Literatura

Retratos do Autoritarismo Pré-Eleições

Eleições 2014

“Mas, o que é o novo mesmo? O novo de agora é isso: um país que foi criado em sua estrutura patrimonialista, em que votos, alinhamentos são comprados por mesadas pomposas, empresas sucateadas, uma política de maniqueísmos, de avalanche populista, de frases de efeito, mas que mantém companheiros ricos para usar pobres…”

Por Elenilson Nascimento & Anna Carvalho*

Alguém sabe dizer o verdadeiro conceito de liberdade de expressão? Pergunto isso porque 65 internautas tiveram uma surpresa desagradável nessa semana: foram surpreendidos com uma notificação judicial do candidato a presidência da República, Aécio Neves, por terem usado a internet para divulgar as suas opiniões sobre o mesmo. Pensei: o cara pirou. Só pode ser. Ou está de porre. Compreensível que tenha se sentido ofendido pelos posts na rede, mas acionar a Justiça para tapar bocas é um pouco contraditório. Mas num país sem liberdades, como é o caso do Brasil, isso não chega a espantar! Uma escandalosa arbitrariedade.

E foi exatamente isso o que o próprio Lula fez, ao intimidar alguns poucos assessores com coragem suficiente para confrontá-lo. Um deles, durante uma reunião no gabinete presidencial do terceiro andar do Palácio do Planalto, sacara de um exemplar da Constituição e apontara o artigo que garantia ao jornalista o direito de exercer a sua profissão. Então o Lulinha “paz e amor” disse uma frase que ficou história e que postei no Literatura Clandestina – que o Google excluiu – em 12 de maio de 2004, poucas horas depois de ela ter sido pronunciada: “Fod…. a Constituição”.

A candidata Marina Silva, por exemplo, traz a expressão simbólica de uma tragédia, se manter vívida em sua coerência, mesmo sendo preconceituosa e radical às vezes. E os outros dois candidatos, Dilma e o neto de Tancredo, alvejando-a sem qualquer pudor. Mas Marina se mantém em pé, desde que Eduardo Campos caiu do céu. Aí mencionamos um artigo interessante: “A Sobrevivente”, de Maria Lúcia Victor Barbosa, em que ela diz que a morte épica do Eduardo faz com que o sem sentido simbólico acabe sendo ou emanado poder.

Então, ficamos imaginando o Lula mandando todo mundo se fuder. Ou mais ou menos isso que você leu. E algum ministro que ouvira a tal frase reproduziu-a para um assessor. E o assessor, que estudara na UCSAL durante os quatro piores anos da minha vida, me telefonou contando. E impedido de consumar sua vontade, Lula tentou tirar proveito político do episódio se comportando como vítima, como sempre, como se a presidência da República tivera sido ultrajada por um irresponsável jornalista de m… na internet.

Marina Silva

Mas, generoso e “obediente” à lei, o presidente dos pobres desculpara o malfeitor depois que ele divulgou uma nota dizendo que não tivera a intenção de ofendê-lo. Quanto ao jornal… Recusou-se a desmentir o que publicara. E a coragem que sobrou à direção do jornal faltou à direção do banco Santander. Mais recentemente, em discurso para sindicalistas em São Paulo, Lula cobrou do banco a demissão imediata de uma analista, autora do boletim enviado para clientes de alta renda relacionando a queda de Dilma nas pesquisas de intenção de voto com a eventual melhoria do câmbio e valorização de ações de grandes companhias. E a cabeça da analista foi oferecida de presente a Lula. E esse é o Brasil, um país para todos!

MORTES ENIGMÁTICAS – O nosso país sempre fabricou mortes bem enigmáticas e junto com elas, algumas redenções sempre foram feitas, e claro que acionar a Marina Silva, por exemplo, somente pelo óbito de um candidato é relativizá-la, mas o que nós chama atenção para ela é a disposição de parecer simples demais, não tão coerente, é claro, mas o novo que tem que vir porque o velho, outrora novo representado pelo PT, envelheceu.

Marina não nega seu passado, se levanta e diz que assumiu uma pasta no PT, traz a suposta simplicidade plácida, típica de quem não se arma, não é violenta, não se aparelha com uma armadura, enfim, soa algum tipo de confiança, a mesma que depositamos na gangue do PT doze anos atrás, já que não se confina em nenhuma clausura. Achamos, inclusive, que nos debates, Marina saiu erigida porque em sua “coerência simplista” e até exótica (em se tratando da parafernália fake montada entre eles), porque não dizer política de fato, ela, sem nenhum saudosismo, se apresenta, atesta, se defende, embora não perca elementos de coerência política numa agenda alinhada com certos holofotes de um partido de esquerda mais radical, fato, mas mais tolerante ao debate, menos blasé no sentido de ser uma esquerda com vocação ditadora.

E as maluquices crescem e proliferam que nem cocô em banheiro público em reação à força eleitoral de Marina. E muitos, oportunistas ou não, têm defendido a sua candidatura nessas eleições: de Caetano – que tudo se mete – até a revista Veja – que tudo tenta tirar proveito. O Rogério César de Cerqueira Leite repete que nem o papagaio da Ana Maria Braga que ela é reacionária e criacionista, sem que ela nada tenha dito que justificasse tal conclusão. Os católicos dominicais e os evangélicos fascistas também seguem a mesma Bíblia e nem por isso se diz que Frei Beto (*vejam o filme “Batismo de Sangue”) ou Gilberto Carvalho são criacionistas ou que afirmam que o mundo foi criado há poucos milênios.

Eleições 2014

E num ato de subserviência, lá no caso agora conhecido do déspota do Lula, que nem de longe parece ter envergonhado Emílio Botín, presidente mundial do Santander, amigo e admirador declarado de Dilma: a imagem que o PT está passando da “presidANTA” para o público é que ela é uma “despreparada” e “sem equipe”. Mas, o que é o novo mesmo? O novo de agora é isso: um país que foi criado em sua estrutura patrimonialista, em que votos, alinhamentos são comprados por mesadas pomposas, empresas sucateadas, uma política de maniqueísmos, de avalanche populista, de frases de efeito, mas que mantém companheiros ricos para usar pobres, campônios de fato, em Hannah Arendt que discutiu o nazismo no seu seio, mas sem deixar que os escombros de uma falta de neutralidade, não a tirasse de uma voz que legitimasse tudo o que estava ali.

Há resultados de Marina no Nordeste que animam. Ontem, 12/09, chegou às mãos da cúpula do partido uma pesquisa feita na cidade de Pedra de Fogo, no interior da Paraíba. Dilma e Marina empataram na cidade. Mas a petista caiu cerca de vinte pontos na comparação com o último levantamento. E Marina nunca pisou nem perto da cidade. E agora entendemos a bendita Pan América tão epicamente defendida por Che Guevara: um projeto em que todo o Estado, universidades e saberes fossem usados em nome de um poder maior, esse mesmo Estado. Por isso nos causa cólera quando alguns defendem assistencialismos baratos, porque no fundo, ou pela ingenuidade ou pela ignorância, não atingem o que de fato temos com isso, o aparelhamento ideológico, pois está tudo dominado.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina

*Anna Carvalho é professora e escritora.

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