Cinema

O Seminarista: filme baiano atualiza e traz nova roupagem para romance de Bernardo Guimarães

O Seminarista


Filme foi gravado em cidades da Chapada Diamantina, na Bahia; este é o segundo longa-metragem do cineasta Mauricio Amorim

Por Luis Fernando Pereira  

Esta semana estreou na Sala Walter da Silveira, reduto cinéfilo da capital baiana, o mais novo trabalho do cineasta Mauricio Amorim, O Seminarista, adaptado do romance de mesmo nome do escritor Bernardo Guimarães. Mauricio já havia dirigido O Enfermeiro, também uma adaptação literária, mas se comparado com o trabalho de estreia, O Seminarista acaba sendo uma boa evolução em sua filmografia.

O filme, que teve como ambientação algumas cidades da região da Chapada Diamantina, na Bahia, ganhou muito em plasticidade por esta escolha. Uma região que é das mais bonitas do mundo acabou sendo um prato cheio para tomadas abertas e mais gerais da área. Assim, é mais que evidente que o trabalho de fotografia em um filme desses acaba prevalecendo.

Triângulo amoroso?
A história flerta bastante com o clássico romance. Temos Eugênio, interpretado por Ítalo Bruno, que é mandado pela sua mãe, Dona Lourdes, vivida pela atriz baiana Angel Marques, para o seminário, como forma de pagar uma promessa. Ao tempo em que ele é levado ao seminário, com sua vida direcionada à religião, o amor por Margarida (Erica Souza) cresce e os dois tornam-se amantes, no sentido etimológico da palavra. O dilema entre amor e religião tem ainda outro elemento chave: o vilão Luciano, interpretado por Bruno Neves, que nutre interesse amoroso por Margarida.

Este é o núcleo central do filme, esse embate entre escolher o amor de sua vida ou decidir levar à frente a promessa de sua mãe, que segundo ela, foi o motivo do pai de Eugênio não ter morrido.

Ao longo do filme o espectador vê essa relação de Eugênio com Margarida se intensificar, ao mesmo tempo em que o fascínio de Luciano por Margarida cresce. Fica claro, mesmo para quem não teve acesso ao romance, que alguém sairia prejudicado nesta relação tripla.

Simultâneo à relação de amor vivido por Eugênio e Margarida, vemos também a jornada religiosa dele no seminário. Neste núcleo temos alguns dos maiores destaques do filme: o Padre Norberto (Fernando Neves) e o Padre Gusmão (Edson Cardoso). A suas cenas são as que mais conseguem adentrar na carga dramática que a história carrega.

Inexperiência
Os protagonistas, Ítalo e Erica, filmaram O Seminarista sem grandes experiências no trabalho de atuação, e isso fica visível. Se a ideia era dar um tom de ‘não atuação’, prática que muitos diretores aderem no cinema atual, então Mauricio Amorim foi bem sucedido, pois de fato ambos deixam transpassar toda a falta de experiência em trabalhos de interpretação.

Em contrapartida, vemos em personagens como o de Angel Marques e o de Cristiane Lacerda (a mãe de Margarida), interpretações que levam ao filme a carga dramática que a história de Bernardo Guimarães exige. A relação desenvolvida entre as mães dos protagonistas é forte, densa, tensa, e cheio de significados. Temos uma fervorosa mulher, mãe religiosa, conservadora e de personalidade forte (Lourdes) e o oposto (Umbelina). Esse antagonismo acaba proporcionando grandes cenas de ambas.

Outro nome que impressiona é o de Bruno Neves, que vem desde o trabalho anterior de Mauricio (O Enfermeiro), mostrando que tem talento suficiente para encabeçar filmes e peças de teatro pelo estado e até mesmo fora.

O roteiro, que no geral é redondo, acaba cansando por apresentar muitas sequências contemplativas, com o intuito principalmente de mostrar as paisagens belíssimas que ambientam a trama. Se o processo de montagem fosse mais ágil, cortando alguns bons minutos de cenas um tanto irrelevantes, o filme teria como resultado final uma experiência ainda melhor para o espectador. Mas ainda assim, deve-se ao menos elogiar a corajosa escolha de bancar um filme de duas horas, mesmo sabendo que o mercado exibidor de filmes no Brasil rejeita ferozmente esta duração (somente em filmes já estabelecidos, e olhe lá).

Com um trabalho de fotografia contemplativo, O Seminarista consegue deixar de boca aberta qualquer pessoa, pois algumas sequências são extremamente belas, mesmo que pensando na trama não tenham função alguma.

A trilha sonora, trabalho de três músicos baianos (Anael Moreira, Tiago Góes e Ricardo Caldas) impulsiona o filme de tal forma que é impossível pensar no sucesso do projeto sem associar ao trabalho de construção sonora da história.

O Seminarista no fim das contas é um trabalho corajoso de cinema de baixo custo. Se acreditamos ser difícil produzir um bom filme com 1 ou 2 milhões de reais, então imagina só fazer um projeto como este com quase nada. Mas quase nada mesmo. Produções como esta são necessárias para o cinema de uma cidade, de um estado e não somente por apresentar atores novos e menos vistos no mainstream, mas principalmente por ajudar a construir um legado de cinema na Bahia.

Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site

Shares: