Florence + Machine How Big, How Blue, How Beautiful
Novo álbum do projeto encabeçado por Florence Welch traz nas letras e melodias toda uma atmosfera de renascer depois da morte
Por Luis Fernando Pereira
Deve ser bem difícil entender como funciona o processo criativo pelo qual passa um artista. Um grande artista, ao menos. Perceber qual o combustível que o alimenta diariamente, o que o inspira, qual o elemento pessoal que consegue ser transformado em boas letras e transportado para boas melodias. Com Florence Welch, nome por trás do projeto Florence + Machine não deve ser distinto. Diferenciada dos demais, Florence sempre pareceu ser alguém com uma sensibilidade aflorada, com uma percepção de mundo e de seu lugar no mundo bastante acurado.
O seu mais recente trabalho, o tocante How Big, How Blue, How Beautiful só reafirma esta ideia. Nele estão contidos possivelmente todos os traumas pelos quais a cantora inglesa passou nestes últimos anos. E não foram poucos. Segundo a própria artista, podemos colocar no balaio de experiências dela um término de relação muito conturbado, e o seu desequilíbrio no consumo de álcool. Essa relação quase sempre é pesada, destrutiva mesmo, e o caso de Florence seguiu a regra, a triste regra que impera nas relações humanas.
Porém, o mais engrandecedor de tudo isso é quando você consegue dar a volta por cima e transforma toda essa dor em algo dignificante, algo com um poder tamanho, que certamente ajudará muitos e muitos outros a saírem de situações parecidas.
Florence conseguiu isso com seu novo álbum. Ele dói numa primeira audição. Machuca. As letras trazem cicatrizes desta fase, que a partir de agora não é somente dela, é de todos nós. Esse momento de entrega deve ter sido catártico para a artista; aquele instante onde você está prestes a entregar ao mundo algo tão marcante e pessoal para a sua vida. É só pegar os primeiros versos da primeira canção, Ship To Wreck, para entender um pouco isso,
“Don’t touch the sleeping pills, They mess with my head”
(Algo do tipo: Não toque nos comprimidos de dormir, Eles mexem com minha cabeça).
Ship To Wreck por sinal abre o álbum de forma perfeita; sua voz continua endeusadora, os sentimentos que ela consegue carregar em sua voz de fato impressionam. A música é forte, mas consegue nos fazer pular e cantar em uníssono. É possível hit, com merecimento.
Da segunda canção, a bela e soturna What Kind Of Man, temos esta estrofe,
“Was on a heavy tip, Tryna cross a canyon with a broken limb” (Eu estava do lado mais pesado, tentando cruzar um canhão com um galho quebrado).
A terceira, que dá título ao trabalho, How Big, How Blue, How Beautiful é uma representação bem perfeita do momento vívido pela artista: uma experiência amarga, dolorida, mas que serviu como uma espécie de jornada do herói, no caso aqui, da heroína. É bem provável que o álbum funcione para Florence como uma jornada de autoconhecimento para sua vida.
O álbum como um todo funciona muito bem, talvez até melhor que os primeiros trabalhos, que trazia no DNA aquela atmosfera de novidade que hoje em dia não existe mais, pois já sabemos o que esperar dela. Ainda assim, canções como Queen Of Peace, Various Storms & Saints e Delilah conseguem o equilibrio entre poder melódico diferenciado e poder comercial. Suas músicas podem ser colocadas em qualquer rádio mundo afora que escutar certamente vai gostar e cantarolar algo, mesmo não entendendo suas letras.
Em Long & Lost Florence novamente potencializa todos demônios que teve que expurgar nestes anos,
“Lost in the fog, these hollow hills, Blood running hot, night chills, Without your love I’ll be,So long and lost, are you missing me?”
“Perdida no nevoeiro, esses montes vazios, Sangue fervendo, calafrios noturnos, Sem seu amor ficarei, Sem seu amor eu vou ser”
How Big, How Blue, How Beautiful chega ao mercado prometendo conquistar novamente o topo de vendagens, pois Florence como poucas consegue proporcionar uma experiência sonora no seu público absolutamente agradável. Sua voz é bela, suas letras são tocantes e a união destes elementos cria algo que alguns podem até chamar de boa música. Eu chamo de dádiva sonora.
Florence é um presente aos ouvidos e ao coração.
Vídeo de How Big, How Blue, How Beautiful
Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site