Elis – Divulgação
Direção de Hugo Prata. Roteiro de Vera Egito, Luiz Bolognesi, Hugo Prata. Elenco: Andreia Horta, Caco Ciocler, Lúcio Mauro Filho, Zé Carlos Machado, Gustavo Machado
Por Gabriella Tomasi
Elis Regina. Uma das cantoras mais importantes da história da música brasileira e agora incorporada na voz e na pessoa da atriz Andréia Horta.
Nesta cinebiografia, opta-se por abordar a vida da cantora a partir do momento em que ela chega ao Rio de Janeiro em 1964, com seu pai, até a data de sua morte em janeiro de 1982.
Portanto, trata-se de um período longo de 18 anos da sua vida particular e profissional que, ambiciosamente, se tenta abordar em quase duas horas de projeção. É notável que esta obra passou por um processo de seleção dos principais momentos da nossa protagonista, porém, o trabalho resultou em um roteiro raso que passa batido por todos os elementos essenciais.
Isto se deu muito em razão da decupagem-montagem desastrosa aposta em elipses excessivas desde os acontecimentos iniciais, que muitas vezes não têm ligação lógica entre uma e outra cena. Em um primeiro momento, vemos uma relação de grande amor entre Elis e seu pai e, de repente, eles começam a ter problemas de convivência. Na sequencia, ela participa de alguns shows e, em seguida, ela é a maior cantora do Rio de Janeiro. Posteriormente, quando ela se casa com seu segundo marido, ela parece ter uma vida maravilhosa, em um ambiente rodeado de amor e carinho, mas de uma hora para outra o casamento já não funciona.
Outro problema maior é quando o filme trata da ditadura militar. Quando ela e seu pai chegam no hotel do Rio de Janeiro, percebe-se o som em off de uma estação de rádio que anuncia o golpe. Porém, só muito mais tarde, em meio ao segundo ato, é que nos deparamos com uma entrevista, na qual Elis demonstra (pela primeira vez) uma extrema insatisfação com o regime, denunciando todas as torturas de seus amigos e o ambiente de terror que presencia o Brasil, comparando os militares a gorilas, quando, na realidade, até então a cantora não parecia afetada ou mesmo incomodada pelos eventos políticos.
Elis
Neste contexto, o filme, depois, tenta criar situações de tensão com a perseguição e ameaça dos militares, principalmente quando se trata da censura das letras das musicas, ou então quando a cantora sofre rejeição do público em um momento. Porém, os assuntos são tratados com tanta superficialidade e brevidade que o impacto é ineficaz. A escolha da trilha sonora para esta situações tampouco favoreceu esse ângulo, eis que são, além de óbvias, extremamente exageradas.
Em suma, os fatos de sua história estão ali, eles são nos apresentados, mas com certa distância. Deste modo, o longa fracassa completamente em aprofundar as experiências pessoais da cantora, o seu psicológico, o seu drama interior, para conferir mais complexidade à trama, à sua própria pessoa e, inclusive, justificar as suas atitudes, como, por exemplo, a exclusão repentina de um membro de sua banda. Não sabemos, portanto, o que faz de Elis ser Elis.
A direção de fotografia, no entanto, recria momentos belíssimos e carregados de subjetividade, como, por exemplo, as imagens em sépia da França, os contrastes de iluminação nos palcos e, como inicialmente é utilizada uma palheta de cores quentes e, nos momentos difíceis de sua carreira, as cores se tornam mais frias. Ainda, podemos citar o momento em que Elis fica sozinha em casa, após a separação do primeiro marido: um lindo plano que projeta a cantora olhando para o mar em um plongée que intensifica a dimensão infinita das águas, simbolizando sua solidão.
Os momentos mais impactantes seguramente residem na suas performances das suas músicas como O Bêbado e o Equilibrista, Como Nossos Pais e Fascinação. Andréia Horta faz um trabalho maravilhoso incorporando a “pimentinha”. Apesar da restrita dimensão que o material oferece à personagem, ela consegue perfeitamente imitá-la e, assim, trazer a força necessária para fazer jus a alguém tão importante como Elis Regina. Não é a toa que a atriz conquistou o Prêmio de Melhor Atriz no Festival de Gramado este ano.
Esta obra entrega uma homenagem sincera e para quem está conhecendo a história de Elis Regina pela primeira vez, o trabalho pode até ser eficiente. Para os fãs que já são familiarizados, vai ficar devendo.
Gabriella Tomasi é crítica de cinema e possui o site Ícone do Cinema