Literatura

Crônica: o Movimento Negro carece de espelho no combate da sua própria intolerância

Martin Luther King

“Quando o oprimido fala o opressor cala a boca!” (frase usada por uma manifestante do Movimento Negro que invadiu uma sala na USP)

Por Elenilson Nascimento

De Zumbi à Obama. De Luther King à Machado de Assis. De Bob Marley à Jesse Owens. De Mandela à Rosa Parks. De Muhammad Ali à Zumbi. De Lenny Kravitz à Raul Pompéia. De Marvin Gaye à Assis Valente. De Barry White à Pixinguinha. De Elisa Lucinda à Diana Ross. De Jimi Hendrix à Cartola. De James Brown à Paulo Lins. De Martinho da Villa à Lelo Filho. De James Baldwin à Condoleezza Rice. De Joaquim Barbosa à Pelé. Não, Pelé jamais entraria nessa lista, Pelé não é mais referência de nada, pelo menos pra mim, onde negros que sempre tiveram o que dizer, lutaram e ainda lutam por uma igualdade conquistada por qualquer etnia nessa sociedade doente.

Engajamento cotidiano é indispensável para combater a discriminação, afirmam alguns militantes dos ditos movimentos negros – baseados na mobilização do povo negro que se deu um ano após a abolição da escravatura, lá em 1888 (*assistam os filmes “Selma” (2014), “12 Anos de Escravidão” (2013), “Histórias Cruzadas” (2012), “Quanto Vale Ou É Por Quilo?” (2005), “A Negação do Brasil” (2001), “Amistad” (1998) e “Faça a Coisa Certa” (1989).

Contudo, muito antes dos financiamentos de algumas dessas entidades raciais com placas em suas portas, correntes em suas cabeças e discursos retrógrados, os movimentos negros eram clandestinos e tinham como principal objetivo libertar, educar e conscientizar os negros, como as revoltas que aconteciam e a fuga para os quilombos. Mas hoje em dia os quilombos são outros: a internet.

Os movimentos sociais sempre tiveram o objetivo de conscientizar para a complexidade da construção da cidadania nessa sociedade contemporânea, excludente e narcisista. Por isso, duas questões serão muito importantes, mas muito pouco debatidas: a diferença e a igualdade. Por isso que gente doente como o Edir Macedo anda afirmando que não é recomendado casamentos de pessoas de “raças diferentes”, pois seria o mesmo que colocar o David Brasil para interpretar o papel de Mr. Catra no cinema. Ou o Lázaro Ramos cantando música gospel. Se bem que ainda acho que ele faria bem esse papel.

Movimento Negro

Por outro lado, uma vez que a ideia de cidadania moderna supõe a igualdade de todos, a diferença acaba aparecendo como um problema toda vez que ela é usada para hierarquizar um determinado grupo como inferior, isto é, a diferença é que está no centro do preconceito de raça, de credo, ou de orientação sexual. E foi exatamente isso o que aconteceu, semanas atrás, quando militantes do Movimento Negro invadiram uma aula na USP para propor “debate”, recusando-se a sair, mandando alunos calarem a boca e ainda intimidando uma professora, chamando-a de racista.

É pertinente aqui fazer mais algumas ponderações, por que todas as notícias que falam sobre cotas raciais, políticas públicas, não dizem respeito somente ao povo negro, pois esse já é, na teoria, vitimizados por esse sistema, e não pode mais fica calado diante dos problemas sociais que assolam a sociedade. Sou totalmente contra as cotas raciais nas faculdades, mas sou simpatizante de qualquer tipo de reparação com relação aos alunos que ralam durante anos e não conseguem entrar porque a exclusão sempre bate a porta de quem não tem a informação e de quem tem a cor da pele preta. Mas é extremamente LAMENTÁVEL esse tipo de argumento dentro de universidades…

O radicalismo, a burrice e a intolerância cresce como erva daninha no seio da sociedade brasileira. Atualmente os brasileiros, com raras exceções, não conseguem mais dialogar sobre qualquer problema que ocorra, desde a vergonhosa corrupção no Congresso, o aumento da gasolina ou até algum desentendimento via Facebook. Hoje, infelizmente, partidos políticos não dialogam. Alunos e professores não dialogam. Vizinhos não dialogam. Editoras e autores e leitores não dialogam. Jornais não dialogam. Governo e sociedade não dialogam. E aqueles que estão em um suposto estado de “opressão” querem impor a sua vontade, custe o que custar. E para isso, vale até a violência física e agressões verbais para impor aquilo que, segundo eles, é o “correto”. Sequer se discute. Gritam, gesticulam, fazem apologia ao ódio e defecam as suas verdades.

Confesso a vocês que, depois de assisti a tanta ESTUPIDEZ naquele vídeo (confiram aqui), onde militantes invadem um ambiente que deveria convergir para a liberdade, tive vontade de chorar de tristeza por ver o que o PT anda fazendo com o Brasil… Éramos um País que se destacava no mundo por ser um dos poucos em que infinitas etnias e raças conviviam pacificamente e sem ódio racial, mas a petralhada está acabando com tudo isso… estão doutrinando pessoas na base do ódio e preconceitos para dividir o Brasil e assim conquistá-lo. Agora tenho cada vez mais certeza da incapacidade de partidos políticos e de que não podemos parar de lutar. O pior de tudo isso, é que para esses supostamente “oprimidos”, não existe uma punição, como se os seus atos criminosos fosse defendidos por uma “prerrogativa”.

Daqui a pouco, se nada for feito, brancos vão levar chicotadas por terem nascido brancos. Pretos vão cuspir na cara de qualquer um que ouse dizer alguma coisa fora do que eles acham conveniente com a desculpa de retratação histórica. Daqui a pouco? Foi só o blogueiro conhecido como Fernando Holiday postar um vídeo (abaixo) se colocando contra a atitude de prepotência dos ditos manifestantes do Movimento Negro para começar a ser crucificado por todos os lados, de sites e blogs chapa-branca até o cantor tatuado Tico Santa Cruz, o jornal Folha de São Paulo e professores (aparentemente mais esclarecido) universitários, deixando evidente que ter um discurso oposto aos intolerantes causa incomodo.

Movimento Negro

Uma pessoa com o mínimo de senso crítico e um pouco de leitura jamais negaria que ainda existe sim preconceito contra negros, pobres e homossexuais no Brasil. No entanto, a forma como será combatido esse preconceito é algo ainda controverso e problemático. Cotas? Bolsas? Movimento Negro que não respeita a opinião dos outros? Leis mais severas? Nada ainda está definido. Para o corajoso Holiday, no entanto, parece mais sensato a resolução deste problema através do diálogo: “É triste ver tanta intolerância contra alguém que apenas luta para que os negros se valorizem e não precisem rastejar. Eles não escutam o que digo. Apenas olham para minha pele e, sem perceber (eu acho), se indignam pelo fato de não estar rastejando com eles”, escreveu em sua página de uma rede social.

Pertinente expor aqui a visão de Nietzsche, do livro “Além do Bem e do Mal”, o qual diz que, sobre os defensores da existência de uma verdade absoluta, que ainda que o neguem, são advogados e frequentemente astutos defensores de seus preconceitos, que eles chamam “verdades”. Contudo, a primeira coisa a ter em mente com relação à questão do Movimento Negro hoje no Brasil é que ele não é único, tampouco seguiu uma trajetória histórica linear, contínua e ininterrupta. Desde antes da Abolição houve vários movimentos negros, que se orientaram por diferentes linhas de pensamento e tiveram objetivos diferentes, segundo a época e contexto social e político em que emergiram. Mas usar como pretexto o vitimismo histórico e panfletário do PT para minimizar as ideias dos outros é, no mínimo, um contrasenso. Nietzsche já afirmava que “o amor pela verdade que nos conduzirá a muitas perigosas aventuras, essa famosíssima veracidade de que todos os filósofos sempre falaram respeitosamente — quantos problemas já nos colocou!”

O que os aproxima entre si são duas questões fundamentais que permeiam a história das lutas de seus militantes pelos direitos de cidadania da população negra no Brasil: a luta contra a discriminação com base na cor da pele e a reivindicação por maiores espaços de integração em todos os âmbitos da sociedade. Dizer que quando “um oprimido fala, o opressor deve ficar calado”, é apenas impor uma ideia imatura sobre a outra, sobre a ilusão de que a voz do “oprimido” é a “verdade absoluta”.

Assim como Darci Ribeiro, eu também sou um feliz em ser fracassado… Fracassado por não poder fazer tudo o que eu quero. Fracassado por não poder amar quem eu quero. Fracassado por não poder trabalhar onde eu quero. Fracassado por não acreditar em Educação. Mas, de certa forma, nós brasileiros somos todos oprimidos, fracassados, vítimas (mas não vitimizados) de um Estado falido que não consegue dar o mínimo de suporte para o cidadão. Sou feliz em revidar “mal” buscando empreender minhas ideias, mesmo não sendo compreendido, como o Holiday, muitas vezes… Sou realizado em ser fracassado porque todos os meus fracassos pessoais e profissionais são fagulhas para correr atrás de traçar meu sucesso, exatamente quando reluz ainda de forma mais intensa e brilhante minha luz e daqueles que são por mim… negros ou brancos.

Porém, só aqueles que têm um mínimo de poder econômico conseguem pagar boas escolas, bons hospitais, mas também sacrificam parte significante do seu orçamento naquilo que deveria ser fornecido pelo Estado, pois a alta carga tributária é suficiente para fornecer serviços públicos de qualidade. Valendo-se de uma afirmação popular: “não está fácil para ninguém”. E nada será resolvido no calor insano de um debate pela internet, onde cada um impõe a sua “verdade”. Até hoje, nem mesmo os filósofos se convenceram da existência dessa tal “verdade”.

Movimento Negro

É importante lembrar também que se nos anos 1970 o contexto de forte repressão política da ditadura militar dificultava a organização e a manifestação pública e democrática de grupos, hoje os direitos conquistados por todas as lutas sociais de outrora tem gerado uma geração incapacitada de dialogar sem imposições. Se lá no período da ditadura a questão da raça ainda não era reconhecida pelos movimentos sindicais, tampouco pelos partidos políticos, de modo que a tendência foi levar o debate para a questão cultural, valorizando a cultura negra, em vez de colocar em discussão o problema da discriminação com base na cor, hoje, o que é ainda mais triste, é que presenciamos brigas de comadres via Facebook.

Em suma, um país medíocre que não cuida de suas crianças e velhos, que não valoriza a educação, que não abre oportunidades para a força trabalhadora, que não incentiva cultura, é o mesmo que é contra o aborto, que tem uma bancada evangélica repugnante para aprovar leis, mas que vocifera a redução da maioridade penal e não está nem aí para as mamães que criam seus filhos sozinhas e ou são mortas por seus companheiros. O Brasil do Tico Tico tem uma matemática entrelaçada aqui, e tem muita gente precisando aprender a tabuada e as quatro operações básicas: suprime-se aqui, soma-se ali, divide-se acolá e multiplica-se ao lado e vamos ter o panorama real. Os delinquentes, bandidos, drogados da classe média e alta, continuarão sendo protegidos. Mas quem vai para a cadeia ou morrer na bala da polícia, serão sempre os negros e pobres.

Fernando Holiday fala sobre a lamentável atitude do Movimento Negro na USP

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina

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