Cinema

Edifício Master, de Eduardo Coutinho

Edificio Master

O filme EDIFICIO MASTER, produção do ano 2002 é, sem sombra de dúvida, uma das mais importantes obras do cineasta Eduardo Coutinho.

Durante sete dias, Coutinho, junto à sua equipe, filmou o cotidiano dos moradores do Edifício Master, situado em Copacabana, a um quarteirão da praia. O prédio tem 12 andares e 23 apartamentos por andar.  Ao todo são 276 apartamentos conjugados, onde moram cerca de 500 pessoas. Eduardo Coutinho e sua equipe entrevistaram 37 moradores e conseguiram extrair histórias íntimas e reveladoras de suas vidas.

Através dessas histórias, fica-se sabendo do passado de crimes e de prostituição do Edifício Master e da cruzada do síndico Sérgio (um dos entrevistados) para restaurar e trazer um pouco mais de dignidade para o prédio. O que, de fato, segundo alguns outros depoimentos de outros moradores, o síndico consegue.

Edificio Master

Dessas entrevistas inicias, nas quais se tem um panorama geral do Master – na verdade, uma necessária contextualização desse espaço, para o público espectador – passa-se a entrevistas/depoimentos um tanto quanto mais intimistas, e é exatamente através desses depoimentos que o filme EDIFICIO MASTER expõe a sua verdadeira e principal característica enquanto obra cinematográfica: mostrar a alma dos seus personagens ou, pelo menos, tentar se aproximar dela.

As inserções de Coutinho, durante as entrevistas, existem e, às vezes, são até bastante necessárias para um bom desenvolvimento dos depoimentos. Porém, essas inserções não são constantes e nem chegam a ameaçar a narrativa das mais variadas histórias de vida de cada um daqueles moradores ouvidos.

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E são exatamente essas histórias, as mais intimistas, as mais pessoais, que prendem o espectador, e não, necessariamente, aquelas de âmbito mais geral, as que falam da problemática da violência no Rio de Janeiro, mais especificamente em Copacabana, ou da contextualização do Master do passado e do presente. São as histórias de vida de cada um, os sonhos, as angústias, as mágoas, a esperança daqueles moradores, que dão vida a esse documentário.

EDIFICIO MASTER é um filme que, além de ser um dos melhores trabalhos de Coutinho, se não o melhor, é uma obra que emociona. São quase duas horas, num filme sem nenhuma trilha sonora, com uma fotografia que deixa a desejar, numa obra com um orçamento visivelmente baixo, mas que, acertadamente, o espectador vai demorar muito para esquecer aquelas histórias de vida.

Edificio Master

Levando em consideração a tipologia do documentário, proposta por Bill Nichols – crítico de cinema americano, com vários livros lançados sobre documentários – nunca poderia se afirmar que EDIFICIO MASTER é um documentário que segue uma linha mais tradicional, aquela linha chamada por Nichols de documentário expositivo. Coutinho está muito além, neste filme, de uma mera necessidade de defender argumentos e comprová-los através de imagens. Fica evidente, em EIDIFICO MASTER, a participação ativa do diretor e da sua equipe, junto aos entrevistados, o que faz com que esse filme seja considerado como um documentário participativo.

Já a linguagem usada por Coutinho, como é de se esperar num filme em que o intimo dos entrevistados tem primordial importância, é bastante caracterizada pelo quase que constante uso do primeiro plano, sendo que, em alguns momentos, pode-se perceber, num plano de conjunto, entrevistado e diretor, assim como há os planos em que também é possível ver a reduzida equipe de filmagem de EDIFÍCIO MASTER.

EDIFÍCIO MASTER é um documentário que não tem cenas externas. O máximo que Coutinho permite que seja mostrado, do externo deste edifício, são as imagens iniciais, captadas pelas câmeras de segurança do prédio, as quais mostram a equipe chegando e entrando no Master, e uma ou outra imagem externa vista através das janelas de alguns apartamentos. E só! Decididamente, o que está externo, além daquelas salas, daqueles quartos, além do interior daquelas pessoas, parece mesmo não importar a Coutinho. E, mesmo assim, mesmo sendo um documentário quase que cem por cento de cenas internas, EDIFÍCIO MASTER é uma obra que encanta, que prende a atenção do espectador.

Este longa-metragem realizado por Coutinho, no inicio dos anos 2000, difere totalmente do Eduardo Coutinho do filme CABRA MARCARCO PARA MORRER. Todo viés político que há nesse filme mais famoso de Coutinho, deixa de existir em EDIFICIO MASTER, um filme que prima por trazer, ao espectador, todo um lado humanista de um grupo de pessoas que, normalmente, não teria chance alguma de falar, de expor seus pontos de vista, seus sentimentos… Pessoas que fazem parte de um grupo, moradores de uma grande cidade, que quase nunca são vistos, quiçá, ouvidos! E a câmera de Coutinho, junto a sua reduzida equipe, deu chances a essas pessoas de se expressarem.

Mauricio Amorim é professor de Linguistica e Produção Textual da Universidade do Estado da Bahia, Cineasta e Colaborador do Cabine Cultural.

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