Capitães da Areia
7 de outubro de 2011. Esta data marcará o momento em que um projeto com mais de 4 anos de produção se encontrará com o seu público. Capitães da Areia, primeiro longa-metragem da diretora Cecília Amado, que chega às salas de cinema nesta semana, mostra-se como a realização de um sonho coletivo, compartilhado efusivamente por todos os leitores e admiradores da literatura de Jorge Amado e que, nas comemorações de seu centenário de nascimento, acaba por ser o maior e mais gratificante presente que seus fãs poderiam imaginar receber.
Assim, durante toda uma semana, entre 26 e 30 de setembro, Cecília, junto com parte do elenco, participou aqui em Salvador de uma série de eventos para, não somente promover, mas acima de tudo, conversar sobre a obra do seu avô, além de nos revelar como se deu este árduo trabalho de transformação do consagrado romance em um filme. A última parada desta pequena turnê, por assim dizer, aconteceu na sexta-feira passada, na Universidade Federal da Bahia, e eu, juntamente com a companheira de blog, Cristiana de Oliveira, estávamos presentes.
Logo de início foi apresentado o making of da produção, que abrangeu desde o momento da escolha do elenco, até a produção da trilha sonora, assinada por Carlinhos Brown. Sobre a escolha do elenco, um número impressiona: foram cerca de 1.200 jovens candidatos aos mais diferentes papeis na trama, e ao final, após um difícil sistema de seleção, foram chamados 12 não atores, meninos participantes de ONGs ou comunidades de Salvador. O resultado, ao que nos parece, foi bem-sucedido, pois ao menos no evento da UFBA, todos se mostraram desde já grandes promessas do nosso cinema.
Após a apresentação do making of, foi criada uma mesa de discussão, onde professores, elenco e a cineasta conversaram sobre cinema, literatura e Jorge Amado, e também na junção destes três termos em um somente. Algumas afirmações, relativamente óbvias, nos foram passadas, como a distinção no processo de surgimento de um romance e de um filme. Todos ali, acredito, sabiam que o escritor possui ferramentas bem mais vastas e ilimitadas de criação, se comparados ao cineasta. E que no processo de adaptação de um livro para o cinema, deve-se sobressair a construção dos personagens, visando criar no espectador uma empatia imagética fundamental para o sucesso de uma obra fílmica. Também parece evidente a constatação de que o processo criativo do escritor se dá subjetivamente, na sua individualidade, enquanto que em um filme, esse esquema se mostra coletivo, tanto na sua gênese, quanto no seu desenvolvimento.
Cecília Amado, ao falar deste processo, tocou numa suposta frustração que o leitor pode sofrer ao assistir uma adaptação fílmica de algum livro que o tenha tocado. Ela afirmou que o cinema acaba se tornando um redutor da experiência de cada um e por conta disso decidiu por fazer em Capitães da Areia o que chamamos de cinemão, para possibilitar criar uma identificação nos mais variados públicos consumidores de filmes. Também confessou não haver para ela a real necessidade de uma fidelidade ao livro, e que caso tal ideia se mostrasse necessária, sua fidelidade seria ao Jorge que ela conheceu, mesmo porquê o cinema possui uma dinâmica bastante diversa da literatura.
A partir daí, Jean Luis Amorim (Pedro Bala), Ana Graciela (Dora), Robério Lima (Professor), Paulo Abade (Gato) e Evaldo Maurício (Pirulito) entraram na conversa para não mais saírem, deixando visível para todos o entusiasmo que cada um deles possui, não só com o projeto, mas com a profissão que acabaram de abraçar. Eles compartilharam com a plateia todos os desafios passados, o tempo na oficina (cerca de dois meses), a necessidade do aprendizado da capoeira, a relação com a cineasta, chamada de mãe por um deles e o processo de crescimento que vivem.
Para não dizer que o evento foi perfeito, registro duas situações que de certo modo me aborreceram. A primeira (de cunho discursivo) se deu por conta de uma já antecipada defesa da obra perante a crítica especializada. Alguns debatedores compartilharam certo incômodo com a crítica cinematográfica, chegando a dizer que lhes falta sensibilidade na construção do texto, pois supostamente tal crítica negligencia todos os detalhes, problemas e desafios que envolvem a produção de um filme, principalmente as que nascem de adaptações literárias. Contrapondo esta linha de raciocínio, acredito que um texto crítico deva se pautar somente na obra fílmica, esquecendo assim todos os citados detalhes, que chamo aqui de elementos externos; isto não é função do profissional da crítica, cabendo talvez ao repórter jornalístico, que produziria uma matéria com esta perspectiva em mente. O segundo aborrecimento surge com a evidente constatação de que já se encontra em estágio avançado em Salvador as culturas do desrespeito e da falta de educação em locais como cinemas, teatros e auditórios. Cada vez mais observa-se pessoas que conversam em voz alta, atendem celulares, levantam-se a todo instante e não prestam a mínima atenção às falas, atrapalhando assim todo um esforço das equipes de produção de um determinado evento. No de sexta-feira passada não foi diferente. Infelizmente.
Porém, no fim das contas, o saldo do evento foi bastante positivo, a dinâmica se deu de maneira muito produtiva, com vários assuntos abordados, deixando automaticamente no ar uma grande ansiedade pela estreia do filme nos cinemas.
Assim, resta-me dizer que a semana só está em seu início, e que ainda há muito que falar sobre o lançamento de Capitães da Areia no circuito comercial. Fiquem ligados.
* O evento fez parte do projeto ViVendo Imagens que acontece às sextas-feiras no Pavilhão de Aulas da Federação (PAF 3), na Universidade Federal da Bahia.