Novos talentos da literatura brasileira – Poesia, contos e crônicas
“Não acredito nesse Deus arrogante da Bíblia, mas, às vezes, é difícil ver Luz que faça acreditar”
Por Elenilson Nascimento
Não acredito em Deus porque nunca o vi Se Ele quissesse realmente que eu acreditasse Nele, sem dúvida que viria falar comigo, me mandaria um e-mail me adcionaria no Facebook faria um selfie comigo
e entraria pela porta adentro
Mas se Deus é mesmo as flores do meu jardim, as árvores do Parque da Cidade, os montes de Morro de São Paulo e o Sol, o Céu e o Luar de Itapoan, então eu acredito Nele a toda hora, mesmo que a minha vida não seja uma oração,
mas uma comunhão entre os olhos e os ouvidos
Mas se Deus é as árvores, as flores, os montes, os ventos, o Luar e o Sol no Céu, para que Lhe chamam Deus? Chamo-Lhe flores e árvores e montes e ventos nesse sobe e desce de alma sem corpo porque se Ele se fez, para eu o ver, com tantos corpos sem almas por aqui só vagando sem direção e sem vento é porque Ele é mesmo Sol e Luar e flores
e árvores e montes e dúvidas e respostas
Não acredito nesse Deus arrogante da Bíblia mas, às vezes, é difícil ver Luz que faça acreditar se cada um de nós tem sua cruz para carregar Mas se Ele me aparecer como árvore e montes e Luar e Sol e flores e beijos, é porque Ele quer que eu o futuque na rede
E por isso eu obedeço-Lhe
Mas porque nem todos levam chicotada? Porque os salários dos “irmaozim” é um recibo de nada? E eu negão de pele clara, branco de pele escura vejo os dois lados e “num vejo” nenhuma fechadura? Que mais sei eu de Deus que Deus de si mesmo? Só vejo o que outros não vêem do lado dessa fixa ditadura E vejo arrotando por todos lados
o que eles chamam de vida dura
Convido-lhe, Deus, a viver na Terra, a enfrentar uma fila do SUS, a pegar ônibus cheio, a ser menosprezado pelos arrogantes e deslumbrados Mas já me disseram que eu sou branco demais pra ser preto Já me disseram que eu sou preto demais pra ser branco Mas minha cor parda “num importa”, porque quando você vem do gueto os capitães do mato descem o chicote, o detector sempre apita na porta giratória do banco, a mídia não mostra o “eu pobre vencedor”,
só mostra carniças em programas espirra sangue
Convido-lhe, Deus, a sair do Face, para abrir Seus olhos obnubilados como quem abre os olhos e vê, só assim vou espalhar num post ateu que eu Lhe chamo vento, luar, Sol, flores… E amo-o sem comparecer no domingo à missa E penso-o vendo e ouvindo no meu som
para andar Contigo todas as horas
Sobre a poesia: “Menino ateu que crer em Deus… Tu és um pseudônimo, assim como o foi Alberto Caeeiro para o seu criador. Deus também é uma metáfora que, algum dia, há vários milênios atrás, alguém usou para designar o coletivo de tudo e de todos! Aprecio ateus que crêem em Deus, principalmente quando são poetas, pois sentem literalmente os significantes e significados do uso de metáforas, sem tanto se preocuparem com a precisão das investigações ditas de natureza científica! Permita-me a uma extravagância: vestir-me-ei com vestes celestiais reluzindo o brilho de uma arco-íris ao topar com cristais e, sob forma feminina, serei uma Deusa, porque um Deus sozinho não faria tantos filhos para além da espécie humana! Permita-me apresentar-me como Senhora do destino da Eternidade, mas como serva das minhas crias. Deus não sairá do Face, pois não é possível sair daquilo de que está correndo em suas veias. Se uma condição de validade da existência de Deus é ser onipresente, torna-se exigível sua presença em todos os lugares, inclusive no “não lugar – utopia” das redes sociais. Ademais, amado filho das entranhas Sol e da Lua, do Preto e do Branco, não vês que já vivencio na Terra, nas filas do SUS ou mesmo nos ônibus cheios? Não sentes que sou também a depressão dos que tem muito dinheiro e uma vida rica apenas de vazios? Não percebes que as astes que te chicoteiam as costas são privadas da noção essencial de felicidade? Oh, amado filho de nossas entranhas, vos compreendo vossa dor, e, lamento aparentar ser incompetente para que tu possas sentir-nos pulsar em teu coração de forma ainda mais latente e flamejante. Mas a mídia, amado filho, a mídia que vos importa ver é aquela que está ao seu redor, de amigos de abraçando, de mães amamentando seus filhotes e de casais se amando, trocando fluidos de divindade e humanidade, sob raios solares e reflexos lunares. Esteja atento, amado filho: para além dos “programas espirra sangue”, o mundo está repleto de rios, lagoas, mares e chafarizes que jorram e espalham muito Amor. Despindo-me das vestes celestiais que me foram graciosamente concedidas neste momento para vos falar, despeço-me com meu habitual abraço fraternal e votos de uma vida rica em amor! Se cuida, lindo menino ateu que crer em Deus!” (Lívia Honorato)
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colunista do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina