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Por que eu, hétero, me importo com a LGBTfobia?

Coluna de Pedro Del Mar sobre comportamento, cultura e muitos outros assuntos

Por que eu, hétero, me importo com a LGBTfobia?

“Ser contra a homofobia, logo, antes de qualquer outra coisa, significa repensar a si próprio, fazer mea-culpa, reconhecer nossos privilégios e pedir desculpas”

Não raramente, ou, ao menos, não tão raro quanto o mito da conciliação civilizatória brasileira nos faz acreditar, me vi diante da seguinte confrontação: “por que tu te dedicas tanto a falar sobre sexualidade e homofobia?”. A indagação parte, quase sempre, de amigos, pessoas queridas e a que fazem sem maldade. A motivação, por sua vez, me pareceu clara: “por que alguém se preocupa com uma questão que não lhe atinge?”. A resposta me veio também de forma bastante límpida: é uma questão de alteridade e solidariedade, não preciso sofrer na pele para tomar posição x ou y e para saber se uma causa é ou não justa.

Embora contundente, a resposta acima não me parecia suficiente, faltava algo. Não é só por alteridade e solidariedade que um homem, hétero, se incomoda e brada contra a homofobia. É preciso mais. É preciso MEDO. Essa é a chave da questão.

Todas as vezes que me deparo com dolorosas e reincidentes notícias de ataques a população LGBTT, eu temo. Temo por vidas que ainda nem se concretizaram, como a dos meus futuros filhxs, temo por amigxs, vizinhxs, desconhecidxs. Temo por ver ameaçado um projeto de civilização baseado no respeito e tolerância que parece sucumbir rapidamente perante ideias e ações truculentas e totalitárias. E isso é, de fato, assustador.

Se eu, um heterossexual que nunca sofreu com a cotidiana e cruel discriminação, me sinto ameaçado e amedrontado, imaginem o que sentem as reais vítimas da intolerância? E se apenas imaginando eu já tenho meu estômago embrulhado e minhas entranhas corroendo em indignação, o que mais é preciso para lutar contra a homofobia e suas consequências? Vos digo: sair da zona de conforto.

Tomar posições, optar por um lado, sair de cima do muro, nunca foi uma atitude fácil. Escolher significa também perder. Quando opto por algo, abro mão de alguma outra coisa. Lutar contra uma cultura que diminui, menospreza e vitima LGBTT’s, significa deixar de lado hábitos que, por vezes, carregamos desde a infância e achávamos inofensivos. Significa repensar e problematizar modelos, tradições, ideias e ações que sempre nos pareceram corretas. Significa, por exemplo, não compactuar com as piadas homofóbicas dos amigos, por mais inócuas que elas possam parecer e ainda que eles digam “para de ser chato cara, é só uma piada”. Porque não, não é só uma piada. Significa não fazer coro a torcida do seu time quando ela chama o goleiro do time adversário de “bicha”. Significa não transformar a montagem de um travesti ou os trejeitos de um amigo gay em algo jocoso. Significa não olhar de canto de olho e cutucar o amigo quando um casal gay demonstra afeto em um local público.

Parem de nos Matar

Ser contra a homofobia, logo, antes de qualquer outra coisa, significa repensar a si próprio, fazer mea-culpa, reconhecer nossos privilégios e pedir desculpas. Eu, enquanto homem, hétero e branco, sei que ainda reproduzo a homofobia, o racismo e o machismo no meu dia a dia, ainda que sem querer. Reproduzo porque assim fui educado, não necessariamente por meus pais, mas por todo o conjunto social onde um indivíduo está inserido. Reproduzo porque fui e continuo a ser bombardeado pela TV, pelas pessoas que me rodeiam e pela publicidade, com ideias que me dizem que a mulher, o negro e o gay são, de alguma forma, inferiores a mim. Livrar-se desse conjunto ideológico não é fácil, não se dá do dia para a noite, é trabalhoso e requer constante policiamento.

Mas, se tudo isso te parecer balela, papo furado, coisa da “ditadura do politicamente correto”, se a sensibilidade das palavras e a força do discurso não te convenceram da letalidade dos pequenos e enraizados atos que constroem uma sociedade homofóbica, te deixo com a frieza e objetividade dos números:

– Segundo estatísticas do GGB – Grupo Gay da Bahia, 318 LGBT’s foram assassinados no Brasil em 2015, uma média de 1 assassinato a cada 27 horas. Destes, 52% eram gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais. Deste total de mortos, 7% são heterossexuais confundidos com gays.

Estes números gélidos representam vidas calorosas que se foram porque ousaram não sucumbir ao padrão heteronormativo. Vidas calorosas ceifadas não só por quem os espancou, esfaqueou ou os alvejou. Ceifadas também por nós, sim, por todos nós que ainda insistimos em levar adiante essa porca intolerância travestida de piada e/ou opinião.

Há sangue em nossas atitudes, há dor em nossas palavras, há culpa em nossas consciências.

Escrevo estas linhas tocado pelo brutal assassinato de Leonardo Moura, estudante baiano que foi espancado na saída de uma boate gay, em Salvador, na madrugada do último sábado, 09/07. Nada lhe foi roubado, nem carteira, nem relógio, nem documentos. Nada lhe foi roubado, senão a sua liberdade de ser quem ele queria ser. Nada lhe foi roubado, senão a sua vida. A vida de um gay que tanto parece incomodar. Como bem disse um rapaz gay em um destes tantos textos que se perdem na internet: “basta existir que já acham que você é demais”.

Na próxima sexta-feira, 15/07, haverá uma grande mobilização contra a LGBTFobia em Salvador. O ato será as 18 hrs, em frente a boate San Sebastian, no bairro do Rio Vermelho.

Pedro Del Mar  baiano, 25 anos, repórter e colunista. Um curioso nato que procura enxergar o mundo sem as velhas e arranhadas lentes do estabilshment. Acredita que para todo padrão comportamental há interessantes exceções que podem render boas histórias.

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