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Letras Irreverentes: Décadence avec Élégance

Coluna de Helena Prado sobre tudo que o universo pode oferecer; um espaço para contos, crônicas, textos, relatos…

Décadence avec Élégance

Irene nunca vai conseguir superar a debacle da sua vida. Ela mesma falava furiosa. Nem Irineu, tampouco. Foi ele que recebeu a informação privilegiada que as ações da Petrobras iriam disparar, antes do aviso formal da descoberta do ouro negro no pré-sal. Acreditaram, então, que investir na Petrobras era o lance da hora.

Também baseados em Warren Buffett, o bacana americano que revelou ao mercado internacional, e, em carta aos acionistas  da Berkshire Hathaway, que seu único investimento em moeda estrangeira, naquele ano de 2007, foi, para espanto de muitos, a moeda brasileira, Irineu e Irene resolveram também investir nas ações da Petrobras. Queriam fazer crescer seu dinheiro. Se o gringo pôde lucrar,  por que Irene e o inteligente Irineu não teriam sucesso?

Somente tempos depois de sua ruína, ocorrida em 2014, o casal se deu conta de que o mercado é para gigantes. Furiosos com a perda, eles foram pesquisar, e descobriram que só em 2007 o dólar tinha recuado 17,3% em relação ao real. Com esse investimento, Warren, o americano maldito, conseguiu um lucro de 2,3 bilhões de dólares..

Lógico que não se comparavam ao americano. Mas por que Irene e Irineu não desconfiaram da agora dilapidada Petrobras, a estatal mais valiosa do Brasil, tomada de assalto pelos piores políticos existentes no país, os petistas? Por que não mudaram de investimento? Culpavam-se.

Quando da descoberta de petróleo no pré-sal, o nefasto presidente ridículo fantasiou-se de peão vestindo um macacão laranja e exibindo as mãos sujas de petróleo, para o mundo ver. E berrando como se estivesse num palanque, sua preferência, ele anunciou que o Brasil seria autossuficiente em petróleo em pouco tempo. E aproveitou a deixa, patético, para exercer a função de garoto-propaganda da estatal.

Amadores e muito crédulos, o casal viu ruir seu castelo.  Até no Financial Times, jornal de negócios inglês, saiu no início de 2015 a seguinte manchete: “Corrupção na Petrobras traz caos para o Brasil e ameaça derrubar governo.”

Que ódio, estrebuchou Irene! Arrasado ficou o obstinado Irineu.

Mas a vida tinha de correr normalmente, ou seja, o casal desfazendo-se  de alguns bens e Irineu trabalhando duro.

E Irene voltando a ser “do lar”, situação que a humilhava e que ela sempre detestou. Uma faca no seu coração. E uma injustiça para o comedido Irineu.

Décadence avec Élégance

Foi aí que Irene teve uma ideia: não deixaria de frequentar seu cabeleireiro, tampouco se trancaria em casa.

Turbinada, arrumou-se e saiu de casa para ir às compras. Excitada, entrou numa loja da Oscar Freire, berço do consumismo e das socialites, que ela já conhecia e era conhecida. Experimentou várias peças, escolheu outras. E, devagarinho, foi embolsando literalmente algumas das roupas que mais gostou.

Chegou em casa e enfurnou tudo para que Irineu não visse. Mas se sentiu tão bem, tão bem, que parecia que seu cérebro tinha sido regado com litros de endorfinas. E nos dias que seguiram, ela fazia o mesmo percurso e da mesma maneira. Só mudava de loja. E foi furtando, com a cara mais santa, tudo o que podia. E queria.

Furtou tanto que um dia Irineu descobriu. Deu-lhe uma bronca horrorosa. Só faltou pegá-la pelas mãos e levá-la de loja em loja, para se apresentar e devolver os frutos dos seus furtos. Uma questão de posicionamento de vogal e consoante, pensou ela. Grande coisa!

Passado um tempo, Irene começou a achar seus furtos sacal demais. Precisava de mais endorfinas e mais brilho, clamava seu cérebro.

Shoppings lhe davam medo. Se por ventura a pegassem, ela não teria saída. Mas, mesmo assim, foi ao Iguatemy. Circulou por todos os andares. Entrou em várias lojas. Mas nada de sentir aquela explosão de alegria interior que ocorria sempre que afanava.

De repente, ficou paralisada. Feliz. Estava diante de uma joalheria. E quis, a partir de então, ter as mais belas joias que via extasiada. Irene começou passando a mão em peças menores. Já com prática, afanava peças maravilhosas. Entre uma e outra bandeja de joias que a vendedora lhe trazia, ela passava a mão na joia que queria, e punha no lugar vazio, uma bijuteria vagabunda.  E saía  maravilhada e com aquela sensação de poder surrupiar tudo que queria. Ainda mais em São Paulo onde existem milhares de shoppings e centros de compra, pensava. Se fosse o caso, urdia também viajar para roubar. Por que não?

Décadence avec Élégance

Irineu, indignado e horrorizado com o comportamento tresloucado de Irene, pirou. Quando abriu seu armário e respectivas gavetas, quis morrer de desgosto, ou ao menos devolvê-la a seus pais. Só não podia dedurá-la. Afinal, ela era sua mulher.

Internou Irene à força numa clínica psiquiátrica. Que iria pagar com o dinheiro dela. Filho da puta, Irene urrava e esperneava! Mas Irineu, embora muito calmo e sensato, era forte. E carregou Irene no colo, amarrou-a no carro e levou-a na marra.

E foi lá, internada havia 30 e poucos dias, que Irene conheceu o novo psiquiatra que cuidaria dela. Interessante, pensou ela. Gostosa, pensou ele.

Passado um bom tempo de tratamento, um dia ela lhe confessou: sua vontade de surrupiar era o seu grande tesão, sua missão nesta vida. Contou-lhe tão entusiasmada que seu olhar se modificou e voltar a brilhar, doidona.

Fernando, o psiquiatra-interessante, passou a ficar meio perturbado com a vida aventureira que sua paciente levara até a internação. E indagou várias vezes sobre a sensação que causava a ela. Ela lhe dizia todas as vezes sem pestanejar e de chofre: Fernando, nasci para roubar. É tudo “tranquilex” e, depois de roubar, sinto uma explosão interior maravilhosa, um desbunde, que me enche de prazer. Adoro, complementou! E seu cérebro agradece, analisou Fernando.

O interessante ficava cada dia mais intrigado. Era seu primeiro caso de cleptomania. Atiçava-o, reconhecia.

Décadence avec Élégance

Seis meses depois, passou a mão em Irene e a tirou de lá, levando-a ao seu apartamento nos Jardins. Irene revirou os olhos de prazer. Saudades das lojas da Oscar Freire, e muita atração por Fernando!

A dupla estava feita e coesa. Irene voltou a afanar. Agora junto com Fernando. Nem precisou convencê-lo. Ele achou que a vida dele, que era cuidar de malucos sem graça, parvos e viciados, ou de pessoas depressivas era de uma mediocridade infame; e a dela, que era ser dona de casa, era uma desgraça.

Agora não. Agora era uma vida eletrizante que ambos levavam e curtiam intensamente.

Irene, feliz, nem falava mais das ações da Petrobras. Irineu, abestalhado, ficou vivendo de seu trabalho honrado e honesto. Mas muito infeliz.

Enquanto isso, na casa de Irene, ouvia-se a quarteirões de distância:

“Na casa de Irene se canta, se ri

tem gente que vem, tem gente que vai….”

Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena e escreverei aqui às quartas-feiras.

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