Trama Fantasma
Dirigido e roteirizado por Paul Thomas Anderson. Elenco: Vicky Krieps, Daniel Day-Lewis, Lesley Manville, Sue Clark, Joan Brown
Por Gabriella Tomasi
Indicado a seis categorias do Oscar de 2018, Trama Fantasma, o novo filme de Anderson e supostamente o último trabalho de Daniel Day-Lewis como ator, chega aos cinemas para nos impressionar com uma história que fala sobre amor, compaixão, as relações humanas e as proporções tóxicas que elas podem tomar. Um trabalho tão meticuloso, tão ousado que não me surpreenderia se este longa entrar na lista dos clássicos da sétima arte.
Isso se deve pelo trabalho do roteiro e, principalmente, pela atuação incrível de seu protagonista. Day-Lewis é o metódico estilista dos anos 50 de uma marca de alta costura chamado Reynolds Woodcock, aqui representando um mundo frio e até mesmo cruel. Um homem brilhante que nos primeiros minutos de projeção já podemos sentir sua solidão em uma casa luxuosa, assim como a rotina específica de seus dias ao se arrumar, cortar os pelos do nariz, e até mesmo a maneira de pentear seu cabelo possui movimentos singulares. Todo o design de produção é construído para dar uma sensação de desconforto no espectador com ambientes pequenos e corredores estreitos desde o início.
Reynolds é o personagem perfeccionista, tão consumido pelo seu trabalho que negligencia o contato humano, já que as dezenas de trabalhadoras devem atender às suas necessidades, suas musas que ele mesmo escolhe para servir de modelo aos seus vestidos são rapidamente descartadas, suas manias devem ser respeitadas, a ponto de que todos em sua volta temerem um temperamental, mas talentosíssimo e admirado homem. Neste sentido, seu objeto de trabalho é tão valioso que no curso da narrativa passa a representar um símbolo de reputação. Sua irmã Cyrill (Manville), por sua vez, é tão distante das pessoas quanto ele, permanece administrando a empresa como um braço direito de Reynolds, uma pessoa que se comunica com ele apenas pelo olhar, já tão acostumada com os caprichos que pouco se envolve com seus “interesses amorosos” (se é que podemos chamar assim, já que Reynolds está muito mais interessado no manequim da mulher do que se envolver com elas) até que, em certo momento, pergunta a ele: “ela está ficando gorda, devo dispensá-la?”.
Então, nos deparamos com um homem completamente focado em seu trabalho, que não se dá nenhum direito à distração. Sua mãe falecida, dona da metáfora que dá título ao longa, demonstra uma possível criação rígida e de muitas expectativas para a família. Isso é até que ele conhece Alma (Krieps), uma mulher que nos primeiros momentos em sua presença indica uma mulher doce, vulnerável, e quase ingênua que cai nos encantos de Reynolds. Em seguida, ela aceita se mudar com ele em sua casa para ser sua nova musa e mulher.
Da mesma forma, Alma é uma personagem complexa que nos impressiona conforme a narrativa progride. A personagem, então, quebra as convenções da década de 50 e, assim, sequer deixa se silenciar diante de abusos, isolamento, dominação e destratos. Ela nos mostra um lado impositivo que simplesmente desequilibra o perfeito mundo de Reynolds e, ao mesmo tempo, revela um lado obscuro da sua personalidade que advém de seu amor, o que não coincidentemente transparece na cor de suas vestimentas. Se em um primeiro momento em que conhece Reynolds ela se veste de um tom vermelho brilhante como a inocência e a euforia de um novo amor, a transformação em amargura é acompanhada gradativamente de tons em vermelho pálido, escuro, e inclusive com tons de preto em seus vestidos.
Alma claramente sofre com esse mundo sem vida de Reynolds. É possível observar que no primeiro encontro, há uma grande intimidade entre os dois personagens já que a câmera de Anderson capta em close-ups nos movimentos que Reynolds usa para costurar e fazer o primeiro vestido de Alma. Mais tarde, a aproximação vai se esvaindo na medida em que o trabalho da mise-en-scène coloca uma considerável distância entre ambos reiteradamente, por exemplo, quando vemos Reynolds em um canto do quadro mexendo na barra de um vestido, enquanto Alma se olha no espelho do outro lado.
Neste contexto, Anderson brinca com nossas expectativas e manipula as emoções através de suas lentes. Se por um lado, a câmera acompanha a distância da câmera no momento em que esfria a relação e o calor da paixão que antes eram sentidos pelos planos mais próximos do aparato, o mesmo enquadramento próximo do rosto dos atores, em outro momento, se transforma em um espaço da tensão que emerge na relação. A iluminação, que antes possuía um contato próximo com a natureza, posteriormente mal se vê para além das quatro paredes dos ambientes internos.
Mas Anderson não quer apenas contar a história de um relacionamento dependente, que consome e, potencialmente, é autodestrutivo, mas sim explorar um universo no qual as pessoas que habitam nele são egocêntricas, indiferentes, vaidosas e hostis, o que contrasta com a extrema elegância, beleza e estética dos designs do vestido. Aqui, portanto, se subverte os valores da compaixão, e do amor.
Por conseguinte, Trama Fantasma possui uma carga psicológica muito complexa de seus personagens, que traz e desenvolve a linha tênue entre a obsessão e o amor.
Uma obra prima.