Crítica

Crítica Maria Madalena: um exemplo de empoderamento feminino

Maria Madalena

Dirigido por Garth Davis. Roteirizado por Helen Edmundson, Philippa Goslett. Elenco: Rooney Mara, Joaquin Phoenix, Chiwetel Ejiofor, Tahar Rahim, Sarah-Sofie Boussnina, Ryan Corr, Uri Gavriel, Charles Babalola, Tawfeek Barhom, Michael Moshonov.

Por Gabriela Tomasi

Maria Madalena foi durante muito tempo uma figura controvertida, já que vários mitos, lendas e teorias permeavam sobre a apóstola de Jesus, inclusive por algumas declarações feitas por Papas, como o fato de que ela supostamente teria sido prostituta antes de seguir a palavra de Deus. Dessa forma, é muito interessante que um filme sobre sua pessoa fosse pensada e desenvolvida, já que poucos épicos cristãos ousam contar histórias sobre suas mulheres. Mas a personagem-título foi sim uma parte importante dessa jornada e o carinho e a dedicação do novato cineasta Garth Davis nesta empreitada transparece a cada segundo.

É irrelevante a avaliar as veracidades ou não contidas no filme, já que até hoje existem várias especulações sobre o papel real de Maria Madalena na vida de Jesus e que são discutíveis ou nunca foram provadas, e Davis faz com este longa um entendimento do assunto bastante particular e respeitável sobre o assunto, com uma clara intenção de limpar a imagem que criaram dela até então. Até porque se trata de um trabalho ficcional e é importante que o cineasta se faça ouvido em suas posições.

Neste sentido, conta-se a história da mulher (Mara) que largou sua família e seu lar para se tornar uma das mais importantes apóstolas de Jesus (Phoenix), e por entender tão bem a essência cristã foi o braço direito de seu líder mesmo após a sua morte.  Um companheirismo e parceria que funciona e cativa e que, por sinal, é bastante raro ver inclusive no cinema. O longa então passa por temas muito relevantes que explicam, inclusive, por que ela fora tão rotulada. É a mulher que se recusou a casar conforme ditava a tradição, decidiu ir atrás do que queria, mesmo que isso significasse uma “vergonha” para a família ou até mesmo uma “traição” por seguir religião diversa da qual fora criada e, além disso, enfrentou olhares preconceituosos e superstições demoníacas. A cada instante da narrativa passamos a admirá-la mais e mais. Da mesma forma, o diretor de Lion: Uma Jornada para Casa (2016) fez um grandioso trabalho em humanizar cada um dos personagens, incluindo a sensibilidade com que constrói o próprio Judas (Rahim), assim como os medos e anseios que Jesus sentia, porque afinal ele era antes de tudo, humano.

Apesar desse maravilhoso olhar para Maria Madalena e também para a religião cristã (e que há muito tempo foi perdido), Davis ainda mostra que tem ainda que aprimorar sua abordagem para desenvolver uma narrativa eficiente, principalmente no que se refere à sua mise-en-scène. O problema é que diversas vezes nos deparamos com close-ups e movimento de câmera mal posicionados, o que nos leva a interpretar algo que não existe, como nos primeiros minutos quando a protagonista atende a um chamado de longe enquanto está trabalhando e a câmera decide dar atenção por alguns segundos na colega que a estava ajudando, ou então, o constante destaque em Judas nos planos, como se estivesse anunciando o tempo todo o seu papel na história. Isso acaba ofuscando os demais personagens e prejudicando a interação que o grupo de apóstolos como um todo poderia ter.

Por falar em “ofuscar” também há um sério problema de equilíbrio entre a história de Maria Madalena e a de Jesus. Grande parte do tempo a jornada da protagonista é deixada de lado, o que acaba tornando-a apenas uma figura presente (e onipresente) não na sua própria história, mas como uma mera coadjuvante na de seu líder. Não desmereço a importância e o impacto de nossa cultura e história ocidental em relação à crucificação de Jesus, que igualmente merece o destaque e tem toda relevância narrativa no filme, mas o protagonismo daquela que dá nome ao título do filme enfraquece aos poucos, perde o foco, permanecendo ela muitas vezes inerte aos acontecimentos em sua volta.

Assim sendo, quando se faz um estudo de personagem como este, espera-se no mínimo que possamos sair do cinema tendo conhecido e ter sido esclarecido melhor sobre sua vida, o que não acontece plenamente aqui, uma vez que a figura da própria personagem-título permanece um tanto obscura após duas horas de projeção. Em outras palavras, o filme brilha e demonstra ser mais eficaz quando o roteiro concede à personagem de Rooney Mara finalmente as rédeas para se impor e agir, de se expressar e defender suas crenças, mas por outro lado fica também difícil saber as nuances e detalhes de sua personalidade, como e de quê forma realmente todo o aprendizado com Jesus se deu, ou suas motivações sobre determinadas atitudes, ou por que ela encontrou uma satisfação na presença de Jesus e não em outro lugar.

A sensação, portanto, é de algo incompleto, já que a sua história não parece ser algo complementar ou interdependente da de Jesus, mas sim inexistente sem ele.

Mesmo com seus defeitos, Maria Madalena é um filme necessário que apenas tem a enriquecer nossa humanidade, além de ser um exemplo bem honesto de empoderamento feminino.

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