Colossal 2017
Direção e roteiro por Nacho Vigalondo. Elenco: Anne Hathaway, Dan Stevens, Jason Sudeikis, Austin Stowell, Tim Blake Nelson
Por Gabriella Tomasi
Quando o mundo real e o mundo fantástico se encontram, muitas coisas boas podem ser aproveitadas e exploradas a partir de diferentes abordagens, como por exemplo, o humor negro de A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), as teorias conspiratórias de Eles Vivem (1988) ou então a fábula política de O Labirinto do Fauno (2006). Colossal, por sua vez, faz parte desse território, mas que por sua vez faz um estudo dos mais profundos e íntimos conflitos internos dos seres humanos.
A trama inicia com um suposto ataque por um monstro gigantesco que divaga em na capital da Coréia do Sul. Em uma referência ao clássico Godzilla, nós somos introduzidos brevemente ao que viria a acontecer de novo 25 anos mais tarde. Em seguida, somos transportados à cidade de Nova York, onde encontramos Gloria (Hathaway), uma blogueira desempregada que possui dependência alcoólica. Os constantes sumiços, a ressaca e as festas, acabam degradando o relacionamento com o seu namorado britânico Tim (Stevens), com quem vive, de tal forma a expulsá-la de sua casa com seus pertences já separados e guardados nas malas, não aceitando mais as segundas chances tanto prometidas por sua amada. Embora a personagem não seja tão sombria quanto àquela que Hathaway uma vez interpretou em O Casamento de Rachel, há um certo otimismo na atriz que leva Gloria a se deslocar para a antiga casa de sua cidade natal em Nova Jersey em busca de recuperação e recomeço. Lá, ela encontra seu colega de infância Oscar (Sudeikis), quem prontamente lhe arranja um trabalho de garçonete em seu bar deixado de herança por seu pai. Logo após a mudança, não tarda muito até que as noticias anunciem o retorno do referido monstro, chamado Kaiju, no país sul-coreano.
Colossal 2017
Evidentemente, há uma conexão específica entre as tragédias ocorridas literalmente do outro lado do globo e Gloria, no momento em que ela percebe que o tal monstro possui os mesmos jeitos e manias que a personagem possui. Oscar, por sua vez, também revela seus próprios demônios pessoais tão bem escondidos por trás da faceta amigável superficial que transmite, o que consequentemente mais tarde, cria uma rivalidade entre os dois personagens. Para tanto, o cineasta espanhol Vigalondo utiliza de uma surpreendente mistura de gêneros como comédia-romântica, ação, drama, thriller e ficção científica que funciona muito bem: você ri, sente medo, sente alívio, fica intrigado. Mas o melhor é o que ele tem a dizer em suas entrelinhas. É o fato de que nossas ações, por mínimas que elas sejam, possuem consequencias externas, ainda que longe de nosso alcance consciente. Além disso, em uma perspectiva fantasiosa como aqui é tratado, podem matar pessoas, destruir cidades e causar o caos. Portanto, não é ao acaso que o contraste entre uma pequena cidade do interior e uma grande metrópole como Seoul é realizado e ambas são afetadas como reflexo das atitudes de Gloria. Aliás, presenciamos isso em maior grau quando uma briga gera ruídos de clamor do público no contra-campo, ou uma derrota gera o mais puro silêncio, ou simples marcas de sapato – acompanhadas de gritos – no gramado podem representar mortes. É fato, pois, que tomando ciência dessas repercussões é o que faz Gloria não somente tentar largar dos vícios para se desprender de sua dependência, mas também a enfrentar personagens masculinos extremamente abusivos e violentos, com uma verdadeira e honesta mensagem sobre o empoderamento feminino.
Todavia, é uma pena que no terceiro ato o longa se perca na execução da montagem paralela no desfecho da trama e como resultado não alcança uma continuidade mais natural. Ainda, um maior cuidado deveria ter sido empregado em alguns elementos dos arcos dramáticos, como o desaparecimento repentino de um personagem sem a conclusão devida, ou o próprio personagem de Oscar que não é muito bem desenvolvido, principalmente quando vemos o flashback inteiro do que aconteceu entre ele e Gloria na infância. A sensação, no final, é de que algo faltou para que sua personalidade agressiva ou a origem dela fosse devidamente explicada para fazer sentido.
Mas a grande originalidade de Colossal é que faz valer a pena o ingresso do espectador. É o tipo de filme que precisa manter a mente aberta e abraçar suas bizarrices para ser apreciado, mas é ainda uma obra que se destaca.
Gabriella Tomasi é crítica de cinema e possui o blog Ícone do Cinema