Crítica

Crítica: “A Morte de Stalin” – Vale cada minuto do tempo

“A Morte de Stalin”

Dirigido por Armando Iannucci.  Roteirizado por Armando Iannucci, David Schneider, Ian Martin, Peter Fellows. Baseado na história em quadrinhos La mort de Staline por Fabien Nury e Thierry Robin. Elenco: Steve Buscemi, Simon Russell Beale, Jeffrey Tambor, Andrea Riseborough, Rupert Friend, Jason Isaacs, Michael Palin, Paddy Considine, Olga Kurylenko 

Por Gabriella Tomasi

Apesar de A Morte de Stalin ser uma obra ficcional que originou da adaptação de quadrinhos por autores franceses, sua história tem estrita relação com os fatos reais. Tal como consta na sinopse, Stalin morre de hemorragia cerebral depois de uma noite regada à bebida, comida e filmes na companhia de seu círculo interno de políticos, o qual encontra o seu líder inconsciente no chão e coberto em urina no dia seguinte. Assim sendo, o seu leal time recebe a difícil tarefa de decidir não somente o futuro da União Soviética, mas todo o rumo do legado do partido comunista de Stalin.

Regimes ditatoriais são, no mínimo, um absurdo e não é à toa que esta sátira assinada por Iannucci é repleta de bom humor e sarcasmo para justamente demonstrar isso desde os minutos iniciais. Stalin pede para retornar uma ligação em 20 minutos, mas desde quando? Desde o horário da ligação? Depois de desligar o telefone? Stalin pede uma gravação de um concerto exatamente no momento em que ele acaba. O que fazer? Funcionários se apressam para recrutar um novo maestro e público para uma nova performance. Isso sem mencionar o pavor de seus cidadãos e de seus subordinados mesmo quando são abordados com amigáveis intenções e, neste sentido, falam qualquer tipo de coisa para agradar ou para se afastar de ser o responsável por dar notícias ruins, como os médicos que se recusam a pronunciar o diagnóstico, ou as constantes declarações das pessoas afirmando que sabe nomes de traidores.

Aliás, a hipocrisia de seus personagens também é um fator sempre presente na narrativa, não somente pelas mudanças constantes de opinião, ou o seu apreço pela cultura norte-americana com citações de filmes ou celebridades hollywoodianas, mas também quando o próprio alto escalão de Stalin toma atitudes bastante contrárias ao comunismo defendido pelo seu líder, evocando inclusive algumas vezes o liberalismo ou permitindo que grupos católicos o visitem no funeral, ou também quando fazem planos para protegerem seus próprios interesses, sendo rudes ou cordiais com as pessoas quando lhe convêm.

Neste sentido, Iannucci faz um trabalho incrível de mise-en-scène para enaltecer a ingenuidade de alguns membros do partido em relação a outros, quando eles começam a criar alianças ou rivalidades dentro do seu círculo, esquematizando cada um seu caminho para se manter no poder. É possível notar a presença de Stalin pairando sobre todos os ministros com suas estátuas e pinturas ao fundo dos planos, indicando justamente essa força centrípeta que o ditador continua possuindo entre seus aliados e o caos gerado pela sua ausência. Da mesma forma, o cenário gigantesco do funeral praticamente diminui todos os personagens ali presentes, principalmente os membros do partido comunista, representando essa grandeza e esse narcisismo enfadonho que é tão latente.

O melhor em A Morte de Stalin com certeza é a química e a dinâmica entre os atores em seus respectivos papéis políticos. Beria (Beale) representa esse sujeito asqueroso, mas que também serve para denunciar algumas verdades dos bastidores desse regime opressivo; Malenkov (Tambor) encontra-se totalmente perdido em seu novo posto de sucessor de Stalin; Vasily (Friend) é o filho mimado que vive de sua imagem dando ordens gratuitas a todos e fazendo pouco; Zhukov (Isaacs) é o militar ganancioso, cujas inúmeras e excessivas medalhas em seu uniforme transparecem seu egocentrismo. Contudo, quem tem um desempenho definitivo é o personagem de Steve Buscemi, Nikita, e que Iannucci cuidadosamente arquiteta a narrativa para roubar a cena, dando várias pistas ao longo do caminho, de maneira formidável e inteligente.

Para esse efeito, reparem como, em um primeiro momento, Nikita transmite a imagem de um sujeito quase patético ao fazer diariamente uma lista das piadas que agradam ou não ao Chefe do Executivo, ou como ele é ridicularizado dentre seus colegas por aparecer vestido de pijamas quando se arruma às pressas para verificar o que tinha ocorrido com Stalin. Posteriormente, ele é colocado para fazer tarefas pequenas como planejar o funeral e escolher o tipo de tecido para as cortinas, o que o desagrada profundamente. Gradativamente, ele ganha influência e se revela para o espectador quando se impõe para a pianista Maria (Kurylenko) ou quando, para falar diretamente com alguém, tenta trocar de lugar se posicionando na frente de Malenkov na cerimônia do funeral, como se no inconsciente já demonstrasse uma intenção de tomar o lugar de seu rival. Pequenos detalhes nos diálogos que ele enuncia como: “você deveria ter acatado minha sugestão” para depois nos depararmos com esta sugestão sendo realizada, tampouco são simples coincidências.

A Morte de Stalin é, em suma, um maravilhoso e competente trabalho que vale cada minuto do tempo do seu público.

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