Música

Em show, Clarice Falcão mostra fragilidade do seu trabalho

Clarice Falcão em show na Concha Acústica – Foto de Lucas Seixas

Provavelmente o momento de maior emoção foi quando uma fã invadiu o palco e tascou-lhe um beijo na boca, um movimento brusco que ninguém estava esperando em meio a tanto marasmo

Por Ana Camila

A impressão que Clarice Falcão deixou nos mais atentos ao seu show no último domingo (08/12), na Concha Acústica do TCA (Salvador) é a de que a brincadeirinha que começou no YouTube acabou indo “longe demais”. Clarice adotou uma personagem bonitinha, fofinha, esquisitinha, que compõe canções com arranjos simples, mas com uma pegada irônica, sarcástica e bastante sem noção. Difícil não dar risadas gostosas ao ouvir a moça cantar tão docemente versos como “eu queria tanto que você não fugisse de mim, mas se fosse eu, eu fugia”, ou “Só pra você saber, eu esqueci você, e se um dia eu te ligar de madrugada em desespero… é engano”, especialmente se for para ouvi-la cantar despretensiosamente em um vídeo caseiro. Clarice Falcão é a fofinha, a engraçadinha, aquela que do nada vai falar algo inesperado, mas sempre assim, espontaneamente.

Deu certo, Clarice conquistou corações dos que são apaixonados pela cultura Porta dos Fundos, que investe em um humor por vezes hiperbólico, outras vezes com base na graça pela falta de lógica, sempre se apoiando em atores/personagens que causam empatia no público. Clarice Falcão surgiu também dessa leva, e certamente muitos dos seus fãs adolescentes, presentes no show da Concha, são os mesmos consumidores de produtos afins ao Porta dos Fundos. Mas esse “deu certo” certamente não se aplica a versão “show” da moça.

Já pelo disco, intitulado “Monomania” era possível notar que Clarice Falcão não necessariamente precisava ter lançado um disco. Afinal, convenhamos, qual a graça de ouvi-la cantar em CD as canções que conhecemos dos seus fofos vídeos no YouTube sem ser através destes? Um produto que foi todo construído com base na imagem não necessariamente precisa ser vinculado ao meio fonográfico para ter algum valor a mais. Mas Clarice foi conduzida por este caminho e, claro, quem grava disco quer tocar.

O resultado é um show que tenta o tempo inteiro reproduzir o universo cômico criado pela atriz/cantora quando seu produto começou a tomar forma. Clarice faz a esquisita, e não tem desenvoltura no palco, não sabe lidar com o público, não parece se sentir à vontade com a histérica comunidade de fãs que se aglomera diante dela, não é uma “artista da música”, por assim dizer. Acompanhada por uma banda excelente e bastante versátil (o baterista se reveza com o violonista, o baixista é também trompetista e se reveza com o tecladista, etc), as músicas ainda assim são bobinhas e curtinhas, e daí é fácil concluir que a moça nem tem repertório para um show. Mas pra fazer pelo menos uma hora de som, canta um par de “novas músicas” e faz uma gracinha com o namorado, o ator Gregório Duvivier, cantando um tema de “A Bela e a Fera”, depois uma versão “abrasileirada” insossa de “Let’s Call The Whole Thing Off”, tão banal como todas as suas canções soam ao vivo.

Clarice Falcão em show na Concha Acústica – Foto de Lucas Seixas

Talvez a escolha do palco para o show em Salvador tenha prejudicado Clarice Falcão, que de uns meses pra cá vem se apresentando em arenas em vez de teatros – onde ela fez suas primeiras experiências e onde seria bem mais adequado. Sua performance tem um quê de stand up comedy que não funciona em espaço para shows grandes e dançantes, e o seu show é justo o contrário. As pessoas queriam ver a carinha bonitinha esquisitinha da mocinha do Porta dos Fundos, da mocinha que canta as canções excêntricas com cara de espontânea, e a Concha Acústica do TCA te pede mais que isso.

De qualquer forma, a impressão que dá é a de que Clarice Falcão não deveria ter saído da web. Não porque ela seja incapaz ou ruim, mas porque é importante que os produtos encontrem os veículos onde funcionam e por lá mesmo fiquem. No momento em que Clarice rompeu com a web e entrou em um palco de verdade, a fragilidade do seu trabalho tornou-se evidente, bem como seu desajuste naquele ambiente.

Provavelmente o momento de maior emoção foi quando uma fã invadiu o palco e tascou-lhe um beijo na boca, um movimento brusco que ninguém estava esperando em meio a tanto marasmo. Fora isso, somente um produto desajustado e frágil que se confia na lealdade de um público jovem formado pela internet e pelas novas investidas da linguagem cômica que funciona na web e na TV, mas não em um palco para uma apresentação musical de uma cantora de verdade, com um projeto consistente e com um repertório convincente. O produto Clarice Falcão não é pra tanto.

Ana Camila é jornalista cultural, assessora de comunicação, produtora cultural e mestre em Cinema pela Universidade Federal da Bahia.

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