Os Smurfs e A Vila Perdida
Elenco de vozes originais: Demi Lovato, Rainn Wilson, Mandy Patinkin, Joe Manganiello, Jack McBrayer, Danny Pudi, Julia Roberts
Por Gabriella Tomasi
Os Smurfs e A Vila Perdida é o terceiro filme sobre estas criaturas azuis mágicas que vivem no meio da floresta. Após o desastre de crítica perante o mau desenvolvimento do live-action feito nos seus dois antecessores, a Sony Pictures então apostou em uma nova versão inteiramente animada, trazendo o bastante experiente diretor Asbury que já havia até então trabalhado na Walt Disney Animation e executou obras como Shrek, Gnomeu e Julieta e, ainda, contribuiu para Fuga das Galinhas e O Estranho Mundo de Jack no roteiro e na arte, respectivamente.
É então investindo em uma boa equipe de criadores e de direção que foi possível alcançar um resultado admirável, o qual é muito superior ao pavoroso trabalho feito nas demais versões e, assim, faz jus à concorrência. Bons efeitos digitais e gráficos, ainda há o emprego das cores majoritariamente primárias em sua paleta (azul, amarelo e vermelho), tanto para os ambientes, quanto para os próprios personagens que nos evoca um meio muito mais alegre e vivo para este universo e espírito Smurf. Durante as cenas na “Vila Perdida”, por sua vez, nos deparamos com um cenário mais místico e fantástico que são realçados pelos tons de roxo, rosa e outras cores complementares à essa paleta básica. Asbury também não economizou esforços para empregar de maneira criativa a câmera posicionada de maneira subjetiva em momentos de aventura e diversão, pecando apenas em momentos pontuais ao deixar o ar mais contemplativo de lado na forma como enquadra o ambiente que os Smurfs descobrem, e, ao invés disto, insiste em planos mais fechados e profundidade de campo mais reduzida que muitas vezes prejudica a experiência em 3D.
Mas mesmo uma animação digna e efeitos visuais bons não salvam o roteiro precário e raso que desvia do foco de sua principal personagem de estudo. No início da trama, Papai Smurf (Patinkin) nos apresenta sua vila e já percebemos a quantidade imensa de Smurfs masculinos, todos com uma característica em sua personalidade que os diferenciam: existe o Smurf desastrado, o gênio, o forte, o fofoqueiro, o caipira, e dentre outros tantos existe a única personagem feminina, Smurfette (Lovato), que não sabe sua função na comunidade ou o que o “ette” significaria, principalmente por ter sido inicialmente uma criação de Gargamel (Wilson) para destruir seus companheiros. Descobrindo a possível existência de outra vila Smurf, a personagem então se aventura na Floresta Proibida com seus amigos Desastrado (McBrayer), Gênio (Pudi) e Robusto (Manganiello), para alertar os seus habitantes da chegada do vilão que pretende sugar a sua magia e, por meio da esta, se transformar em um poderoso feiticeiro.
Apenas pela simples leitura desta breve introdução de história é possível perceber que a proposta deste filme seria demonstrar o empoderamento feminino e a descoberta de sua própria identidade, tal como a Disney vem fazendo de forma exemplar, como o recente Moana – Um Mar de Aventuras. O longa, que se apóia na estrutura dos road movies, possibilitava, a princípio, esse desenvolvimento, mas infelizmente não atinge o almejado. Sendo objeto constante de flerte por Robusto, Smurfette, ao contrário, acaba sendo salva na maioria das vezes, suas ideias não são bem sucedidas e ela acaba se sujeitado às soluções apresentadas pelos companheiros, nem sequer se encaixando no contexto da “guerreira feminina” da Vila Perdida. Dessa forma, é a personagem que mais fica em segundo plano, carente completamente de protagonismo e arrisco-me a dizer que ela inclusive é que a menos possui tempo em tela, ao passo que Gênio, Robusto e Desastrado são mais aproveitados na medida em que encontram novas habilidades e desenvolvem conflitos que lhe permitem evoluir conforme progride a narrativa.
Os Smurfs e A Vila Perdida
A personagem feminina, que seria o objetivo e o propósito da existência de toda esta trama, em contrapartida, apenas descobre seu sentido nos minutos finais de projeção em um terceiro ato extremamente apressado e forçado. E ao final, sabemos o que ela é, sua origem e o que ela é capaz de fazer, mas em nenhum momento sabemos efetivamente quem ela é, o que faz dela uma pessoa especial. Neste quesito, portanto, o roteiro é tão desleixado e preguiçoso que deixa por conta de seus amigos explicarem ao espectador – por meio da quebra da quarta parede – para dizer as características da amiga ao soltar frases tão vagas como “ela é o que ela quiser”, sendo que “o que ela quer” sequer foi trabalhado ou cogitado pelo roteiro na construção da própria Smurfette.
Os Smurfs e A Vila Perdida é o exemplo de filme que não se arrisca e não ousa em detrimento de um entretenimento aventureiro. Assim sendo, se por um lado é bem sucedido em divertir seu público-alvo, por outro lado falha desastradamente em desenvolver de forma séria as entrelinhas que se propôs a fazer.
Gabriella Tomasi é crítica de cinema e possui o blog Ícone do Cinema