Crítica

Crítica “O Castelo de Vidro”: estamos diante de um possível “Oscar bait”?

O Castelo de Vidro

Dirigido por Destin Cretton. Roteirizado por Destin Cretton, Andrew Lanham. Baseado na obra autobiográfica por Jeanette Walls. Elenco: Brie Larson, Naomi Watts, Woody Harrelson, Max Greenfield, Sarah Snook, Dominic Bogart, Brigette Lundy-Paine

Por Gabriella Tomasi

Algumas histórias realmente merecem ser contadas através das telas do cinema, pois são inspiradoras. Entretanto, caso contadas de maneira errada, corre-se o risco de passar a mensagem errada. É exatamente o que acontece em O Castelo de Vidro. Baseado no livro autobiográfico homônimo da jornalista Jeanette Walls, esta relata os desafios que encontra na vida muito precocemente, criada com os seus três irmãos em meio à uma família desestruturada, desequilibrada e nômade para fugir dívidas espalhadas pelo país do pai Rex (Harrelson), assim como a mãe Rose Mary (Watts) que é muitas vezes inerte aos abusos do marido.

A história é deveras emocionante e há muitas cenas memoráveis em que os personagens desabafam suas frustrações e compartilham o amor uns entre os outros que, em razão dos problemas com o pai e a ausência da intervenção materna, resulta na decisão dos irmãos a se unirem e a se apoiarem entre si. Jeanette (Larson), sempre muito apegada ao pai, consegue nos envolver por meio de momentos carinhosos, como a escolha de uma estrela no céu ou a forma como Rex acalma sua filha em relação a um acidente. A metáfora que dá o título ao longa igualmente possui uma força muito grande, pois a constante idealização de construir uma casa representa ao mesmo tempo a frustração da busca pela família perfeita. Dessa forma, é interessante perceber como a dificuldade de contornar os problemas alcoólicos por Rex o torna cada vez mais obsessivo em relação à planta, ao desenho e aos objetos da casa de vidro. É algo que apenas fica no papel e jamais tem vida.

Mas se por um lado Rex tem o seu lado protetor e carinhoso, os atos grosseiros acabam não compensando para que possamos ter algum tipo de empatia pelo personagem, pois ele tenta demonstrar um tipo de “amor bruto” em relação aos filhos. Capitão Fantástico (2016) tinha uma postura semelhante: ensinava os filhos a serem independentes, a se defenderem, a caçarem o próprio alimento e ele era muitas vezes duro com eles. O pai, interpretado lá por Viggo Mortensen, era uma pessoa com ideais excêntricos, não convencionais, mas que ao mesmo tempo podemos nos relacionar e nos aproximar pelo seu carinho e dedicação pela família. Harrelson tenta passar a mesma característica, mas em contrapartida, seu personagem acaba sendo um sujeito repugnante e simplesmente indefensável que faz bullying gratuito com todos, que tenta matar (literalmente) sua esposa, e quando descobre que um de seus filhos está sendo abusado sexualmente por sua avó (mãe de Rex), a bronca vai para os filhos que estavam tentando se defender. Não há nada de errado em querer contar o que de fato aconteceu por mais chocante que seja, mas o problema surge quando uma possível redenção posterior do personagem é desenvolvida de maneira abrupta, tardia, e sem tomar um pingo de responsabilidade pelos seus atos anteriores, baseando-se em um conceito de amor clichê para que isso se concretize. E o fato de que nenhum dos outros personagens tampouco consegue aprender com seus erros é uma forma extremamente inconsequente de se fazer filme (repare com a queimadura de Jeanette é esquecida no meio do caminho).

Da mesma maneira, é incompreensível que se construa uma narrativa em longos flashbacks indo e vindo na história com o intuito de abordar situações horríveis aos quais os filhos eram submetidos e ao final de 3/4 da projeção, o espectador já desgastado com as atrocidades dos atos do pai e, também quando já passa a lhe detestar, deve-se aceitar o perdão que se busca nos últimos minutos (juro) do filme e, assim, tentar extrair algum tipo de empatia por ele. O roteiro igualmente dita de forma muito conveniente os sentimentos da protagonista, Jeanette, gerando uma sucessão de atitudes contraditórias e artificiais. Se em um primeiro momento a vemos feliz, defendendo o noivo com unhas e dentes e bem confortável com a vida que leva, em outro ela está completamente infeliz e sem o menor interesse romântico que alegava que possuía desde o começo pelo parceiro, cujo “plot twist” surge (do nada) apenas porque o roteiro assim exigia. Assim sendo, a narrativa não desenvolve as nuances que precisa para equilibrar a sua história e a mensagem que se quer passar, a fim de que as condutas sejam no mínimo críveis. A sensação deixada é a que o roteiro força as situações em tela ao trabalhar com características e atitudes muito extremas dos personagens.

Outros elementos também são deslocados da trama, como a falta de qualquer desenvolvimento aprofundado da personalidade dos demais, como por exemplo, os outros irmãos ou até mesmo uma Naomi Watts que às vezes mais parece estar de passagem do que ser narrativamente importante no filme. Ainda, a repentina aceitação dos filhos irem para escola quando os pais inicialmente declararam de forma expressa sua rejeição pela ideia, assim como a caçula da família que aparece muito brevemente na fase adulta, e não sabemos nem um pouco o que algum deles passou ao longo dos anos, ou sequer o que eles fazem da vida (ao final, um deles simplesmente aparece com um filho!).

O resultado de O Castelo de Vidro dá a impressão de ser muito mais um caça-níquel, como foi A Cabana (2017), e ao mesmo tempo um possível “Oscar bait” (isca para ganhar prêmios Óscar), como em Lion – Uma Jornada Para Casa (2016), pois contém tudo o que mais atrai aos julgadores da Academia: atores famosos com atuações fortes, uma história real e impactante baseada em fatos verídicos, e situações melodramáticas que forçam as lágrimas no rosto do espectador.

É uma pena que uma história tão extraordinária fora contada em uma forma tão indulgente.

Gabriella Tomasi é crítica de cinema, graduanda em letras, membro do coletivo de mulheres críticas de cinema – ELVIRAS, e possui o blog Ícone do Cinema

Shares: