Nocaute
Drama tem como pano de fundos as lutas de boxe, mas está longe de ser somente um filme sobre o esporte; ator merece ao menos estar entre indicados aos prêmios em 2016
Por Luis Fernando Pereira
Numa primeira olhada, Nocaute, novo trabalho do cineasta Antoine Fuqua (Invasão à Casa Branca, Dia de Treinamento) nos parece um filme habitual sobre o universo do boxe. Tem elementos de alguns dos filmes da saga de Rock Balboa e tem elementos de outro filme de Stallone (Falcão – O Campeão dos Campeões). Essa segunda influência, entretanto, carrega Nocaute para o lado dramático e é justamente neste ponto que a sua história se diferencia do resto.
Na trama, o boxeador Billy The Great Hope, interpretado magistralmente por Jake Gyllenhaal, tem tudo o que sempre sonhou: o cinturão de campeão, a esposa dedicada e companheira Maureen (Rachel McAdams), sua linda e precoce filha Leila (Oona Laurence), uma mansão com piscina, carros e dinheiro. Até que um terrível golpe do destino lhe rouba tudo, até a guarda da filha. Atrás de uma nova chance, ele pede ajuda ao treinador Tick (Forest Whitaker) e a partir daí começará a sua jornada redentora.
Família
O filme então é trabalhado sob duas perspectivas, sendo a primeira voltada para o lado familiar de Billy. Maureen, sua esposa, forma, junto com a filhinha, uma família das mais bonitas e unidas. O roteiro intensifica ao máximo esse ar de perfeição familiar, porque eles já sabem que o ponto de virada da narrativa acontecerá quando Billy perder exatamente tudo que possui: esposa, filha, carreira e patrimônio.
Destruído emocionalmente, o lutador vai sair em busca de redenção, e Nocaute no fim das contas pode ser considerado um filme sobre redenção, sobre alguém que perdeu o que de mais importante possuía, e que se sentia culpado por isso (de certa forma ele foi culpado). Assim, só restava-lhe fazer todo o possível para ao menos proporcionar à sua filha o mínimo que um pai deve oferecer.
Nesse momento, vemos a relação de Billy com a sua filha, a atriz Oona Laurence, ser destruída e reconstruída novamente, numa atmosfera muito próxima da trama de Falcão – O Campeão dos Campeões, citada no início do texto. A relação deles é das mais belas, intensas e emocionantes, e o desfecho, mesmo sendo em tese óbvio, consegue atingir o espectador, que dificilmente sairá da sessão sem se emocionar.
Nocaute
Só para constar, é no lado dramático que Jake Gyllenhaal se sobressai e é através de sua dor que conseguimos perceber o quão grandioso é seu trabalho no filme. O ator, que ano passado já havia atuado de modo primoroso em O Abutre, entra novamente na lista de possíveis candidatos ao Oscar. E seria mais que merecida tal indicação.
Boxe
A segunda vertente de Nocaute, é claro, está no lado esportivo. A redenção concreta de Billy acontece nos ringues, ao tomar de volta o título que sempre foi seu. E para isso outra relação das mais intensas será construída pelo roteiro: Billy e o treinador Tick, interpretado por um Forest Whitaker sempre bom. Os dois seguirão aquela linha tradicional de filmes sobre boxe, onde um treinador ensina ao seu pupilo que o esporte é muito mais disciplina e inteligência do que somente força física.
O grande acerto de Nocaute nesta perspectiva é proporcionar ao espectador uma experiência diferenciada das lutas de boxe. Primeiro por conta do cineasta não ter usado dublês para as cenas de luta, o que acaba ganhando ainda mais em realismo.
E depois, e isso sim é impressionante, o uso inteligente das câmeras nas lutas. Em determinado momento adquirimos a visão de um dos lutadores e, caso estivéssemos com os óculos de 3D, conseguiríamos de alguma forma sentir os socos, tamanha é a sensação de profundidade que as sequências possuem.
O final, apoteótico e catártico, também é bastante tradicional nos filmes deste gênero. A luta derradeira, de longe a sequência mais bem produzida, é carregada de ação, de drama e de superação e somente ela já faz valer o ingresso.
Nocaute é um tradicional filme de boxe que, paradoxalmente, é diferente da maioria do filmes do gênero. Carregada no drama, e com atuações tocantes, a trama é das mais interessantes dos últimos anos, ao menos entre as histórias que possuem como pano de fundo os ringues de luta.
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site