Crítica

Crítica: A Noite do Jogo, comédia que estreia esta semana

A Noite do Jogo

A Noite do Jogo: Dirigido por John Francis Daley e Jonathan Goldstein. Roteirizado por Mark Perez. Elenco: Jason Bateman, Rachel McAdams, Billy Magnussen, Sharon Horgan, Lamorne Morris, Kylie Bunbury, Jesse Plemons, Michael C. Hall, Kyle Chandler. 

Por Gabriella Tomasi

O gênero da comédia norte-americana é um gênero que, assim como o terror, já praticamente esgotou suas mais diversas fórmulas pastelões e narrativas previsíveis, cujos desfechos já são possíveis deduzir antes mesmo dos créditos iniciais aparecerem em tela. O rol de piadas, por sua vez, é cada vez mais preocupante, eis que até mesmo os comediantes stand-up apostam em performances apelativas recheadas de palavrões e referências sexuais que cansam.

Esclareço que esses recursos não são necessariamente pontos negativos, pois como sabemos, Charles Chaplin fora um ator/diretor/roteirista que baseava suas histórias em espalhafatosos momentos para provocar o humor no espectador, e, ainda, podemos identificar piadas conotativas de sexualidade em A Levada da Breca (1938), por exemplo. No entanto, a diferença sempre vai residir na forma como ela é empregada e inserida no roteiro e também como ela agrega à sua história e narrativa. Nos últimos anos, ela vem sendo trabalhada em sua maioria puramente de forma gratuita e muitas vezes ofensiva resultando em desastres cinematográficos como A Última Ressaca do Ano (2017) e Tinha Que Ser Ele? (2017). Assim sendo, foi um colírio para os olhos assistir a estréia de uma comédia como A Noite do Jogo, a qual retoma essas comédias inteligentes, divertidas e leves.

Na trama, Max (Bateman) e Annie (McAdams) se conhecem e se apaixonam, sendo evidente para o espectador nos primeiros minutos o quanto são competitivos nas mais variadas atividades lúdicas e tradicionais como mímicas, jogo de perguntas e respostas, etc, levando suas partidas muito a sério, sendo um fator inclusive decisivo para uma aproximação e para o pedido de casamento. Certo dia, em mais uma típica noite com os amigos mais próximos, surge o irmão de Max, Brooks (Chandler) que os desafia para uma brincadeira de detetive que supostamente seria muito real e com atores envolvidos. Ocorre que, quando ele é sequestrado de verdade, o grupo de amigos acredita que isso faz parte da encenação, sem saber do perigo a que se submetem.

Essa mistura do que é real e ficcional para o próprio mundo diegético dos personagens é algo que acompanha toda a narrativa e é habilmente conduzida pelos diretores Daley e Goldstein, os quais criam, com esta abordagem, momentos cômicos eficientes nos timings certos como a reação do grupo com a entrada dos verdadeiros capangas na casa de Brooks, uma dança divertida de Annie com uma arma de verdade (que ela pensa ser de mentira) ou feridas falsas em certos personagens criam plot twists inteligentes. Aliás, é possível também auferir algum tipo de fantasia na mente dos personagens em torno da percepção que possuem do estranho vizinho Gary (Plemons) criando situações hilárias, na medida em que ele é apresentado como alguém misterioso e possivelmente um psicopata para então posteriormente desmitificar nossos preconceitos do convívio em sociedade.

Em outro aspecto, a linguagem de jogos é muito bem aproveitada tal como se sugere pelo seu título e é incorporada à narrativa como um recurso metalinguístico, dando a impressão de que o filme todo é por si só um jogo. Os cineastas se apropriam então disso ora para realizar a transição entre as cenas com establishing shots, ou raccords, ou comunicação por sinais em momentos de perigo, ou até mesmo em referências da cultura pop como Lego, Pac-Man e os clássicos da sétima arte Pulp-Fiction (1994), De Olhos Bem Fechados (1999), Busca Implacável (2008), O Homem de Ferro (2008) e O Sexto Sentido (1999), entre outros. A título de exemplo, reparem em determinado (e maravilhoso) momento em que não somente se faz referência ao longa Clube da Luta (1999), mas também em seguida toda aquela situação de violência é transformada em um jogo de “batata quente” filmado em plano-sequencia para tentar capturar um ovo de decoração muito valioso (objeto este que representa um McGuffin, por sinal).

Mas o centro narrativo se torna ainda mais interessante quando se analisa as interações particulares entre os casais do típico subúrbio norte-americano aqui retratado. Annie e Max lidam com a rivalidade e o impacto que Brooks possui em suas vidas, principalmente quando este interfere nos planos do casal engravidar; Ryan (Magnussen) como o típico garanhão de “loiras burras” acaba se encontrando no próprio estereótipo quando convida sua inteligentíssima colega de trabalho, a irlandesa Sarah (Horgan) e, ainda, os efeitos de um relacionamento longo desde a adolescência entre Kevin (Morris) e Michelle (Bunbury) no que diz respeito à “infidelidade” e aventuras românticas durante um breve período de solteirice – e todos eles estão tão envolvidos em seus dramas pessoais que ao longo da narrativa são forçados a enfrentarem seus conflitos. Neste contexto, o longa se torna uma jornada de confissões pessoais.

A Noite do Jogo, portanto, se resume em um descontraído, criativo e perspicaz filme que merece ser prestigiado.

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