Nós
Filme de Jordan Peele é um típico filme de terror, com início emblemático, reviravolta perturbadora e momentos de reflexão e risadas
O filme está em cartaz na rede UCI Orient Cinemas
A filmografia que Jordan Peele está construindo vem se mostrando uma das mais interessantes dentre os cineastas atuais. Seu grande sucesso, “Corra!”, mostrou ao mundo do cinema uma obra poderosa, que conseguia dar ataques cardíacos de tanto medo, e ao mesmo tempo possibilitava uma produtiva reflexão sobre questões raciais. Esse era o objetivo e o cinema de Jordan naquele momento se provou ativista de uma maneira bem direta. Diretor negro com um protagonista negro em torno de uma temática racial. Tudo beirava o genial.
Muitos acreditavam que “Nós”, a obra mais recente e que se encontra nos cinemas do país, seria uma continuação de todo este suposto projeto de Peele. E ai é que encontramos algumas diferenças, e o próprio diretor faz questão de confirmar essa posição: “Nós” é um típico filme de terror, e o fato dos protagonistas serem negros não traz qualquer questionamento racial à trama. Muito pelo contrário: seu desejo (de Peele) e o nosso é a de que filmes assim (um terror, comédia, romances), possam ser protagonizados por negros sem que se precise destacar este fato.
“Nós” é em suma um emblemático e interessantíssimo filme de terror protagonizado por uma brilhante atriz (põe brilhante) Lupita Nyong’o, que por sinal é negra. Avancemos.
Pegando uma sinopse curta do filme, temos algo como:
Nós
“Adelaide (Lupita Nyong’o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seus próprios duplos.”.
Esta sinopse não chega a ser nem 10% do que de fato a história apresenta, e para que tenhamos um deleite maior sobre a obra, será necessário (ou ao menos sugerível) que o espectador se atente para as simbologias e as referências que o filme apresenta.
Logo na introdução do filme vemos coelhos presos em um ambiente muito emblemático, uma sala de aula, que mais para frente será palco no filme da grande reviravolta da história, então o quanto menos falarmos sobre este momento, melhor. Porém é destacável que esse uso de animais em tramas de terror é uma escolha que foi muito utilizada em grandes clássicos do gênero. Coelhos, gatos, pássaros… Animais nos assustam bastante. E dentro desta perspectiva já podemos entender que o filme de Peele acaba sendo uma boa homenagem aos clássicos de terror, desde Tubarão (há uma cena com referência explicita), passando por Pássaros (há também cena mais que explicita) e fechando em O Iluminado (há algumas cenas com a atmosfera do clássico de Kubrick).
Há também um abraço ao estilo de terror que ficou bem evidente década passada, com filmes como “Violência Gratuita” e “Os Estranhos”, onde uma família vê a sua casa sendo invadida e passa a sofrer as maiores crueldades.
Sendo assim, já podemos dizer que “Nós” carrega uma série de referências a clássicos do cinema, e essa percepção é maravilhosa para quem consegue captar durante o filme.
Outro grande motivo para “Nós” ser um filmaço está na reviravolta que o filme oferece ao espectador, com o desfecho da cena inicial, que é uma menina encontrando em uma sósia sua em um labirinto na praia. Esta cena inicial acontece nos anos 1980 e o resto da trama se passa em tempos atuais. A reviravolta, e o desfecho, que carrega simbolismos, e ironias, faz nos lembrar dos típicos clássicos de terror dos anos 80.
Elenco
Sobre o trabalho dobrado dos atores, é formidável e Lupita Nyong’o consegue diferenciar com vários detalhes sutis as suas duas personagens, e a reviravolta só se mostra chocante porque antes dela tivemos uma brilhante atuação de Lupita.
Nós
Todo o elenco por sinal segue o nível de qualidade, e consegue assustar quando necessário, mas divertir também. Há muitas tiradas de humor ácido que se você estiver atento vai amar.
Jordan Peele consegue com “Nós” construir mais uma parte de sua cinematografia. Sua direção é tão consistente quanto foi em “Corra!”. Ele conseguiu reproduzir atmosferas e até sequências todas vindas de outros filmes (todos clássicos e dirigidos por gênios) e ainda assim o resultado final se mostrou original e inteligente.
Os simbolismos advindos da vertente religiosa da trama serve para fazer o espectador sair do cinema e pensar (ou procurar no Google o significado). E a partir daí o filme passa a fazer mais sentido dentro de uma possível proposta de Peele, de mostrar que nossas ações acabam nos transformando em nossos piores inimigos. Em “Nós” jogamos fora a máxima de Sartre de que o inferno são os outros, e passamos para a máxima de que eu sou o meu pior inimigo.
Palmas.