FIAC 2011 – Anônimos
“Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro. Nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo”.
Poema Retrato,
Cecília Meireles.
Não há nada mais inexorável nesta vida que o passar do tempo. Um passar do tempo que te conduz inevitavelmente para experiências das mais plurais, que também te oferece sempre oportunidades de escolhas, que te indica caminhos, que te mostra perspectivas, que te apresenta amores, prazeres, tristezas, que te proporciona conquistas, mas que também te possibilita fracassos.
Anônimos, espetáculo escrito, interpretado, dirigido e concebido por Sidney Malveira, é um belo retrato deste passar do tempo.
A peça é ambientada em um abrigo de idosos e é neste cenário que o multifacetado ator interpreta personagens já em suas velhices, em seus momentos de solidão, agarrando-se sempre a qualquer chance que possibilite-os conversar e compartilhar com alguém o que até então está preso somente em suas memórias. Aparentemente é muito pouco o que se deseja, mas a realidade cada vez mais mostra-se cruel no tratamento aos idosos e, por tratar de modo bem sensível desta temática, o espetáculo pode (e deve) ser considerado um drama cômico com alto teor de relevância filosófica.
A plateia é convidada a participar, não daquelas formas constrangedoras que normalmente esta situação sugere. Ela aqui serve de ouvido amigo, uma nova leitura do chamado ombro amigo, que possibilita as histórias de serem contadas. Por conta disso o texto flui naturalmente, as lembranças logo vêm à tona e com isso elementos de alegria e tristeza se misturam neste processo de trazer à memória tudo que cada um desses personagens vivenciou ao longo do tempo.
A trilha sonora, quando é usada, transmite uma sensação de nostalgia, de saudosismo, fazendo personagem e público refletirem sobre seus passados, suas escolhas, todos os caminhos que cada um percorreu até chegar aqui, neste exato instante. No espetáculo isso é conduzido de modo muito crível e honesto: há arrependimentos, saudades, tristezas, tudo dentro de uma atmosfera intimista e melancólica.
Este clima mais intimista é ajudado e muito pelo teatro que serviu de palco para o espetáculo. O Gamboa Nova é um espaço bem acanhado, que mistura elementos rústicos com noções mais modernas, mas sobretudo propicia que plateia e palco se interliguem de um jeito muito mais intenso que outros locais em Salvador.
Para finalizar, fica a informação de que Anônimos ainda terá sessões hoje (27/10), às 20 horas e amanhã (28/10), às 19 horas. Ambos no Teatro Gamboa Nova. Duas chances a mais de assistir este espetáculo merecedor de – dentre outras coisas – boas palmas.
* Espetáculo visto durante a quarta edição do FIAC (Festival Internacional de Artes Cênicas).