Crítica

Crítica Jogos Vorazes: Em Chamas – Filme denso e inteligente

Katniss Everdeen

O emblemático desfecho de Jogos Vorazes: Em Chamas (dirigido por Francis Lawrence) me fez lembrar quase que automaticamente dos últimos segundos do filme Matrix – Reload, que coincidentemente também fazia a função de capítulo intermediário de uma trilogia (no caso, Matrix). Em ambos, observamos os protagonistas deitados, ainda desgastados por todas as lutas passadas nas histórias, e então eis que um corte abrupto carrega consigo os créditos do filme e a partir daí há uma nova espera de todos pela sua continuação final.

Porém, enquanto que em Matrix o sentimento de revolta dominava o mais atento espectador, em Jogos Vorazes ficou a clara sensação de que as mais de duas horas de narrativa cumpriram tão bem o seu papel, que não era necessário que houvesse um desfecho mais didático, como o mais preguiçoso espectador está acostumado (e gosta). Jogos Vorazes: Em Chamas não é um filme didático, ainda bem. E por mais que seu público alvo seja os milhões de fãs dos livros da saga (escritos por Suzanne Collins) nada impede que alguém só interessado no filme se divirta. E a diversão é garantida.

Para uma rápida contextualização da história: após a 74ª edição dos Jogos Vorazes, Katniss Everdeen (a sempre bela e talentosa Jennifer Lawrence) se torna o símbolo da revolução e embarca na chamada Turnê da Vitória nos distritos juntamente com Peeta Mellark (Josh Hutcherson). No decorrer do percurso, Katniss sente que uma rebelião está prestes a acontecer, mas o congresso permanece no controle, ao mesmo tempo em que o Presidente Snow (eficientemente interpretado por Donald Sutherland) prepara a 75ª edição dos jogos: O Massacre Quaternário (uma edição reformulada dos Jogos Vorazes, que ocorre a cada 25 anos) coloca novamente Katniss e Peeta nos jogos, desta vez contra adversários ainda mais difíceis.

Jogos Vorazes – Em Chamas

Mesmo que os tais jogos vorazes ainda sejam o foco central da história, o roteiro do filme, responsabilidade de Simon Beaufoy (Ou Tudo Ou Nada) e Michael Arendt (Pequena Miss Sunshine) traz, agora com mais profundidade, as discussões políticas que envolvem a trilogia. Toda a primeira parte do filme tem a função básica de estabelecer um quadro de opressão – a militar – mas também a que é feita somente com política, com a arte de manipular um povo, tão comum em países ditatoriais. Em uma das cenas mais interessantes, o novo coordenador dos jogos, Plutarch Heavensbee (interpretado pelo eterno Philip Seymour Hoffman), aconselha o presidente Snow a não matar (fisicamente) Katniss, mas sim a aniquilar a sua imagem, transformando-a numa representante dos opressores e não dos oprimidos.

Diálogos como este elevam sobremaneira a saga Jogos Vorazes, e fazem do filme um agrado não somente para adolescentes (como o senso comum imagina), mas também para todos que gostam de uma boa história sendo contada. Outro ponto forte e inteligente do roteiro foi não supervalorizar o triângulo amoroso vivido por Katniss, Peeta e Gale (Liam Hemsworth). Uma decisão assim só enfraqueceria a trama central, tão mais relevante se pensarmos atentamente. Katniss, diferente de outras pseudo-heroínas de sagas de aventuras, é uma genuína guerreira, pragmática, racional, inteligente, e que sempre põe a preservação de sua família níveis acima de qualquer sentimento por algum dos rapazes. E olha que os dois são até merecedores de tais sentimentos. Evidente que esta escolha deve ter sido consequência de uma adaptação quase que fiel do livro, mas ainda assim é merecedora de elogios.

As cenas de ação, que dominam a segunda parte da narrativa, conseguem criar tensão – os efeitos especiais merecem elogios, principalmente por conseguir externar as engenhosas armas que caracterizam este capítulo da história. Muitos dos novos participantes desta edição dos jogos conseguem ter, de fato, funções relevantes e estratégicas na narrativa, e quando é dado o desfecho da segunda parte, ainda percebemos que muitos destes participantes estavam lá por outro motivo. Esta parte, explicada de passagem, deve ser mais bem trabalhada na terceira parte da história (subdividida em outras duas partes). Mesmo assim, toda a estrutura dos jogos se mostrou eficiente em proporcionar elementos de ação e tensão ao espectador que passou quase uma hora se contentando somente com diálogos (ótimos, por sinal).

Jogos Vorazes: Em Chamas, estranhamente, é diversão mais que garantida, mesmo narrando uma história marcada por sentimentos de tristeza, melancolia e revolta (Katniss poderia facilmente ser caracterizada por alguns destes termos). A diversão no caso não é a de sorrir com os elementos da história, mas puramente com a satisfação de, ao final do filme, perceber que as mais de duas horas gastas numa sala de cinema, ou no sofá de sua sala, foram mais que agradáveis. Qualquer filme que consegue extrair isto de seu espectador merece o meu mais profundo respeito.

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