Cinema

Um diário especial: minha mãe e eu – 5

Um Diário Especial

Perdi as contas de quantos dias estou internada com minha mãe no Hospital BP Mirante. Estou esgotada.”

Por Helena Prado

Andar de patins na varandona do casarão onde morávamos era uma delícia. Eu amava. Ganhei um par de patins com freio do meu padrinho, o tio Torres. Ele morava na Lagoa, no Rio de Janeiro. Lembro-me até da rua e número. Resedá, nº 9. Ele e tia Dema eram vizinhos de Janete Clair e Dias Gomes. A casa deles era cor-de-rosa. A foto que consegui lembra muito a casa que eles moravam. Só que é meio brega demais.

Eu adorava passar férias lá, porque eles faziam todas as minhas vontades. Acho que quem não gostava muito era a neta deles, pois, um bilhão de anos depois, tentei ficar amiga dela de facebook e ela nem me deu tchum. Ao contrário de um de seus netos, que é uma graça de pessoa e chama-se André. Gateiro como eu, André mora em Denver. Conversamos pouco, mas ele sempre é gentilíssimo e educadíssimo.

​Os anos passaram, eu cresci e mudei de brincadeiras. Mas eu era muito engraçada, porque ao mesmo tempo em que eu era uma moleca, dessas que adora brincar com todos os meninos da rua de carrinho de rolimã, bets e queimada, eu não largava as bonecas para as quais eu costurava. Eu imitava direitinho todas as roupas que a mamãe fazia pra mim, e fazia para a minha boneca “Beicinho”, a última que tive, quando já estava com treze anos. E minha prima tinha a “Risinho.”

​Um dia, assistindo ao filme do Zorro, na TV sem cores, claro, vi como ele abriu uma porta que estava trancada. Fiquei de olho e achei o máximo.

No dia seguinte, pus em prática, numa casa da rua que estava toda trancada para alugar.

​Chamei a turma de moleques e uma prima que sempre estava comigo. Fomos para a porta dos fundos. A chave estava na fechadura. Enfiei habilidosamente umas duas folhas encorpadas de jornal por baixo da porta, na altura da fechadura. Dei um murro no trinco e a chave caiu. E delicadamente puxei a chave com o jornal, e abri a porta. Foi uma farra!  Desbravamos a casa, entramos em todos os cômodos e não fizemos absolutamente nada, além da façanha de seguir exatamente o que Zorro fez.

Quando saímos da casa, em vez de jogarmos a chave por debaixo da porta, pendurei-a num prego que tinha acima do tanque.

Conclusão: ladrões entraram na casa e roubaram todo o encanamento que era de cobre. Eu e minha prima ficamos mudas. A dona da casa era nossa vizinha, dona Odila. Ela nunca soube que quem facilitou tudo para os ladrões, ou o ladrão, fui eu.

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Corta para junho de 2017
Perdi as contas de quantos dias estou internada com minha mãe no Hospital BP Mirante. Estou esgotada.

​Hoje, uma enfermeira gozadíssima que cuida da mamãe me disse: você vai embora, né? Porque sua cara está horrível. Eu caí na risada. Porque ela falou a mais a mais pura verdade.  Pedi socorro para a santa da Ivanete, a moça que trabalha conosco, e na hora do almoço ela veio, me abraçou como se abraça uma criança, e disse: vai tranquila, que deixei seu quarto todo arrumado. E só volte amanhã às 14h. Eu declaradamente amo a Ivanete. Nunca vi pessoa mais generosa que ela. ​ Desci até o restaurante do hospital pra almoçar, liguei pra o meu terapeuta e consegui um horário às 15:30h. Almocei com calma, voltei ao apartamento da mamãe pra escovar os dentes, e ela ficou toda feliz com a minha chegada. E, então, saí mortificada dizendo que só voltaria amanhã. Judiação! ​

Eu soube que quando ela fez a colonoscopia, ela me chamou o tempo todo. Do mesmo jeito que me chamou quando fez a biópsia.

Mamãe está um grude comigo. E anda brava. Ontem, depois de já ter tomado sua ceia – um mingau, um suco e um mix de frutas cozidas e batidas -, ela falou brava: anda, pega o meu mingau. Eu lhe respondi: você já tomou seu mingau hoje. Aliás, você já tomou as suas seis refeições diárias. Chega de comer por hoje. E ela ficou quietinha, pensando. Não sei exatamente no quê. ​

Mas ela é uma doente boazinha. Não reclama de dor nem de nada, nem da infinidade de exames que diariamente são feitos nela.  Aparentemente, ela me assusta. Porque entrou andando sozinha no hospital e agora só faz coisas com a minha ajuda ou de enfermeiras/os.

​Questionei o médico e o que soube é que nas internações prolongadas, principalmente dos idosos, há muita perda de massa muscular. Por causa dos poucos exercícios, de muita cama e muita cadeira. Apesar de ela fazer fisioterapia e querer andar pelo hospital, na maioria dos dias.

​O que ainda a prende no hospital é a maldita diarreia e seu potássio zerado. Hoje ela também pediu ao médico um remédio pra não fazer xixi toda hora. Coitadinha!

​Amanhã, ela começa a quimioterapia oral, com o hormônio (ou anti-hormônio). Os comprimidos já estão aqui em casa. Vou levar para o hospital amanhã.

O que me deixa muito triste é ver minha mãe que sempre foi tão vibrante, tão alegre, tão falante, tão tão… estar agora dependente de mim e de outras pessoas pra tudo.

Mãe, como eu te amo, querida!  Se eu pudesse, eu te pegava e te punha no colo e te ninava.

​Durma em paz, meu bem!

​E até amanhã.

Helena de Almeida Prado Bastos

​06/062017

Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena.

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