Diversidade Cultural
Qual o papel da crítica cultural nos dias de hoje? Talvez esta simples pergunta consiga resumir 3 horas de debates e conversas que o Ciclos de Jornalismo (projeto desenvolvido por professores e estudantes da Faculdade de Comunicação da UFBA) proporcionou ao público participante. Dito isto, apresento agora, com certo atraso, minhas considerações sobre o evento, bem como um relato do que de mais importante aconteceu naquela manhã de 5 de outubro, nas dependências do Auditório da FACOM.
O tema da vez foi Jornalismo cultural: da especialidade à crítica.
O primeiro convidado a expor ideias foi o crítico de cinema do Jornal A TARDE, João Carlos Sampaio, que ao apresentar seu histórico profissional, acabou tocando em um tema bem interessante: quando alguém se torna legitimamente um crítico? Sua experiência, bem peculiar, ilustra essa, por diversas vezes, confusa questão: ele, por conta da falta de espaço no processo de edição das matérias no jornal, teve sua apresentação resumida com o termo crítico de cinema. Claro que o processo não deve ficar restrito neste fato, mas é um bom exemplo de como este é um assunto no mínimo indigesto para a comunidade crítica (cinematográfica ou não) discutir.
Ele continuou relatando a concepção pejorativa que o termo traz consigo, e que tal entendimento é resultado da própria construção social brasileira. Também falou do juízo de valor como um fator que está arragaido no processo crítico e afirmou que pensa a crítica como um espaço para discussão e apresentação de proposições, bem diferente do que vemos nos jornais impressos de dias atuais, onde sobressai-se o que comumente é chamado de resenha crítica. Claro que um modelo ideal se mostra inexistente, mas ainda há alguma salvação no processo e como exemplo, temos os textos do Caderno Cultural (Jornal A TARDE) nos dias de domingo. Neste dia, segundo João Sampaio, há uma possibilidade muito maior de escolha dos filmes, não ficando tão refém das estreias da semana, já que estas possuem notoriedade somente às sextas-feiras, momento em que são lançadas no circuito. A partir daí ele discorreu sobre a dinâmica jornalística, de como o processo de escrita se desenvolve, confessando que muitas vezes falta um tempo maior para a criação de um texto e também, evidentemente, para a revisão do mesmo.
O segundo convidado, Hagamenon Brito (Editor de cultura do Correio e especializado em crítica musical) começou sua fala com a afirmação de que fazer crítica é fazer jornalismo. Ele delimitou um quadro histórico desde os anos 80 até chegar aos dias de hoje, com as redes sociais e blogs cada vez mais importantes no processo de difusão da cultura pop. Explicou de modo sucinto seu trabalho, de como é necessário um equilíbrio no processo geral; também falou da importância de se pensar nos dois lados ao escrever um texto, da possibilidade de se construir pautas próprias, intercalando-as com as sugeridas pela Redação (e pela própria demanda do público leitor). Mencionou também o fato de que, mesmo escrevendo de Salvador e para os leitores (em sua maioria) daqui, seu trabalho envolve uma intensa sintonia com o que acontece no mundo da cultura pop.
A partir de então ele construiu uma reflexão sobre o estágio atual da crítica musical, afirmando que a análise estruturada de uma obra perdeu espaço, dizendo que em jornais mais tradicionais se fica refém da informação, fazendo a crítica musical não se restringir propriamente à música, abrangendo também elementos externos, como a roupa que o artista veste, os produtos que os artistas consomem… Afinal de contas, as pessoas estarão sempre ávidas por comentários sobre os traumas de infância da Lady Gaga, sobre os escândalos proporcionados pela Britney Spears ou sobre o novo relacionamento amoroso da Madonna.
Hagamenon Brito confessou ser uma armadilha escrever sobre qualquer coisa, afirmando que uma boa crítica é aquela que tem a capacidade de jogar alguma luz no público, de mostrar algo de novo. Afirmou também que é bastante complicado fazer uma crítica sobre artistas baianos, pois não há como desconsiderar os laços de amizade ou coleguismo existentes (muitas vezes) entre eles. Contudo, é um processo necessário e que deve ser realizado, pois falar mal do Coldplay (banda inglesa) é fácil, difícil é fazer o mesmo com a Claudia Leitte.
E por fim, na parte mais polêmica de sua fala, Hagamenon Brito bradou: não acreditem em críticos jovens! Confesso que não entendi tal declaração, pois até concordo que o tempo proporciona uma gradativa melhora no processo de pensar, julgar e escrever, mas este processo não se inicia de um ponto morto, falho e desacreditável. E alguns dos grandes críticos que conheço são bastante jovens, devo dizer.
Findada a perspectiva musical, chegou a vez de Antonio Marcos Pereira, crítico literário e Professor de Letras da UFBA, expor seus pensamentos sobre a temática proposta. Ele começou explanando o processo de construção da sua carreira, confessando que nos anos 1990 era um fervoroso frequentador da cena cultural da cidade, além de um assíduo leitor das sessões culturais de jornais e que estes elementos ajudaram muito na sua formação.
Ele retomou a ideia de juízo de valor, expressa por João Sampaio, adicionando também o que chama-se de juízo de interesse e assim caracterizou o crítico literário como um mediador, pois ele é um dos principais responsáveis pela aproximação do produto com o público. Explicou que sua experiência profissional foi consequência de um novo contexto existente a partir da década passada, chamada de A era da internet, complementando com a afirmação de que as tecnologias digitais mudaram completamente a sua vida.
De resto, constatou que falta um lugar especifico para o crítico e que infelizmente não pode-se (salvo raros casos) viver de crítica cultural no Brasil, exemplificando com sua experiência de colunista de um grande jornal, ganhando cerca de R$ 250,00 por texto, o que ao final de um mês não garante uma boa remuneração, certamente.
Dentre suas sugestões de sites e blogs, esta aqui se mostrou a mais interessante: Copa de literatura –
Com o fim da exposição de Antonio Marcos, a palavra foi passada para a outra mesa constituidora do debate, composta por membros da Academia, digamos assim. Tinha-se, em ordem aleatória, Messias, líder da extinta banda de rock baiana Brincando de Deus e atual professor universitário, além dos professores André Setaro (FACOM-UFBA) e Rachel Lima (Letras-UFBA). Para este post não ficar por demais longo, denominarei o que foi escrito até aqui de parte um e logo mais apresentarei a conclusão deste pequeno diário de bordo.
Até mais.