Físicos, químicos, profissionais da área da saúde, especialmente biólogos, psicólogos e psicanalistas, teólogos, espiritualistas… É vasto o leque de profissionais que participam deste documentário dirigido por um trio de cineastas: Betsy Chasse, Mark Vicente, William Arntz. Na verdade, um filme documentário no qual estão presentes a ficção e a animação, ocupando igual espaço que a linguagem documental ocupa.
What The Bleep Do We Know? – Down The Rabbit Hole é o título original, que significa, em português, algo como Que Diabos Nós Sabemos? – Caindo na Toca do Coelho. Em português, o mais ou menos adequado Quem Somos Nós?.
Uso o termo “mais ou menos”, para classificar o título em português, porque esse documentário, lançado em 2004, vai muito mais além do questionamento feito no título. As questões apresentadas, e detalhadamente discutidas, no filme, discutem física quântica, espiritualidade, metafísica, psicologia, Deus, linguagem, a força do pensamento, pensamento mágico, a gênese… E por aí vai! Talvez, devido a tantas questões – complexas – sendo discutidas, a pergunta do título original tenha total sentido, afinal, ao término do filme, fica, de fato, aquela sensação de que não sabemos diabo algum sobre nada!
São raras as experiências cinematográficas que juntam, numa mesma narrativa, três modalidades de linguagem: a documental, a ficcional e a animação. E o trio de diretores foram felizes em seguir esse caminho. Em quase duas horas de filme, acompanhamos os depoimentos de estudiosos, na grande maioria, homens e mulheres bastante conceituados nas suas área de estudo, nos divertimos com as células, em forma de animação, dialogando, brigando, implorando para serem alimentadas, movimentando-se e, por fim, ficamos na curiosidade para saber quem é aquela fotógrafa, surda, relativamente muda (já que ela fala algumas sentenças e se expressa, muito bem, através das Libras), que, à proporção que a sua história avança, percebemos que ela é uma mulher bonita, magra, mas que não está em paz (ou em uma boa sintonia) consigo mesma.
Quem Somos Nós
Basicamente, essa é a premissa de Quem Somos Nós?: uma discussão sobre quem somos, de onde viemos, para onde vamos, o que há além de nós, no universo… Uma vasta discussão sobre questões pertinentes ao conhecimento humano.
E é exatamente o adjetivo “vasta” o grande problema desse filme: são muitos conceitos, muitas e extensas e complexas teorias que são discutidas no decorrer da obra, muitos os sentimentos humanos expostos e, também, discutidos… Tudo é muito vasto, nesse filme. E, pela própria natureza do que está em discussão, temas complexos, que nem mesmo os cientistas sabem, ao certo, qual a resposta, ou as respostas, para esses temas.
Porém, é uma obra que deve ser não só assistida como, principalmente, revista e, obviamente, discutida. Pois, apesar da grande quantidade de temas expostos (e nem sempre conseguirmos nos atentar e entender todos eles), algumas discussões são merecedoras da nossa atenção.
A (boa) parte ficcional fica a cargo da personagem Amanda, interpretada por Marlee Matlin, a primeira atriz surda e muda a ganhar um Oscar, como Melhor Atriz, pelo filme Os Filhos do Silêncio, na década de 80. Inclusive, ex-mulher do espetacular Willian Hurt, também vencedor do Oscar, nos anos 80, como melhor ator, pelo muito bom filme de Babenco, O Beijo da Mulher Aranha.
Amanda é a tal fotógrafa insatisfeita com muitos pontos da sua vida, em especial, aqueles que levam não necessariamente ao amor mas, sim, às relações conjugais. Só para se ter uma ideia, Amanda não suporta fotografar casamentos pois lembra que, um dia, não só foi casada, como também foi traída pelo marido. Entretanto, a narrativa de Amanda é tão bem desenvolvida que, muitas vezes, preferimos ver o que acontece com a personagem do que ouvir as já citadas e exaustas teorias sobre, por exemplo, quem ou que é Deus. E os diretores mostram muito bem essa transformação de Amanda: de uma mulher com uma série de problemas e inseguranças, transformando-se, gradativamente, numa mulher mais consciente de si mesma, sabendo lidar, coerentemente, com o seu pensamento e suas atitudes perante a vida, perante o mundo no qual ela vive.
Quem Somos Nós
Mas não podemos deixar de admitir que, por mais cansativas que, às vezes, as discussões propostas no filme, sejam, não deixa de ser interessante quando algumas delas vem à tona, como, por exemplo, a questão do pensamento – da força do pensar. O filme – ou os estudiosos entrevistados, no filme – defende a tese de que somos, exatamente, aquilo que pensamos. Aliás, teoria também aceita pela grande maioria das religiões e seguimentos espiritualistas, a exemplo do espiritismo. Como prova dessa afirmação, a narrativa nos leva à personagem Amanda e seus pensamentos no início, no decorrer e no final do filme, e a sua já citada transformação.
Inclusive, a narrativa de Quem Somos Nós? assume, a todo o momento, um caráter comprobatório. O próprio filme, em si, pode ser, tranquilamente, encarado como um experimento, como resultado de várias pesquisas, já que são vários – repito – os temas discutidos na obra. É verdade que, nem sempre, o percurso utilizado pelo pesquisador de um determinado tema, tratado no filme, fica claro para nós, espectadores. Contudo, nota-se, pelo histórico de cada um dos entrevistados, que são profissionais de renome, conceituadíssimos nas suas áreas de pesquisa.
Talvez, se houvesse uma menor ambição na variedade dos temas analisados, Quem Somos Nós? poderia ser melhor compreendido não só pelos espectadores que não entendem nada de, por exemplo, física quântica, como também pelos entendidos nos assuntos tratados no filme, pois, das críticas recebidas, muitas partiram, exatamente, daqueles que compreendem e trabalham com vários dos assuntos abordados pelos três cineastas.
Mauricio Amorim é Professor de Linguística e Produção Textual da Universidade do Estado da Bahia, Especialista em Linguagens e Mídias Audiovisuais, Cineasta e Colunista do Cabine Cultural.