O Impossivel
Mesmo assim O Impossível se mostra um drama acima da média, retratando algo verdadeiro, marcante e que certamente ficará na história
Por Luis Fernando Pereira
Existem acontecimentos que – por mais delicados e trágicos que sejam – inevitavelmente serão em algum momento abordados por alguma produção cinematográfica. Cabe sempre a nós torcer para que ao trazer algo tão marcante para as telas, os produtores, roteiristas (e o resto da equipe) tenham o mínimo de atenção e respeito pelo tema abordado. Acabou sendo assim com o episódio envolvendo o 11 de setembro, que alguns anos após a queda das torres gêmeas passou a ser foco de histórias e mais histórias. Algumas que mais pareciam oportunistas, e outras que realmente agregaram algo para o cinema.
Do mesmo jeito que o 11 de setembro, o tsunami que literalmente varreu a costa da Tailândia em 2004, matando cerca de 200.000 pessoas e tornando-se a maior tragédia nestes moldes da história, também seria inevitavelmente transportado para a telona. Restava saber em que momento da história nós começaríamos a assistir narrativas baseadas naquele trágico dia. O Impossível, novo filme de Juan Antonio Bayona, não foi a primeira produção que trouxe o tema para a berlinda, mas certamente é a mais bem sucedida até agora.
O Impossivel
O filme narra a história do casal Maria (Naomi Watts) e Henry (Ewan McGregor), que estão aproveitando as férias na Tailândia junto com os três filhos pequenos. Mas na manhã de 26 de dezembro de 2004, enquanto curtiam aquele paraíso após uma linda noite de Natal, um tsunami de proporções devastadoras atinge o local, arrastando tudo o que encontra pela frente.
Há muito que se dizer do filme. Para começar, é interessante perceber que tão logo a história começa há a apresentação daquela família que escolheu passar as férias de fim de ano em um lugar paradisíaco. Não há dramas ali, é uma família absolutamente normal e isso fará com que a história centre-se totalmente no que virá a acontecer. Isso acaba evitando que a narrativa se arraste para contar histórias dentro da grande história. Assim, pouco mais de dez minutos depois e o espectador já é brindado com uma das sequências mais bem produzidas destes últimos anos no cinema.
A chegada do tsunami é algo que aparenta ser amedrontador para os personagens que a vivenciam, mas também chega aos que estão do outro lado da tela de modo realista, convincente e extremamente marcante. Acompanhar o desespero da mãe e de seu filho, a luta de ambos pela sobrevivência, é algo que já compõe um cenário dramático mais que eficiente. Naquele instante o público já havia entrado na história, e muito provavelmente ficaria com os olhos esbugalhados até os últimos segundos, bastaria que nada de muito errado acontecesse na narrativa.
E de fato não acontece. A partir de então a história se desmembra, fazendo com que a primeira parte seja focada na mãe e no garoto mais velho, Lucas (Tom Holland). Não há notícias do resto da família e parece que saber informação deles é secundário quando você é obrigado a não medir esforços para permanecer vivo. Assim, os dois passam a – não somente lutar pela sobrevivência – mas também criar um vínculo adicional entre eles, que provavelmente se mostrará bem poderoso para o futuro dos dois. Nesta primeira parte há cenas bem fortes, algumas com capacidade de fazer o espectador menos bravo virar o rosto. Mas nada que soe forçado ou feito para chocar. Estava ali porque o tom de realidade que a história queria passar necessitava de cenas do tipo.
O Impossível
Se neste primeiro momento a atriz Naomi Watts brilhou – juntamente com seu filho na trama – na segunda parte vemos a câmera sair em busca de Ewan McGregor e seus dois outros filhos para fazê-los brilhar também. E eles não decepcionam – ao menos McGregor – que carrega no seu personagem um desespero não caricatural e nem exagerado demais. Sua atuação convence.
O roteiro, a cargo de Sergio G. Sánchez, é bem trabalhado para evitar situações desnecessárias. Num drama como este é sempre mais fácil escolher o caminho do choro fácil, da emoção exacerbada, mas desde o início houve uma preocupação em não ultrapassar essa linha. Como a história é baseada em um caso real, não dá para saber exatamente o que é ou não plausível, então alguns questionamentos são inoportunos. Mas há um que chama bastante atenção: em boa parte do primeiro ato, quando mãe e filho estão sendo levados pela correnteza, a câmera só consegue captar os dois, sem absolutamente ninguém por perto. Fica estranho, pois num evento que vitimou 200 mil pessoas e desabrigou um número infinitamente maior, como numa grande área daquelas só existiriam aqueles dois lutando para viver?
Mesmo assim O Impossível se mostra um drama acima da média, retratando algo verdadeiro, marcante e que certamente ficará na história. Em quase duas horas de história, vemos um acontecimento real sendo transportado para o cinema com bastante honestidade, cuidado e atenção, sendo tecnicamente bem produzido, com atuações dignas de aplausos e um desfecho que agrada todos.
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site