Madonna – Rebel Heart
“Apesar da crise na indústria fonográfica, a produção musical é cada vez maior, mais variada e mais acessível. Contudo, o que ainda prevalece são discos de artistas sem qualidade alguma.”
Por Elenilson Nascimento
No ano de 2003, a revista americana “Rolling Stone” publicou um artigo bem interessante, no qual considerava os melhores 500 álbuns de todos os tempos. E a lista foi feita por músicos de rock, críticos de música e pessoas ligadas a indústria da música, sendo que cada um fez uma lista com 50 álbuns. De lá pra cá, vários livros, listas em quase todos os jornais e revistas importantes do mundo inteiro fizeram o mesmo – inclusive no meu antigo blog Literatura Clandestina onde, todo o final de ano, eu postava a minha lista dos melhores. Infelizmente, por total burrice do Google (por ter excluído o LC) e também pela pobreza no mundo musical em 2014, vários gêneros musicais que outrora sempre estiveram presentes na minha lista: rock, blues, jazz, hip-hop entre outros, esse ano ficaram de fora, como também ficaram de fora todas as tendências medíocres que infestam as rádios no Brasil.
A discussão sobre quais são os grandes discos da música brasileira é um tema bem penoso, principalmente para quem gosta de música. A minha lista não respeita o ano de lançamento, pois é uma lista particular dos melhores discos adquiridos em 2014. Mas é notório que as perspectivas de apreciação se modificaram no decorrer do tempo, como também é natural que existam algumas unanimidade difíceis de se desbancar. Os meus critérios analisados incluíram valor artístico intrínseco, as horas tocadas no meu som e importância histórica, ou seja, são discos que tocaram praticamente o ano inteiro aqui em casa e influenciaram no meu gosto por música.
Portanto, axé de baixo nível, funks preconceituosos, músicas universitárias sertanejas, cantores da moda e demais parasitas que teimam em impregnar a mídia com conteúdo ruim, esses passam longe aqui, pois esse mundo artificial do entretenimento está muito mais banal e efêmero e que se submete à venda de produtos de baixo nível para o consumo das massas numa verdadeira coisificação, pouco importando que essa alienação seja vulgar e perigosa, pois o que se almeja (e para o que não se medem esforços) é o sucesso fácil e rápido. Jorge Mautner, no songbook do Itamar Assumpção, escreveu que não via a música como mercadoria, mas como um meio de se expressar, de expressar o divino, o sonho da humanidade. Da mesma forma que o próprio Itamar disse: “Deixa os pretos, é bom pro Brasil, pra música brasileira, sem eles, como é que ia fazer fado, enfadonho como é, com a música clássica que dá sono e com a música de índio que nem chuva chama?”. Em suma, vivemos sim um período estranho na MPB e só esperamos o mínimo dos nossos artistas: express yourself…
Os 15 Melhores CDs Made In Bahia:
1 – Jau – Um Pouquinho de Festa é Bom (2013). O último álbum do Jau inclui 11 faixas inéditas que o baiano compôs com o amigo Tenison Del Rey – exceto “Amar É Bom”, lançada no seu trabalho anterior. “Este disco está mais maduro. Isso acontece quando o artista se aceita, quando já tem um mercado e pessoas que o seguem. O público me dá régua e compasso para eu fazer o meu trabalho tranquilo e sereno”, contou o cantor e compositor baiano que tem na sua essência o axé music de qualidade e que já passou pelas bandas Olodum e Afrodisíaco que depois virou Vixe Mainha. Atualmente o artista segue em carreira solo desde 2008 e mudou um pouco de estilo para tenta atrair outros públicos. Jau é um cantor maravilhoso, um dos poucos que não se rendeu a fazer músicas bobas e de refrões fáceis e busca referências da MPB e nos clássicos brasileiros para trazer para a linguagem do povão. Em “Um Pouquinho…” destaque para “Anjo Torto”, “Todo Mundo Nu” e “Amar é Bom”. Com bastante influência da soul music, do pop e do samba, o disco traz também o axé zen de Saulo, que fez uma participação especial na música “Viral”.
Mariene de Castro
2 – Mariene de Castro – Colheita (2014). Mariene de Castro é um amor, além de muito talentosa. Depois do sucesso com o seu tributo a Clara Nunes (no disco “Ser de luz”, em 2013), a baiana volta agora ao que faz melhor neste “Colheita”, recheado de participações luxuosas: o samba de roda da Bahia, de forte influência africana, de compositores como Nelson Rufino e Roque Ferreira, com eventuais incursões por outras praias, dentro e fora do samba. “Oxóssi”, do compositor Roque Ferreira, abre o disco com um cartão de visitas da Bahia contemporânea: os tambores d’África, o violoncelo de Jaques Morelenbaum e a brejeirice doce de Mariene no auge (a produção do disco, brilhante, é assinada por Max Pierre). Logo em seguida vem o clássico brega “Impossível acreditar que perdi você”, de Márcio Greyck e Cobel, uma versão linda, ponteada pelo acordeom de Cicinho de Assis. No entanto, “Tirilê”, que vem em seguida — estabelecendo uma dinâmica de maior e menor intensidades alternadas —, deixa claro que os refrãos fortes e as batidas que falam ao quadril concentram o melhor da cantora. É um disco bem bacana pra você sair se bulindo por aí!
3 – Novos Baianos – É Ferro na Boneca + Novos Baianos F.C. (1970-73). Um dos principais grupos brasileiros dos anos 70, que continua contemporâneo e necessário, mas que acabou tendo o seu reconhecimento muito mais por um disco do que por sua discografia. Em um total de nove álbuns (oito de estúdio e um ao vivo) de extremo bom gosto e inovação, Baby Consuelo, Morais Moreira (que depois mudou para Moraes, com “e”), Paulinho Boca de Cantor (*que eu assisti esse ano um show lindo no Teatro Xisto, em Salvador), Luiz Galvão, Pepeu Gomes, Dadi, Jorginho, Baixinho, Bola e Charles fizeram de sua música uma criativa mistura de afoxé, rock, samba, chorinho, bossa-nova, blues, frevo e música tradicional nordestina jamais vista e ouvida no país, e que muitos torcem o nariz sem ao menos se prestar a ouvir os LPs com atenção ou pelo menos boa vontade. Um belo disco – dois em um – que redescobri esse ano.
4 – Gilberto Gil – Gilbertos Samba (2014). 5 – Márcia Castro – Das Coisas Que Surgem (2014). 6 – Alavontê (2014). 7 – Daniela Mercury & Cabeça de Nós Todos (2013). 8 – Luiz Caldas – Bloqueado (2014). 9 – Playgroud – Playgroud (2014). 10 – Carlinhos Brown – Sarau du Brown Ritual Beat Sustem (2014). 11 – Maviel Melo – Entre a Ponte dos Sonhos (2014). 12 – Fábio Haendel – Nuvens (2014). 13 – Lucas Santtana – Sobre Noites e Dias (2014). 14 – Mariella Santiago – Ella (2014).
15 – Tom Zé – Vira Lata na Via Láctea (2014).
Os 15 Melhores CDs Nacionais:
1 – Mart’nália – Em Samba! Ao Vivo (2014). O teor desse novo disco da filha mais talentosa do Martinho da Vila é o samba. E samba de qualidade e tem até a participação do rapper paulistano Emicida na gravação ao vivo e às duas faixas-bônus do CD, gravadas em estúdio, a primeira é “Sinto-lhe dizer”, inédito samba-canção do Paulinho Moska, a outra é a faixa-bônus “Tem juízo”, um samba de Pedro Luís com Lula Queiroga. À vontade na casa da bamba Mart’nália, Emicida põe rap no samba “Chiclete com banana” (de Gordurinha e Almira Castilho, 1959) e dá seu toque social quando faz seu rap “Quero ver quarta-feira”, lançado há três anos em single gravado com a própria Mart’nália, pesando momentaneamente o clima descontraído. Esse disco é uma leveza do canto pop de Mart’nália que sempre foi o grande trunfo, que nunca primou pela técnica, mas que esbanja charme, personalidade e identidade vocal. Melhor disco de 2014!
Marjorie Estiano
2 – Marjorie Estiano – Oito (2014). Como atriz a Marjorie Estiano é uma chatice, mas como cantora ela é muito boa. E, agora, após sete anos de hiato, ela lança “Oito”, o terceiro disco de sua carreira, determinado a mostrar através de canções fortes a verdadeira identidade de Marjorie. Com oito de onze canções escritas por ela (*e ela compõe muito bem, vale dizer), o registro traz um tom mais sério e provocador que os anteriores e é mais bagunçado do que deveria ser para um trabalho que, segundo a própria, foi pensado com todo o cuidado e tempo. O disco mistura vários estilos e parece nunca deixar a gente provar muito de nenhum deles, passando para outra coisa bem rápido numa tentativa de mostrar versatilidade e riqueza. Destaque para “Donde estás e “E agora” (ambas com Gilberto Gil), “Luz do sol”, “Ta-hi” (conhecida na voz de Carmem Miranda) e “A não ser o perdão (com Mart’Nália).
3 – Lulu Santos – Luiz Maurício (2014). Esse é, sem dúvidas, o melhor álbum do Lulu desde “Assim Caminha a Humanidade” (1994), que nos brinca com sonoridade e as letras das canções – só 10 originais e mais dois remixes – bem contemporâneas, além da capa (que mostra Lulu aos oito anos ao lado da mãe, em frente à Casa Branca, em Washington, em 1958) e o título do CD que remetem ao passado. Luiz Maurício é também o nome de batismo do artista, utilizado em seu primeiro compacto solo, lançado em 1980 – e solenemente ignorado pelo público e crítica. “Eu me chamo Luiz Maurício/Mais conhecido como Lulu“, anuncia o tema de abertura, que aparece primeiro na versão remixada pelo DJ, produtor carioca e parceiro Marcello Mansur, o Memê, colaborador de trabalhos anteriores, como o dançante e campeão de vendas “Eu e Memê, Memê e Eu” (1995). O disco é massa!
4 – Marisa Monte – Extra, Solos & Parcerias (2014) 5 – Paula Toller – Translocada (2014) 6 – Adriana Calcanhoto – Olhos de Onda Ao Vivo (2014) 7 – Maria Rita – Coração a Batucar (2014) 8 – Onze.20 – A Nossa Barraca (2013) 9 – Paulinho Moska – Muito Pouco Para Todos Ao Vivo (2013). 10 – Rita Lee – Rita Lee Jones Série Grandes Nomes TV Globo (1983) 11 – Vanessa da Mata – Segue Som Sim (2014). 12 – Fernanda Takai – Na Medida do Impossível (2013). 13 – Rita Lee – Baila Comigo em Espanhol (1982) 14 – Vander Lee – Sambarroco (2014)
15 – Arnaldo Antunes – Disco (2013)
Os 15 Melhores CDs Internacionais:
1 – Madonna – Rebel Heart Demos (2014). Como todos já sabem, a indústria fonográfica voltou a ter conflitos com a pirataria com as músicas “demo” de Madonna que foram vazadas em diversos sites de compartilhamento e isso causou revolta por parte dos produtores, da artista e também da gravadora – se bem que ainda tenho minhas dívidas se tudo isso não tenha sido premeditado. O mais curioso é que o álbum ainda nem tinha sido anunciado oficialmente, pois isso só aconteceria no início de março de 2015. Até o momento os rumores mais contundentes são de que os nomes “Unapologetic Bitch” e “ICONIC” seriam as principais opções, mas ainda não se sabe qual a definição — sendo que pode ainda haver mais alterações. Agora vazaram todas(?) as 30 músicas do novo disco, Madonna resolveu lançar o álbum agora batizado como “Rebel Heart” no iTunes com o download de apenas seis faixas oficiais. De toda forma, esse foi um momento histórico na música pop, mostrando que as coisas estão realmente mudadas com relação produto-público. Madonna fez vários posts em seu Instagram sobre o tema: “Os verdadeiros rebeldes pensam por si mesmos. Os verdadeiros rebeldes respeitam a ARTE. Os verdadeiros rebeldes são rebeldes em seus corações”. Contudo, o produtor William Orbit escreveu em sua página no Facebook um comentário sobre os vazamentos, e em sua visão, deu a entender que foi ela mesma quem jogou isso na web além de estar usando para auto-promoção. Vazadas ou compradas, as músicas são boas, nada de excepcional em comparação a obra da artista, mas muito melhores do que as músicas lançadas nos três últimos discos (Saiba mais sobre esse disco aqui)
Annie Lennox – Nostalgia Collection Limited Edition
2 – Annie Lennox – Nostalgia Collection Limited Edition (2014). Essa menina se deu tão bem em sua carreira solo que muita gente já nem associa mais o seu nome ao Eurythmics, que a lançou para o estrelato nos anos 80 ao lado de Dave Stewart. Com sua presença imponente, voz marcante e um jeito tanto quanto teatral, ela conseguiu não apenas se manter em evidência por todos esses anos (“Medusa” ainda é o seu melhor disco), mas faturou diversos prêmios e se tornou sinônimo de música de qualidade. E usando tudo isso em seu favor – e beirando os 60 anos de idade – Lennox já não parece preocupada em criar, inovar ou arriscar. Seu anterior, de 2010, foi uma coleção de músicas natalinas. Agora, chega “Nostalgia” – um disco despretensioso, mas com uma qualidade sonoro inacreditável (clique aqui e leia a minha resenha). Desse modo, não vamos encontrar excentricidades moderninhas, apenas interpretações dedicadas e um instrumental singelo, quase sempre com o piano como condutor e a voz limpa da cantora entoando. As exceções são “I Put a Spell On You”, com um belíssimo solo de guitarra, e “Mood Indigo”, cheia de personalidade. Destaque para “Memphis In June”, de Nina Simone; “Georgia On My Mind”, de Ray Charles; “I Put a Spell On You”, do recém falecido Joe Cocker; “Summertime”, de Janis Joplin; “Strange Fruit”, de Billie Holiday – que foi uma das primeiras músicas contra o racismo; “I Can Dream, Can?t I?”, de The Carpenters; “The Nearness Of You”, de Rod Stewart, além de “Mood Indigo”, de Tony Bennett, que fazem parte do tracklist.
3 – U2 – Songs Of Innocence (2014). Este é o 13º álbum de inéditas e o primeiro lançamento dos irlandeses desde “No Line On The Horizon” (2009). Bono chegou a dizer que a banda tem feito “vários discos” nos últimos anos, mas nenhum que ele tenha sentido que valia a pena liberar, contudo, alguns desses vazados na rede. Mas agora que o novo trabalho finalmente viu a luz do dia, podemos tecer nossas primeiras impressões. m uma primeira impressão. “Songs Of Innocence” não é uma tentativa de criar uma grande obra-prima que vá redefinir a banda, mas sim, como o título sugere, reconectá-los com um elixir pop indescritível de energia juvenil e paixão. As letras de hoje refletem sobre o passado do grupo e do mundo, sobre as suas origens como banda e como indivíduos, o que é um território incomum para Bono e The Edge, que geralmente compõem com a cabeça voltada para o futuro. E para uma banda vanguardista como o U2 é curioso atestar que foi determinante olhar para o passado, para que, de alguma maneira, pudessem pavimentar a estrada para os próximos anos. Valeu a pena esperar por este álbum.
4 – Everything But The Girl – Amplified Heart (1994). 5 – Pet Shop Boys – Very Introspective, Actually – Tribute (2007). 6 – Coldplay – Ghost Stories Deluxe Edition (2014). 7 – Sade – Soldier Of Love Remixes (2013). 8 – Andrew Strong – The Commitments Years And Beyond (2014). 9 – Anthony Callea – Ladies And Gentlemen: The Songs Of George Michael Tribute (2014) 10 – Cyndi Lauper – Festival JazzALDia Live (2012). 11 – Michael Jackson – Xscape (2013). 12 – Queen – The Singles 06CDs (2014). 13 – R.E.M. – Cista Energija Glasbe Tribute (2013). 14 – Carla Bruni – A L’Olympia Live (2014).
15 – Aretha Franklin – Sings The Great Diva Classics (2014).
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colunista do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina