo esquisito, espalhafatoso! É a minha profissão que exige, além de eu gostar. Bia ficou curiosa: e que profissão você tem? Juliana se adiantou,  somos modelos. E cursamos moda e teatro. E olhou pra Guilherme que balançou a cabeça  Achando os dois além de nerds, uns chatos.

Hamburguer

Como se não bastasse, os filhos de Kika passaram a rir dos dois filhos de Jurandir. Por que vocês estão rindo, perguntaram. Nada, bobeira, é que lembramos de uma piada. Não me diga, sorrindo responderam os dois de Jurandir. E quem conta primeiro, falaram. Vocês falaram os bobocas. Tudo bem. Então aí vai: um cara bem nerd que cursava direito morreu e foi pro céu. Deus lhe perguntou pra onde você quer ir, para o céu ou para o inferno? O idiota achou que Deus era muito liberal. E perguntou se poderia conhecer um e outro. Claro, disse Deus. O céu é por ali e o inferno por aqui. O coxinha quis ir primeiro ao céu. Lá chegando, viu umas pessoas de camisolões sentadas numas nuvens, passeando ou apenas lendo uns trechos da Bíblia. Harpas tocavam sem parar. Calminho, calminho. Ah e os mortos comiam hambúrgueres, batatas fritas e tomavam milk shake. Leonardo quase engasgou de tanto ódio. Mas Juliana continuou: assim mesmo sugeriu a Deus que gostaria de ir conhecer o inferno. Tudo bem, disse Deus, que foi na frente. Lá chegando, o bobalhão viu uns homens tomando uísque e cerveja, com um monte de moças bonitas batendo papo., alegremente. Sim, e o som que ouviam era heavy metal. O rapaz optou pelo inferno porque, afinal, viraria um homem feito em pouco tempo, pensando na mulherada e no uísque e na cerveja. Mas quis saber por que as regalias das trevas. Deus então falou: é que no inferno o uísque é nacional e as cervejas são sem álcool. E as moças são todas psicólogas e irmãs dos almas penadas.

Beatriz teve um mal súbito. Leonardo idem. Kika, que não era boba nem nada, disse: já já esse mal-estar passa, Beatriz. E você, Leonardo, sossega.

Beatriz ficou estrebuchando, Leonardo emburrado, empanturrado e mudo. Juliana perguntou se eles não iam contar a piada deles. Os dois rapidinho disseram que não. Então, Juliana pediu licença e saiu porque achou um saco e mal-educados aqueles dois, e deu uma desculpa esfarrapada e foi embora com o irmão.

Kika e Jurandir, apaixonados, disseram para “as crianças”: e aí, gostaram de Juliana e Guilherme? Não falei que eram diferentes de vocês, disse Jurandir?

Irados, os trastes quiseram matar a mãe e o Jurandir. Os dois sentiram-se mal, muito mal. Suas barrigas começaram a inchar. E estavam incomodando muito. As cinturas ficaram muito apertadas. Com ódio tiveram que abrir o zíper de suas calças.

Entupidos de milk shake, hambúrgueres e batatas fritas, nunca mais os dois pentelhos tocaram no assunto Juliana e Guilherme. Para alívio do casal, que não aguentava mais a cobrança.

Já na rua, Juliana e Guilherme comentaram a idiotia dos dois e gargalharam. Engraçado que a Kika não tem nada a ver com os filhos, comentaram. E saíram abraçados torcendo para o pai nunca mais ter a infeliz ideia de juntar os quatro novamente.

Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena e escreverei aqui às quartas-feiras.

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