Agnes Varda
Festival Internacional de Cinema: Em sua oitava edição, evento reúne uma seleção representativa de mulheres cineastas em todas as suas mostras; de Agnès Varda a Barbara Hammer, passando pela baiana Letícia Simões, a diversidade é a marca dos trabalhos dessas realizadoras
O vigor e a inventividade femininos marcam presença em todas as mostras que compõem o Festival Internacional de Cinema “Olhar de Cinema” – Festival Internacional de Curitiba 2019. Não é, exatamente, uma novidade na trajetória do evento, que chega a sua oitava edição e volta a reunir na capital paranaense, de 5 a 13 de junho, uma estimulante seleção de filmes de diferentes épocas, formatos e países.
Mas, desta vez, ganha ainda mais relevo a presença de obras de mulheres cineastas. Temos, por exemplo, homenagens às francófonas seminais Agnès Varda, recentemente falecida e um dos faróis da Nouvelle Vague, e Germaine Dulac, surrealista pioneira. Na programação constam as exibições de “Os Renegados” (Sans toit ni loi), filmado por Varda em 1985; além de um programa dedicado à Dullac com três filmes: “Celles qui s’en font” (1928), “La cigarette” (1919) e “Danses espagnoles” (1928).
Outros destaques nas sessões retrospectivas são as diretoras Barbara Hammer e Julie Dash, duas figuras incontornáveis do cinema independente e transgressor norte-americano, cujas obras são reverenciadas, primeiro num diálogo com filmes contemporâneos (a curadoria do Festival agrupou dois curtas referenciais de Hammer, “Dyketactics” e “Força Dupla”, a produções de realizadoras como Deborah Stratman e as brasileiras Érica Sarmet, Clarissa Ribeiro e Barbara Cabeça) e, depois, com o resgate de “As Filhas do Pó”(1991), de Dash; uma das obras-primas do chamado “L.A Rebellion”, movimento do cinema negro produzido de maneira combativa e livre em Los Angeles, logo ali, às margens do coração de Hollywood.
Conhecendo o Grande e Vasto Mundo
Também lembrada na Mostra “Olhares Clássicos”, a russo-ucraniana Kira Muratova (1934-2018) vai ter seu primeiro filme a cores projetado em cópia restaurada no certame curitibano. “Conhecendo o grande e vasto mundo” (1978) é prova do lirismo épico da cineasta, cuja poética inquieta continua a reconfigurar a natureza sensorial do cinema em cada gesto de desbravamento da paisagem humana e natural vigente na sua filmografia.
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A realizadora chilena Camila José Donoso é mais uma das apostas do Festival. Pouco conhecida no País, Camila vai estar presente no “Olhar” para participar de debates, após as sessões, e ministrar uma conversa aberta ao público, na qual ela vai acompanhar a exibição de curtas-metragens de diferentes momentos de sua carreira e comentar os seus processos criativos. Essa aula está conectada à outra frente de atuação da diretora, que é o ensino: a cineasta é uma das responsáveis pela Escola de Cinema Experimental Transfrontera, em Arica, no Chile. Por fim, além dos longas dirigidos pela chilena, a mostra “Foco 2019” propõe conexões entre seus trabalhos e os de artistas de diferentes nacionalidades que, de alguma maneira, a influenciaram.
Ilha, de Glenda Nicacio e Ary Rosa
Baianos
Único longa-metragem baiano no Festival, “Ilha” (2018), atração no segmento “Olhares Brasil”, segue a tendência em reconhecer a participação crescente da mulher no audiovisual. O filme é dirigido pela mineira Glenda Nicácio, em parceria com Ary Rosa – ambos radicados no Recôncavo da Bahia. Premiado em Brasília (melhor ator, Aldri Anunciação; e roteiro), a obra da dupla passou por Tiradentes e agora estreia no sul do País, com sua trama metalinguística: um jovem da periferia que quer fazer um filme sobre sua história, sequestra um cineasta e os dois iniciam um jogo algo teatral de desfecho imprevisível.
Já na mostra competitiva, a soteropolitana Letícia Simões retorna com “Casa” – ano passado trouxe “O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva”, documentário sobre o poeta e romancista paraense Dalcídio Jurandir. No novo filme, Letícia aborda sua relação com a mãe através da mediação memorialista e imagética. Mestre em Filme-ensaio pela EICTV (Cuba) e em Estudos Contemporâneos da Arte pela UFF (RJ), poetisa, ela está em seu território.
A argentina Romina Paula, com “De Novo Outra vez”, e as brasileiras Camila Freitas (“Chão”) e Maíra Bühler (“Diz a ela que me viu chorar”) completam a presença feminina na Competição.
Entre os curtas-metragens, mais uma produção baiana em cartaz no “Olhar 2019”: “Um ensaio sobre a ausência”, de David Aynan, acompanha o cotidiano de um homem sem emprego e perspectivas e sua frágil ligação com as filhas.
Filhas do Po
Raúl Ruiz e exílio
Inédita no Brasil, a retrospectiva dedicada ao cineasta chileno Raúl Ruiz desponta como um dos tesouros da programação do evento. Exilado na França, após o golpe militar que assassinou o presidente Salvador Allende, Ruiz é autor de numerosa e instigante obra. Aqui, o recorte proposto pelo evento é bastante oportuno: Diálogos no Exílio. Oportunidade para descobrir ainda filmes de cineastas brasileiros realizados no exterior, como “O Leão de Sete Cabeças”, incursão africana de Glauber Rocha; e “Memórias de um Estrangulador de Loiras”, que Júlio Bressane rodou em Londres. Ao lado de raridades como “Três Tristes Tigres”, “As três coroas do Marinheiro” e “A Vocação Suspensa”, todos de Ruiz, constituem um dos mais fascinantes itinerários cinematográficos que se possa percorrer, da revolução utópica ao desencanto.