Espelho da Vida
“Há três narrativas em Espelho da Vida: a fase atual, a década de 30, e uma narrativa (quase uma metalinguagem) retratando a década de 30” M.A
Na reta final, a trama das 18h é a melhor telenovela no ar, atualmente
Elizabeth Jhin é uma das melhores autoras de telenovelas da atualidade.
Suas narrativas me remetem quase sempre às tramas escritas, nas décadas de 70 e 80, por Janete Clair: histórias que iam direto ao ponto, em que a densidade emocional era o que, de fato, importava, sem muito espaço ou quase nenhum espaço dado ao gratuito.
As novelas de Janete, assim como as de Elizabeth, são assim: você não percebe a tão comum “barriga” (que são as fases em que nada acontece de relevante para a história e as situações narrativas tendem a se repetir), os personagens estão, sim, envolvidos nos mais maravilhosos conflitos e, por mais que existam as (necessárias) tramas paralelas, é a trama principal que rege toda a narrativa.
Assisti todas as novelas escritas por Elizabeth Jhin e afirmo, categoricamente, que suas tramas possuem tais características: muitíssimo bem escritas, com personagens bem delineados, em que nenhum é absolutamente bom nem ruim, e que conseguem manter um constante suspense raramente visto nas telenovelas.
Foi assim desde seu início como autora titular de telenovelas, basta lembrarmo-nos da injustiçada Eterna Magia, da maravilhosa Escrito nas Estrelas, e do grande feito que foi Além do Tempo, na qual tivemos, com muito mais profundidade que as anteriores de Elizabeth, uma narrativa espírita/espiritualista. Sem doutrinação.
Assim como está sendo com sua trama atual: Espelho da Vida.
Nessa trama, Elizabeth conseguiu um feito que, para muitos, em especial para muitos de nós que somos e trabalhamos na área da imagem, parecia algo difícil, com grandes chances de dar errado e confundir o público: uma novela cujas tramas principais se passariam em duas épocas diferentes. Na fase atual, há personagens (a grande maioria) que estão reencarnados, e cujas vidas anteriores seriam narradas na outra fase da novela, a que se passa nos anos 1930.
Não satisfeita, Elizabeth ainda colocou, na fase atual, uma equipe de cinema que dramatiza aqueles acontecimentos de 1930.
O que nos leva a afirmar que há três narrativas em Espelho da Vida: a fase atual, a década de 30, e uma narrativa (quase uma metalinguagem) retratando a década de 30.
Espelho da Vida
Mas… Há a cereja do bolo: esses três tempos sendo narrados simultaneamente.
(Em 1976/77, a novela O Casarão, umas das melhores obras de Lauro César Muniz, teve três tempos narrativos simultâneos, mas tal estilo de narração, à época, não foi tão bem aceito pelo público de então, acostumado bem mais com os modelos tradicionais de narração)
E tudo isso, em Espelho da Vida, sendo muitíssimo bem conduzido por Elizabeth Jhin. Sem, em momento algum, se tornar uma trama chata, maçante, repetitiva, difícil de assistir. Até porque, se há uma história, no momento atual, sendo exibida na televisão brasileira, que é possuidora de um muito bem vindo suspense, é Espelho da Vida.
Posso até afirmar, sem medo algum de errar, que Espelho da Vida é um thriller! Nesses dois últimos meses, por exemplo, e ainda mais agora, perto do final, torna-se quase insuportável esperar pelo capítulo seguinte, tamanho os ganchos deixados pela autora.
Aliás, por falar em ganchos, essa telenovela de Jhin me remete muito ao sucesso Avenida Brasil, na qual tínhamos ganchos não só de um capítulo para o outro (o comum) e, sim, de um bloco para o outro. Quem de fato assiste essa atual trama das 18h sabe perfeitamente bem o porquê da comparação.
Isso se deve à segurança na escrita de Elizabeth Jhin? Com certeza! Segurança esta acoplada ao (pra variar) magnífico senso de direção de Pedro Vasconcelos e equipe.
Autoria e direção seguras, temos ainda um elenco em alta performance e uma direção de arte e uma fotografia de um acabamento ímpar!
No que tange ao elenco, inicio falando daquele ator que foi o mais criticado no inicio da novela: João Vicente de Castro. Que ele não teria condições de assumir o posto de galã, que seria um personagem que não se sustentaria até o final da trama e muitas outras publicações aparentemente desprovidas de uma maior análise da história que estava sendo exibida. Pois, se tivesse havido uma atenção/análise maior, obviamente teriam visto que Alain era (é) um dos melhores personagens da trama: apaixonado por Cris e, ao mesmo tempo, possessivo com ela (início da trama até o meio), com um visível desprezo por Isabel por quem tinha (tem) uma atração sexual enorme, um cara prepotente e cético, absolutamente o dono da verdade, grosso (muitas vezes com os próprios amigos) e extremamente carinhoso, doce, amável com a pequena filha Priscila. E, para coroar com chave de ouro tal atuação, ele agora – na reta final – mostra-se confuso, menos cético com as questões voltadas à espiritualidade.
Espelho da Vida
João Vicente mostra todas essas facetas de forma clara, contida quando tem que ser, e tal domínio do personagem estende-se ao seu outro personagem (ou a quem Alain era na encarnação passada): o dissimulado e péssimo caráter Gustavo Bruno.
Dos coadjuvantes aos protagonistas, Espelho da Vida não tem um ator/atriz que esteja num nível inferior a ótimo! Todos, absolutamente todos (inclusive os novatos) estão maravilhosamente bem, seguros nos seus papéis. Até mesmo alguns veteranos que eu creio que poderiam (deveriam) ter tido um espaço maior, como Evandro Mesquita e Luciana Vendramini. Elenco completo coeso e seguro: algo que nem sempre vemos nas produções dramatúrgicas.
Contudo, é quase obrigatório, num texto que se propõe a falar sobre essa novela, discorrer sobre a atuação do ator Felipe Camargo.
É excepcional o que esse homem faz nessa produção. Na mesma proporção que sentimos raiva, ódio do Coronel Eugênio (da vida anterior) sentimos um misto de pena e desprezo pelo problemático e fracassado Américo (na vida atual).
De longe, Espelho da Vida é o melhor trabalho de Camargo na televisão brasileira.
Alinne Moraes – uma das atrizes mais lindas do mundo – mostra todo o seu talento como a vilã Isabel (apesar de eu não achá-la uma vilã nos moldes tradicionais já vistos) e, no passado, com a falsa, porém sonhadora e sofrida Dora.
Convivendo com as personagens Dora e Isabel, temos a maravilhosa atriz Clara Galinari, que vive Teresa (encarnação anterior) e Priscila (encarnação atual). Aliás, para quem assiste a novela e, como eu, nunca perdeu um capítulo dela, há de concordar comigo que Clara, como Pri, foi a responsável por grandes momentos de emoção em Espelho da Vida. A garota é (e espero que continue sendo) uma excelente atriz. Basta que recordemos um dos grandes momentos da sua atuação na trama: quando ela mente para todos, dizendo que Alain havia batido nela. Espetacular a atuação da menina: não deixou espaço para ninguém naquela cena – foi um (dos inúmeros) momento brilhante da atriz mirim!
Graças a Deus sou (e devo continuar sendo) um apaixonado pela telenovela brasileira e finalizo essa (prazerosa) escrita sobre Espelho da Vida parabenizando a produção por ter trazido, ao elenco, veteranos como Emiliano Queiroz, Suzana Faini (ótima como a guardiã e como a mãe do Coronel) e Cosme dos Santos. E, nessa reta final, como o delegado, o ator Roberto Pirilo, que eu admiro desde a época de A Gata Comeu, lá nos anos 1980.
Acredito que aquele que, assim como eu, tenha dado chance a essa novela, confiando no talento narrativo de Elizabeth Jhin, teve a grata oportunidade de acompanhar uma das melhores produções recentes do horário das 18h: uma telenovela com ótimo texto, atuações idem, de um aparato técnico magistral e que não deixou a desejar, em momento algum, durante esses seis meses em que esteve (está) no ar.