Claudia Leitte
Coluna de Pedro Del Mar sobre política, educação, cultura e muitos outros assuntos
E se Cláudia Leitte fosse Paulinho da Viola?
Nos últimos dias, entrou em destaque a notícia de que a cantora Claudia Leitte teria sido contemplada pela Lei Rouanet e autorizada a captar R$ 356 mil para publicar sua biografia (leia aqui: http://migre.me/t1C9U). Como não é difícil prever, o fato gerou intensos debates e críticas à cantora e ao Ministério da Cultura. Outras informações já dão conta de que o projeto do livro foi abortado ainda em 2015 e, por tanto, não irá mais fazer uso dos benefícios da lei (leia aqui: http://migre.me/t1CrK).
Após acompanhar alguns destes debates, fiquei me perguntando se essa mesma celeuma ocorreria, da mesma forma e intensidade, se o contemplado fosse algum grande nome da MPB ou Sambae não uma cantora de axé.
Eu até sou capaz de concordar com o argumento de que Claudia, de fato, não precisa de tal “ajuda” para lançar um livro, afinal, ganha cifras astronômicas por cada show que faz e certamente dispõe de recursos para tal empreendimento. Agora, o que vi em larga escala não é, tão somente, a argumentação citada acima, mas a ideia de que a cantora não merece ser contemplada pela lei por ser uma cantora de axé e axé não é cultura, simples assim. Mais uma vez, e eu já escrevi muito sobre isso aqui mesmo no Cabine Cultural (leia aqui: http://migre.me/t1CAz), a falsa noção de hierarquia cultural insiste em se manifestar, revelando o latente preconceito que açoita os ritmos populares e festivos do país, tais como o funk, o sertanejo, o pagode e o próprio axé, tratados como espécies de sub-músicas feitas por sub-artistas. Nada mais equivocado.
O que é cultura?
Ainda, desconfio que boa parte das pessoas que endossam as críticas a Claudia Leitte e seu livro, desconhecem como funciona e o objetivo da Lei Rouanet. Pois bem, explico: A lei foi criada em 1991 com o nome de “Lei Federal de Incentivo à Cultura (Nº 8.313)”, conhecida também como Lei Rouanet, por causa do então ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet.O objetivo da lei é promover as expressões culturais nacionais por meio de incentivos fiscais. Na prática, assegura benefícios às empresas e pessoas que aplicarem uma parte do Imposto de Renda (IR) em ações culturais. Pela legislação vigente, aquele que investir em cultura poderá ter o total ou parte do valor aplicado deduzido do imposto devido. Para empresas, a dedução pode chegar a 4% , enquanto para as pessoas físicas o limite é até 6% do imposto. Resumindo, o Ministério da Cultura não “dá” a quantia desejada para o artista, ele apenas autoriza que tal artista possa captar, junto a empresas e pessoas físicas, o valor em questão. As empresas e pessoas que ajudarem terão parte ou a íntegra deste valor abatidos na declaração do IR. Simples.
Se é bem verdade que Claudia Leitte não necessita destes recursos e faltou, no mínimo, bom senso ao inscrever o projeto junto ao Minc, também é verdade que este é um direito que ela e qualquer outro artista do país possuem, por tanto, não houve qualquer ilegalidade no fato.
É válido, como já propôs o próprio Ministro da Cultura, Juca Ferreira, uma ampla e aberta discussão sobre a lei e uma possível reforma afim de que ela possa, de fato, atingir seu objetivo, especialmente para aqueles artistas de poucos recursos e visibilidade. O que não me parece ser válido é esse irritante e insistentedesejo de reafirmar a errônea ideia de que há gêneros musicais inferiores a outros, como se cultura fosse somente aquilo que nos apetece e todo o resto fosse inferior. Pobre de nós que sempre achamos estar em pedestais acima dos outros quando, na verdade, somos esmagados cotidianamente por seres que se quer podemos ver…