Festival Internacional de Curitiba, que acontece de 8 a 16 de junho, reúne clássicos e obras contemporâneas, com direito a estreias mundiais, como no caso do longa baiano “A Cidade do Futuro”, de Cláudio Marques e Marília Hughes
Não é todo festival que incorpora o “olhar” em seu próprio nome. E em tempos de dispersão, com os filmes se avolumando em torno de nós, parece, cada vez mais, essencial ter um norte sobre o que ver ou por onde começar… Em Curitiba, um “Olhar de Cinema” nos propõe algumas possibilidades de itinerário.
Começa no dia 8 de junho, a 5ª edição deste estimulante encontro com a produção audiovisual de várias partes do mundo, que reúne clássicos e obras contemporâneas, combinando estreias mundiais à revisão histórica, sob o verniz das novas cópias digitais restauradas.
A despeito da generosa oferta de títulos, a ideia de maratona cinematográfica está longe de ser o foco principal. Melhor assim. Quantidade é o que não nos falta. Difícil é encontrar diversidade, risco e promessas de descobertas até mesmo quando se olha para o passado. Um bom exemplo disso está na seleção dos “Olhares Clássicos”.
Igor Santos, Gilmar Araújo e Milla Suzart em A Cidade do Futuro
Ao lado de cânones da linhagem de “Amarcord”, de Federico Fellini, “Ninotchka”, de Ernst Lubitsch, “Mouchette”, de Robert Bresson, ou “Como Era Verde Meu Vale”, de John Ford; temos dois exemplares extraordinários da cosmogonia eslava e indiana: “A Cor da Romã”, do cineasta de origem armênia Sergei Parajanov, e “Estrela Encoberta de Nuvens”, do pasoliniano Ritwak Ghatak. Além, é claro, dessa notável “matrioska” da fabulação que é “O Manuscrito de Saragoça”. Realizado pelo polonês Wojciech Has, o filme de mais de três horas se desdobra em várias histórias tal e qual um moto-perpétuo narrativo.
Na seção competitiva, o destaque fica por conta das primeiras projeções públicas do longa baiano “A Cidade do Futuro”, de Cláudio Marques e Marília Hughes. Porque tudo é cinema, não há divisão entre produções nacionais ou estrangeiras, ficção e documentário, no certame. E a história do triângulo afetivo-utópico ambientada no sertão da Bahia, encenada pela dupla de cineastas, divide as telas do Festival com, por exemplo, o registro da documentarista chinesa Shengze Zhu que, ao longo de 180 minutos, perfaz 13 jantares de uma família operária em “Um Outro Ano”, desde já uma das promessas do evento.
O manuscrito de Saragoça
Território desconhecido, o segmento “Novos Olhares” traz filmes de estreantes. Caso do longa da libanesa Chaghig Arzoumanian, sugestivamente nomeado de “Geografia”, que parte do genocídio armênio do início do século passado para compor um painel dos processos migratórios que só continuam a se agravar com o passar do tempo. “Zud”, de Marta Minorowicz, é outra produção que nos desloca a regiões distantes, as inóspitas estepes da Mongólia” para compor uma meditação sobre a fragilidade do homem face à natureza e às tradições seculares.
Complementa a programação, a retrospectiva completa da obra do cineasta brasileiro Luiz Sergio Person, realizador que construiu sua filmografia à margem dos movimentos estéticos de sua época, transitando do drama existencialista urbano, “São Paulo S/A”, ao cinema fantástico (é seu o episódio mais marcante do filme-coletivo “Trilogia do Terror”), sem falar no contundente resgate de um trágico erro judicial brasileiro em “O Caso dos Irmãos Naves”, obra-prima absoluta, sempre pronta a uma revisão.
O aquario e a nação
E, para não dizer que não se falou dos curtas-metragens, há o extraordinário “O Aquário e a Nação”, mais novo trabalho do cineasta francês Jean-Marie Straub. Apesar de se tratar de um dos maiores artistas em atividade no mundo, Straub, desafortunadamente, ainda é pouco difundido no Brasil – e um dos grandes méritos do Festival, é ter se tornado, desde 2014, a porta de entrada na América Latina para sua produção recente, sobretudo, após o falecimento da sua companheira e cineasta Danièle Huillet. Em pouco mais de 30 minutos, Straub, aqui, promove o encontro de “A Marselhesa”, de Jean Renoir, e o texto poético- engajado de André Malraux. É apenas o prenúncio do sublime, o sublime!
Adolfo Gomes é cineclubista e crítico de cinema filiado à Abraccine. Curador de mostras e retrospectivas, entre as quais “Nicholas Philibert, a emoção do real”, “Bresson, olhos para o impossível” e “O Mito de Dom Sebastião no Cinema”. Coordenou as três edições do prêmio de estímulo a jovens críticos “Walter da Silveira”, promovido pela Diretoria de Audiovisual, da Fundação Cultural da Bahia.