Retratos
“O projeto surgiu, segundo os divulgadores, devido à escassez de material que aborde a temática de forma sincera, sem o conservadorismo dos grandes veículos de comunicação.”
Por Elenilson Nascimento
Tratar de um assunto ainda tabu como a homossexualidade nas artes sempre foi uma coisa complicada. Mas parece que as coisas estão mudando nessa sociedade hipócrita e demagógica. De novelas das 18h, Jóia Rara, passando pela das 19h, Sangue Bom, e chegando em Amor à Vida, sobre a bicha malvada que virou santa, Fêlix, exibida às 21h, todas as principais tramas atuais da Rede Globo, por exemplo, contam com personagens gays. Um sinal claro de que a homossexualidade entrou de vez no rol dos temas que não podem faltar numa obra da teledramaturgia, mas rolar um beijo gay ainda não pode.
Mas nem sempre foi assim, faz pouco tempo que o universo LGBT começou a ser abordado com uma certa relevância na telinha. A primeira novela a trazer um personagem gay não estereotipado foi Brilhante de Gilberto Braga, exibida pela Globo, lá no ano de 1981. Vivido por Dênis Carvalho, o jovem Inácio era obrigado por sua mãe a casar uma mulher, reprimindo sua homossexualidade. Mas ele teve um final feliz, se livrando do arranjo esdrúxulo e indo morar com o namorado em Paris. Na excelente série gay CaRIOcas, o ator Marcelo Melo troca beijos quentes (e molhados) em cena. O deslumbrante (que eu já entrevistei no Literatura Clandestina) Sérgio Menezes não fica atrás e se joga num rala e rola com outro ator depois de deixar a namorada ir embora.
No cinema, desde sempre, os diretores sempre apresentaram personagens não estereotipados bem antes da TV. Um bom exemplo foi o filme alemão Diferente dos Outros que mostrou em 1919 a delicada história de amor entre um professor de música e seu aluno. Mas o grande divisor de águas foi o filme Perdidos na Noite, que foi o primeiro a registrar uma cena na integra de sexo gay.
Breno (Jorge D’Santos)
Depois disso, já podemos encontrar nas locadoras títulos e enredos versando a mesma temática, como o belo Um Dia Muito Especial, estrelado por Marcello Mastroianni; o divertido Priscilla – A Rainha do Deserto; Orações para Bobby; Patrick 1.5; De Repente, Califórnia; Canções de Amor; todos de Almodóvar, em especial Má Educação e A Lei do Desejo; além de As Vantagens de Ser Invisível e, óbvio, O Segredo de Brokeback Mountain (*o livro, que na verdade é um conto, é ainda melhor).
Como se constata, em Hollywood ou fora dela, a cinematografia coleciona filmes importantes nas últimas décadas, mas a literatura vai muito além.
Livros como Seis Balas Num Buraco Só – A Crise do Masculino e Devassos no Paraíso – A Homossexualidade no Brasil, da Colônia à Atualidade, ambos de João Silvério Trevisan; Aberração, de Bernardo Carvalho; o erótico-pornô Cinema Orly, de Capucho; Trem Fantasma, de Carlos Hee (que também já entrevistei); O Terceiro Travesseiro, de Nelson Luiz de Carvalho; o clássico O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, publicado em 1895; os episódios de abuso sexual masculino em O Ateneu, de Raul Pompéia; lesbianismo em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, porém, o estopim do escândalo somente seria aceso com a publicação de Bom-Crioulo (1895), do cearense Adolfo Caminha; se você prestar atenção até o menos explicito Dom Casmurro, de Machado de Assis; e também o meu Clandestinos, em parceria com Anna Carvalho, todos trouxeram para dentro da literatura a narrativa de experiências, de emoções, de uma sensualidade pulsante que motivou o interesse dos leitores.
RETRATOS
Agora, mais uma obra desponta com promessa de sucesso e o melhor, produzida na Bahia, onde jovens da atualidade e sua sexualidade explorada de forma verdadeira e sem maniqueísmos é o mote da web série Retratos que estreia na próxima sexta-feira, 31 de janeiro. O projeto surgiu, segundo os divulgadores, devido à escassez de material que aborde a temática de forma sincera, sem o conservadorismo dos grandes veículos de comunicação.
Théo (Marcos Barreto)
Segundo um dos atores da série, Marcos Barreto, a importância da série é gigantesca: “Primeiro por apresentar a vida como ela realmente é, sem máscaras, sem pudores e sem as vergonhas impostas pela sociedade. Além disso, acredito que vai tocar e transformar muitas pessoas e consequentemente suas vidas”, disse animado o ator.
Sobre a sua participação na série, Barreto pontuou:
“Sou meio suspeito de falar sobre qualquer coisa relacionada a ‘Retratos’ porque me apaixonei pela série, a equipe, os cuidados, desde o primeiro momento. Fico muito feliz em participar de algo com essa importância social, de quebra de tabus, de momento de transição. Dar vida ao Théo, que é um gay assumido e que só deseja ser feliz, sem fazer mal a ninguém é muito bonito. Espero que as pessoas curtam o trabalho dessa equipe MARAVILHOSA. Todos os colegas de cena e todos os outros envolvidos, estão fazendo com muito amor. Espero que isso chegue até vocês”, concluiu.
E se na dramaturgia, até Nelson Rodrigues deu a senha do ladrão boliviano em Toda a Nudez Será Castigada (1965); Chico Buarque imortalizou o travesti Geni em A Ópera do Malandro (1978). Mas Plínio Marcos marcou época com o marginal Veludo de Navalha na Carne (1967). Contudo, uma das mais interessantes obras “made in Brasil” com vigor homossexual é mesmo Grande Sertão: Veredas (1956), onde Guimarães Rosa desenha a ambigüidade de forma elegante e sutil com a história do jagunço Riobaldo que ama secretamente o seu jovem parceiro Diadorim sem saber que ele, na verdade, é uma mulher masculinizada.
Portanto, todos esses escritores, além dos julgamentos morais, deixaram-se conhecer, ou melhor, fomentaram nas palavras o desamparo do desconhecido, do verdadeiro, do valente.
Pietra (Mirella Matteo)
Agora, com Retratos, poderemos conferir uma história que gira em torno do filho de um pastor evangélico, que tem um romance secreto com um homem, e uma garota que sempre pensou ser hetero e se descobre lésbica, onde questionando comportamentos, num estimulante embate entre o desejo e a denúncia, o diretor cria uma teia talentosa de vocação sensível e sensual, jamais banal ou pornográfica.
“A arte tem esse poder de tocar no íntimo e de, pelo menos, promover uma discussão sobre o assunto mesmo que não haja uma mudança. E isso é maravilhoso! Fora o reconhecimento do público gay, de se ver representado, de forma verdadeira, bonita, sem estereótipos, exageros, comédia, como normalmente é proposto. ‘Retratos’ vêm agregando muitas coisas boas e através dos olhos do nosso querido diretor Rafael Jardim, que tem um cuidado no olhar, ganha um toque muito especial! Que ‘Retratos’ venha para marcar um momento de transformação! Amor!”, disse ainda Barreto.
A produção é do canal Webséries G. Até agora, três episódios foram financiados pela própria equipe da série e os demais serão custeados por meio de crowdfunding (em sites de financiamento colaborativo) e possíveis patrocínios. A série é protagonizada por Victor Corujeira (Depois da Chuva), Luna Kruschewsky (Os Saltimbancos da Esperança), Marcos Barreto (Mar Morto), Mirella Matteo e Albert Elliot de Lira (Cia. Novos Novos). O episódio piloto conta também com a participação de Daniel Becker, Jorge D’Santos (Éramos Gays – que ficou com medo de liberar uma entrevista), Clarissa Napoli, Josy Luz, Ricardo Albuquerque e Marcelo Dantas.
Websérie Retratos Estreia 31/01/2014 (sexta-feira)
Onde: www.youtube.com/WebseriesG
Informações: www.facebook.com/SerieRetratos
*Eles estão em busca de apoios, patrocínios, parcerias para concluir a primeira temporada da série. Interessados pode procurar Rafael Jardim: [email protected]
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.