Planeta dos Macacos – O Confronto
“Gostamos de sagas que se elaboram a partir da inversão de papéis: o homem banido de seu espaço intelectual e o animal coexistindo diante do ambiente de evolução que até então era humana.”
Por Elenilson Nascimento e Anna Carvalho*
Tivemos o privilégio de assistir em Salvador, à convite da Fox, a pré-estreia de um dos melhores lançamentos deste ano: “O Planeta dos Macacos – O Confronto”, e realmente não sabemos porque já não tínhamos feito essa resenha antes. A história se passa “10 invernos” após o também excelente “O Planeta dos Macacos – A Origem”, porém bem mais sombrio que seu antecessor. O filme destaca, desta vez, o ponto de vista dos símios do que dos humanos (arrogantes, destemperados, demasiadamente narcisistas), oferecendo mais chances para os espectadores observadores se solidarizar com essa “raça estranha”. Aliás, desde o primeiro “Planeta dos Macacos” (1968), passando até – acreditem! – pelo “Os Trapalhões no Planalto dos Macacos” (1976) e “Planeta dos Macacos” (2001) de Tim Burton, com o talentoso Mark Wahlberg dando um show, que ocorreu uma febre no mundo inteiro por esses animais falantes agindo como homens e refletindo nossos defeitos, megalomanias e até as poucas qualidades.
Agora como símio livre, César (esse Andy Serkis é muito bom – ficou famoso desde que interpretou via captura de movimentos o pequeno e miserável Gollum, da trilogia “O Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson, e, desde então, já interpretou o macaco gigante de “King Kong”, também de Jackson, o Capitão Haddock, de “As Aventuras de Tintim”, de Spielberg, novamente Gollum na trilogia “O Hobbit” e, por enquanto, duas vezes César, que ajuda a compor mais um rico personagem na galeria do ator, criado a partir dessa tecnologia que cada vez tem evoluído mais) lidera os demais macacos outrora fugitivos, onde vive em suposta paz numa floresta – não perguntem com isso é possível – próxima a São Francisco. Eles desenvolveram uma comunidade baseada no apoio mútuo, para que possam se manter, bem distante do fundamentalismo barato do PT. O diretor parece querer dar mais dignidade a César, sempre com aquela cara de revoltado/injustiçado, e a introdução antes do título é maravilhosa para apresentar a situação: logo na primeira cena da caçada sem diálogos é tão boa que chegamos a perder o fôlego e torcer para que o urso que aparece não devore o filho de César, apesar de ele ter deixado marcas visíveis no jovem macaco.
Mas depois de várias continuações nos anos 1970, de uma série de televisão cansativa, de um desenho animado, de uma versão tosca com Os Trapalhões, com um programa de TV na Globo, do remake de Tim Burton e de um recomeço, mostrando o início de tudo em 2011, de Rupert Wyatt, chega a vez de nós sabermos como se deu o tapa na cara dos símios nos humanos pela dominação mundial já refletida desde o primeiro e hoje clássico filme. Mas entender esse fascínio do ser humano por eles pode ser ainda um mistério, mas o fato é que esse fascínio continua existindo.
O filme se elabora também pela discussão maniqueísta relativizada por César (que parece um primata mais sensível e justo), além da sua relação que passa a ter com o humano Malcolm (vivido pelo fraquinho Jason Clarke), onde os dois se reverberam, transigem, talvez pela união dos sois pudéssemos vislumbrar a saída de um ponto zero de equilíbrio do filme, mas o homem mundano e prepotente se extingue a si mesmo e a quem se apresente para ser o seu opositor imediato. Afinal, “Planeta dos Macacos – O Confronto” pode ter muito de aventura e drama, mas o horror está presente sim, tanto nas sequências de violência que chegam a impressionar, quanto na própria imagem computadorizada tão perfeita dos macacos de diferentes espécies se comunicando e utilizando armas de fogo.
Planeta dos Macacos – O Confronto
Mas, enquanto isso, os humanos enfrentam uma das maiores epidemias já vistas, causada por um vírus criado em laboratório. Diante desse quadro assustador, um grupo de humanos ainda resiste, porém conta com recursos escassos. Por isso, eles vão fazer o possível para religar uma hidrelétrica e manter acesa a esperança de sobrevivência. Com certeza, a missão seria mais fácil se a usina não ficasse no meio dos domínios dos macacos. Mas a produção do filme é caprichadíssima e isso transparece em cada cena. Os efeitos especiais da composição dos animais (o urso e o veado, das primeiras cenas, construídos em computador) se fundem de maneira orgânica com a presença dos humanos.
O clima opressivo do filme é potencializado pelo 3D envolvente e pelo som poderoso e, às vezes, perturbador. O responsável pela trilha sonora é Michael Giacchino, mais famoso pela música da série “LOST” e por sua parceria fiel com o cineasta J.J. Abrams. Para quem não lembra, Giacchino também foi parceiro de Reeves no excelente “Deixe-me Entrar”. Mas o olhar nesse novo “Planeta dos Macacos”, em especial, é impressionante. Seja o olhar de compaixão de César e de sua família, seja o olhar de ódio pela raça humana do revoltado Koda (vivido por Toby Kebbell), aquele macaco que foi torturado pelos humanos em experimentos científicos e que guarda muito rancor desde então, onde o filme ultrapassa todos os aspectos técnicos. Tem todos os “ãos” necessários: ação, emoção, tensão, traição, discussão, explosão, e muitos “efeitos especiaizãos”. Sério, é difícil assistir algo feito predominantemente em computação gráfica onde a experiência é tão intensa que você não se lembra nem por um minuto de que aquilo não é real.
Mas Koda não concorda com a convivência pacífica entre humanos e macacos proposta por César, que no início do filme é o único que consegue falar a língua dos humanos e, de repente, os macacos passam também a se comunicar com os humanos. Quem trata de apaziguar a situação junto a um pequeno grupo é Malcolm, que com sua mulher Keri e filho Kodi (*que saco isso, um monte de personagens que começam com a letra K) e mais um sujeito bem menos pacífico que esquecemos o nome, procuram negociar com o grupo de César. Além disso, o enredo foi tão bem construído que temos informações suficientes sobre os personagens principais de ambas as raças para não ficar uma história rasa. E o mais bacana nesse filme é que quanto mais ambos tentam provar que são bem diferentes, mais eles se parecem!
O problema, talvez, do filme esteja justamente em suas qualidades, em sua perfeição técnica, que muitas vezes acaba diminuindo um pouco o impacto que certas cenas mais dramáticas poderiam gerar. Essa evolução no seu desenredo, o homem que acua e acusa sendo acuado e sendo limitado pela brutalidade do animal, embates diante de sua barbaria seja humana, seja intelectual, vem sempre sacudindo parâmetros e tabus de uma sociedade que se reveste de seus embustes sendo racional, embora guarde em si a sua animalidade grotesca velha conhecida. E isso porque o espectador fica encantado ou impressionado com a produção. Assim, o sentimento de dor de César, de seu filho, de seus seguidores, e dos próprios humanos que são também heróis da história, acabam sendo um pouco comprometidos por isso.
Planeta dos Macacos – O Confronto
Mas gostamos de sagas que se elaboram a partir da inversão de papéis: o homem banido de seu espaço intelectual e o animal coexistindo diante do ambiente de evolução que até então era humana. Foi assim em “Entrevista com o Vampiro”, “Guerra Mundial Z”, “Inteligência Artificial” (ali onde o gênero humano perde para o seu algoz tecnológico), mas os cinemas existem em se elaborar quando elabora o gênero humano em sua desnatureza. Gostamos das perspectivas aterradoras e que a maldade do homem esteja a postos diante da sua gana e arrogância.
Poderia até parafrasear a Lei de Evolução de Darwin, que se elabora por um mecanismo complexo de violência ou das Pinturas Rupestres que, se elaboram diante das máquinas, dos instrumentos, da invenção do fogo, dos domínios que se estabeleceram, mas recentemente foi comprovado que o homem comum pode matar, pode exercer a sua naturalidade em busca de sua evolução nos termos mais primatas ou irracionais, em seu lapso, em sua prerrogativa de opção pelo que seja irredutível, embora o filme pareça se perder no confronto entre símios e humanos, velha retórica de certa tecnologia que sucumbe às interpretações mais viscerais.
Mas as moscas sempre nascem e nos dizem que se houver a extinção do nosso planeta se dará pela falta de respeito entre homem e natureza, num certo desmando, onde a própria natureza aplacará essa ordem que é capitalista e que se capitaliza pouco humanamente. Não somos ternos, não somos maniqueístas, somos relativistas e perdemos para o bicho ou espécime de nós mesmos quando nos deparamos com a nossa anarquia que nos coloca como racionais, e esse “Planeta dos Macacos” nos coloca frente a frente com essa linha tênue: irracional e racional. Quanto a César, trata-se de mais um personagem marcante de Andy Serkis. #LiteraturaClandestina #somostodosmacacos #ounão
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina
*Anna Carvalho é professora e escritora.