Crítica

Crítica “O Banquete”: um olhar para a época das incertezas

Dirigido e roteirizado por Daniela Thomas. Elenco: Drica Moraes, Mariana Lima, Caco Ciocler, Rodrigo Bolzan, Fabiana Gugli, Gustavo Machado, Chay Suede, Bruna Linzmeyer, Georgette Fadel

O novo longa-metragem de Daniela Thomas, O Banquete, oferece um olhar para a época das incertezas e instabilidades causada pela política brasileira pós-ditadura militar.

Em pleno começo da década de 90, quando o então presidente do país Fernando Collor de Melo se posicionava bastante intolerante em relação ao que era publicado sobre sua gestão na imprensa, um grupo de amigos jornalistas, editores, críticos, atores se reúnem para comemorar o aniversário de 10 anos de casamento de Bia (Lima) e Mauro (Bolzan). Em meio à reunião, um deles descobre um mandado de prisão expedido em seu nome, em razão de uma carta publicada em que constavam graves denúncias imputadas ao chefe do Governo.

Durante a narrativa, o filme procede de maneira bastante semelhante à de A. Hitchcock em seu filme Festim Diabólico (1948), já que nesse caso, O Banquete também possui uma narrativa executada mediante longos planos-sequencia e filmado inteiramente em um mesmo cenário: a sala de jantar de Nora (Moraes) e Plínio (Ciocler).

Neste aspecto, a diretora demonstra um talento e uma maturidade para a mise-en-scène que é de se louvar. O reduzido campo de profundidade leva ao espectador a se concentrar na interação e no relacionamento dos personagens ali presentes, o que também, em outro nível, metaforiza esse mesmo recurso ao enclausuramento a até mesmo à dependência de cada um em relação ao outro. Da mesma forma, a cineasta em conjunto com a direção de fotografia criam planos maravilhosos que por vezes imerge um personagem na escuridão ou ressalta o reflexo do rosto do ator nas paredes espelhadas de acordo com o ambiente que se deseja criar.

Além disso, há o incrível plano de abertura, em que uma planta carnívora devora um inseto, funcionando aqui como foreshadowing (ou prenúncio) para o que toda a trama viria a concretizar na sequencia, ou seja, um enredo que envolve os tantos jogos de poder e erotismo; o prazer e dor que se misturam. Esse tipo de subgênero, uma tragicomédia de costumes, em que a classe elitiza é bastante exposta, não é novidade no ramo cinematográfico, uma vez que podemos inclusive atribuir em parte as mesmas características ao clássico hitchcockiano, assim como Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966) ou o recente O Jantar (2017), por exemplo.

Outro aspecto interessante da obra de Thomas é a referência ao título do longa como uma intertextualidade à obra homônima de Platão. Constantemente presenciamos Nora ou outros personagens mencionarem o quanto o amor é importante, significativo e, sobretudo, o motivo de o jantar ter sido organizado em primeiro lugar, apenas para que esse mesmo conceito se desconfigure e se deturpe conforme a progressão da narrativa, por meio da presença das mágoas das amizades, dos rancores, dos machismos latentes, das situações mal resolvidas, das assertivas ásperas da verdade “nua e crua”  pronunciadas pelos embriagados.

Embora o tema a que o longa se propõe a discutir seja extremamente necessário e importante de ser feito, em particular em relação ao contexto brasileiro, infelizmente O Banquete peca por não conseguir estabelecer um ritmo ou um até mesmo um objetivo certo para tanta violência e sadismo presentes no diálogo de seus personagens, o que faz seu próprio propósito se perder ou não ficar tão explícito quanto deveria. Isso se deve principalmente à agressividade e à evasividade abordada desde o início e se torna extremamente cansativa e forçada já na metade do filme, além de diálogos extremamente teatrais, dando a impressão de tudo aquilo ser artificial ao invés de compor uma diegese cinematográfica natural.

O contexto político também não é um elemento desenvolvido apropriadamente, já que sequer se aprofunda nele ou trabalha um suspense eficiente em que o espectador tema a presença da polícia no apartamento de Nora a qualquer momento.  Este tema parece pairar sobre a narrativa sem saber ao certo o seu lugar, possivelmente fazendo com que muitos de seus espectadores saiam confusos da sessão do cinema em relação à moral do filme.

O Banquete, por fim, tem seus méritos por ser muito bem dirigido e pensado. É uma pena que o resultado de seu roteiro ficou aquém de seus potenciais.

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