Cinema

Uma Primavera

Uma Primavera

O filme Uma Primavera (2011) é um curta singelo, suave e doce. Esse comentário é clichê.  O filme não. Como costuma ser com as obras de grande valor estético, o tema e sua abordagem são universais, ressalvando bem os traços de originalidade e autonomia criativa através de suas metáforas. O curta, que foi livremente inspirado em poemas de William Blake, narra a história de Lara, uma menina que está se descobrindo como mulher e se iniciando na vida amorosa, e de sua mãe no processo de descoberta dessa nova realidade da filha.

O filme começa com Lara colocando um esparadrapo na ferida da perna no banheiro enquanto sua mãe, do lado de fora, a apressa para saírem. A sutileza de alguns elementos que são enfatizados do inicio pode já dar uma pista do que o filme se propõe a contar. Podemos associar o corte, o sangue e o esparadrapo com os aspectos fisiológicos que marcam o fim da infância e o inicio da idade adulta através da menstruação.

O enredo se desenrola fluidamente e a empatia com as personagens vai se intensificado a cada cena. Isso tudo graças à trama bem delineada por parte da roteirista e diretora Gabriela Amaral e da interpretação bastante convincente das atrizes que desempenham o papel com segurança e envolvimento, dando o tom dramático necessário aos personagens e suas histórias.

Uma Primavera

A escolha do lugar onde se concentra boa parte da ação também foi muito feliz. É um parque com bastante verde e  pássaros, lembrando os cenários dos contos de fadas e dos romances. A mãe de Lara a leva ali para um piquenique de comemoração do aniversário de 13 anos da filha. Sua mãe ignora os anseios e as transformações pelos quais a filha passa. Isso fica evidente numa situação em que ela se refere ao bolo de aniversário e a mãe pergunta “mas você não adora a cor rosa?”. Não, a menina não gosta mais. E nem das velas brilhantes em formatos de números do bolo do aniversário. Com a primavera, algo novo surge em Lara. Os seus treze anos de idade são o inicio de um ciclo de vida de uma mulher que deixou de ser criança.

Lara criança desaparece, para aparecer uma Lara mulher. Isso é mostrado plasticamente nas imagens do filme no momento em que sua mãe, depois de ter dormido, enquanto a filha conversava distante no celular, acorda e não a encontra mais por perto, apenas o telefone.

Ela sai em busca da filha interrogando as pessoas no parque se a viram. Mas ninguém a havia visto. A mãe de Lara vai, gradativamente, ficando desesperada. Liga para o ex-marido para falar do desaparecimento da filha. Depois na impotência de quem já espera o pior, entra em desespero desconsolado. Está só. Chora e se descabela. Onde estará Lara?

Gabriela Amaral

Uma Primavera é um curta concebido e realizado por uma diretora bem crescida e madura, que com muita sensibilidade alcança e nos faz alcançar o momento tênue e sutil do devir da criança Lara no processo de tornar-se mulher. E isso com todos os traços de originalidade de quem conta uma metáfora de si mesma.

 Washington dos Santos Oliveira é graduado em filosofia pela Universidade Federal da Bahia e é colaborador do Cabine Cultural.

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