Alanis Morissette supera os fracassos em novo disco cheio da sua velha angústia.
“Neste novo disco, a roqueira, agora mãe de três, se afasta da rebeldia juvenil inconsequente de outrora e mostra uma face mais alto-astral no seu som.”
Por Elenilson Nascimento e Anna Carvalho
O ano era 1996. Ano em que comprei o “Jagged Little Pill” naquelas promoções de R$ 9,90 quando as Lojas Americanas prestavam e que eu achava ser o álbum de estreia, mas que, na verdade, era o terceiro de estúdio de carreira da cantora e compositora canadense Alanis Morissette e o primeiro a ser lançado internacionalmente. Um ano antes, a cabeluda Alanis reiniciava a carreira com este trabalho incrível que impactaria o mundo todo.
Com uma penca de hits que até hoje ainda bomba nos aparelhos de som de gente que gosta de música boa, como “Ironic”, “You Oughta Know”, “You Learn” e “Head Over Feet”, este poderoso e barulhento disco da Alanis marcou uma época e foi responsável por colocar seu nome, até então restrito ao Canadá, em evidência no mundo todo. Contudo, os insondáveis caminhos do pop levaram Alanis ao ponto certo neste “Jagged Little Pill”, lançado há 25 anos, pela Maverick, gravadora da Madonna (acho que uma das primeiras contratações pela própria Madonna, como empresária). Um álbum que ainda expressa urgência e ansiedade do início da idade adulta (Alanis tinha apenas 21 anos).
E, querendo ou não, “Jagged Little Pill” acabou virou um clássico. E, só para agradar os fãs, já teve edições de 10, 15, 20 anos e, neste ano, de 25 anos com vários bônus extras. O disco traz relatos pessoais sobre sua vida, relacionamentos, cotidiano, drogas, sexo, solidão, pés na bunda, depressão e uma honestidade que foi tão responsável quanto o instrumental para que os fãs se identificassem imediatamente com o seu conteúdo. Contudo, até 2019 este disco acumulava os 55 milhões de cópias vendidas no mundo todo, sendo um dos álbuns mais vendidos da história.
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Contudo, recentemente, muitos fãs ficaram surpresos ao saber, em entrevista ao podcast Rolling Stone Music Now (via NME), que a artista não queria gravar o seu grande clássico “Ironic”, no “Jagged Little Pill”. Alanis confessou que, apesar dessa ter sido uma de suas primeiras composições, inicialmente ela só serviria como uma demo. E depois de ter sido convencida pelas pessoas próximas de que a canção tinha potencial, ela finalmente gravou “Ironic” e a música foi inclusa em seu clássico disco de 1995.
Alanis gravidissima em foto maravilhosa.
Agora, depois de várias tentativas de repetir o sucesso monumental de “Jagged Little Pill”, Alanis supera os fracassos das baixas vendagens dos discos anteriores e reaparece gordinha com “Such Pretty Forks In The Road”, um disco cheio da sua velha angústia. 25 anos mais tarde, oito discos depois (contando só com os de estúdios), e também oito anos sem lançar álbum de inéditas, a artista retorna com um disco lançado por dois selos, Epiphany e Thirty Tigers, que chega às plataformas digitais (*eu já baixei o meu, o disco físico tá muito caro!), amplamente elogiado, considerado tão bom ou melhor do que o monstro “Jagged Little Pill”.
E nem a quarentena imposta pelo novo coronavírus impediu diversos artistas de produzirem seus conteúdos e fazerem lives (mesmo que algumas delas não deveriam ter sido feitas). Mas Alanis provou que conseguiu fazer um trabalho de alta qualidade durante este isolamento social. No vídeo da música “Ablaze”, do mais recente álbum, por exemplo, que foi totalmente gravado na sua própria casa, é possível ver toda a família feliz: ela, o marido e os três filhos. Em um dos momentos, o marido, Mario Treadway, aparece brincando com a filha, Onyx, e com o pequeno Winter Mercy, que completa um ano de vida agora em agosto. Em outro trecho, Ever, o filho cabeludo mais velho do casal, brinca com bolinhas coloridas. E Alanis aparece cantando em diversos lugares da residência enquanto as cenas felizes em família surgem. E, o mais engraçado, acho que todos eles estavam fantasiados de coronavírus.
Em novo disco, a roqueira, agora mãe de três, se afasta da rebeldia e mostra uma face mais alto-astral.
“Ela sou eu, ela é o Sagrado Feminino, ela é o feminismo. Eu tive tantas mentoras mulheres, que realmente representavam o materno. Especialmente após dar a luz. Essa música, para mim, é sobre buscar a mãe, buscar o materno, buscando por empatia, o carinho de pele. Também, espiritualmente, eu gosto de encontrar o ponto onde as religiões se encontram – e é tudo muito patriarcal. Acredito que essa música seja mais como eu dizendo “Desculpe, mas eu não vou rezar para o velhinho no trono, no céu, por mais linda que seja essa fantasia, mas é a feminilidade que eu estou precisando mais”, disse a cantora.
Hoje com 47 anos, a jovem senhora Alanis passou por todos os percalços normais que os seres humanos se deparam durante a vida adulta. Relacionamentos mal sucedidos, um amigo que lhe sacaneia financeiramente, no caso, o seu próprio empresário que lhe surrupiou milhões de dólares, mortes de pessoas próximas, nascimento de três filhos e, no caso dela, com uma depressão pós-parto, além de anorexia, trauma e mais depressão: a dura saga de Alanis mostrava que jamais superaria os seus dramas. Contudo, “Such Pretty Forks In The Road”, feito como todos os outros álbuns, é demasiadamente e deliciosamente confessional. Tem franca inspiração na música de raiz norte-americana, com muito folk, muitas cordas de aço, muito dedilhado, muita gaita, muita caixa e prato de bateria aparente. E lembra muito os primeiros discos do Coldplay. Mas também não nega seu lado roqueiro com overdrives nas guitarras, baixos proeminentes e vocais ainda gritados e muita vocalização.
Provavelmente seus fãs mais atentos viveram momentos semelhantes aos que ela canta no disco novo que, claro não venderá um décimo do que vendeu “Jagged Little Pill”, até porque pouca gente compra discos físicos hoje. Eu, por exemplo, não compro mais porque nem lojas de discos boas existem mais. Mas este disco novo é sim para conferir a quantidade de streamings. Se bem que nesta área Alanis já está bem realizada. “Such Pretty Forks In The Road” começou a ser feito há três anos. Mas, no ano de 2018, ela revelou ter 23 canções prontas (a maioria em parceria com Michel Farrell (produtor e tecladista de sua banda atual), em turnês antecipou canções que estariam no próximo disco, feito “Smiling”, composta para o musical (que eu baixei todas as versões covers) produzido sobre o álbum “Jagged Little Pill”.
Aliás, “Jagged Little Pill’ voltou a ser prioridade para Alanis, em 2020, onde ela regravou o álbum todo para a nova edição de 25 anos e preparava-se para sair em turnê comemorativa, quando eclodiu a pandemia, que também a fez adiar o lançamento de “Such Pretty Forks In The Road”, que aconteceria em maio, mas só foi lançado agora em agosto. A intenção era segurá-lo até o vírus ser controlado. Diante das incertezas quanto ao fim da pandemia, e também pela quantidades de pedidos dos fãs, a cantora resolveu liberar o álbum.
Em novo disco, Alanis mostra ter enfim encontrado a felicidade.
O DISCO ANTERIOR – O último disco que a Alanis lançou foi em 2012, “Havoc And Bright Lights” (cuja turnê chegou ao Recife, no Classic Hall, em setembro de 2012, e tinha tudo para percorrer o Brasil inteiro, mas, como sempre, faltou patrocínio), um álbum de canções que comentavam sobre o relacionamento pessoal e maternidade. E embora surjam aqui e ali influências de nomes mais recentes, feito o Radiohead e/ou Adele, na música “Smiling”, a faixa de abertura, onde o som de Alanis é criado basicamente por piano, guitarra e bateria. Aqui e ali cordas, e lembra o rock da Califórnia de meados dos anos 70. Como na sua famosa canção “You Learn”, que fala de um coração partido e que aparece como uma espécie de drágea que a cantora medica para todos, uma música que ainda se apresenta como uma espécie de prescrição de proscritos desde andar nu na sala até engolir uma pílula ruim, então reintera-se uma cantora que se estabelece nesse elan.
Diferentemente dos outros álbuns da cantora, leves pop e dançáveis, “Such Pretty Forks In The Road” quer se expressar, extravasar na música seus sentimentos, sem pejo de se mostrar fraca. Particularmente, em “Ablaze”, “Reasons I Drink” e em “Reckoning”, com refrões que aliam o contraditório numa mesma dose de subversão ou constatação do paradoxo da existência: obrigada mundo, terror, solidão, desilusão, em canções que demarcam a impotência, a capacidade do perdão diante do que não se pode mudar. “Esta foi minha primeira levantada de bandeira branca/este é o som de mim caindo no fundo do poço (…) Eu continuo sorrindo/indo em frente/não posso ficar imóvel”, canta em “Smiling”.
De certa forma é até confortável se saber que ninguém está livre das crises, existenciais, econômicas, nem mesmo uma superstar da música pop. Ainda mais porque Alanis Morissette continua cantando muito bem, com uma voz mais grave do que nunca, e suas melodias também são mais diversificadas. Um disco de uma artista maturada, onde ela se apresenta em situação mais emblemática, contundente em misturas sonoras, aliás, a sua gaita continua imbatível.
Alanis Morissette supera os fracassos em novo disco cheio da sua velha angústia.
Opinião pessoal: Deus não é mulher, muito menos homem. A Alanis sabe disso, e esse novo trabalho justamente se posiciona contra a ideia patriarcal de que Deus é um velhinho sentado em um trono, no céu. Ela ora, e todo o poder da Deusa (de Deus, sem gênero, sem sexo) toma o corpo dela, como “Maria em estado líquido”. Maria é o mais próximo que nossa religião deixa que cheguemos das mulheres. As religiões nunca permitiram que Deus fosse mãe. Deus é pai. O que faz ele perder muitos pontos conosco, não é? Pois então se lembre – Ela é Ela, e não é nenhum dos dois no final. Exatamente como na década de 90, em um cenário musical insalubre, onde surge Alanis lançado música boa, antes mesmo que a rockeira em ascendência e gritante estivesse formada no ensino médio. Surge a ideia da cantora em se engendrar com temas melancólicos em que a mulher introspectiva emerge ante à garota ante à adolescente.
Letras com experiência sobrenatural dão ainda o tom desse mix de cantora e de desejo de demonstração de introspecção de certo ou errado. E não era de não se esperar, Alanis lança, agora, em plena pandemia, um discão de cabeceira que enaltece à família e a própria felicidade, recém conquistada. Alanis agrega esses limites e a perda deles também, com uma beleza exótica, um jeito único, uma voz marcante e uma força pungente de entrar em nossa mente e ficar impunemente sob a nossa esrada com sua voz nessa tessitura. E, em um show, de cabelos imensos que dão o tom da sua força arrebatadora, o mix de sensibilidade e atitude hard tomam o palco. Escutar Alanis Morissette é uma experiência, vale a pena ouvi-la com fones de ouvido, seja em um dia solar ou em uma noite instigantemente fria, dada a sua capacidade ser definitiva. Thank u!!!
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