Dunkirk
Direção e roteiro por Christopher Nolan. Elenco: Tom Hardy, Harry Styles, Kenneth Branagh, Cillian Murphy, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Aneurin Barnard, Barry Keoghan, Fionn Whitehead
Por Gabriella Tomasi
Filmes de guerra é um gênero que sempre foi popular na indústria cinematográfica e é um tema vasto com diferentes perspectivas que podem ser abordadas. Por exemplo, há o heroísmo durante as guerras modernas seja ele um personagem fictício ou não como em Sniper Americano (2014); Até O Último Homem (2016) O Resgate do Soldado Ryan (1998); ou então as consequencias e a devastação que tempos de guerra trazem e afetam as pessoas como Nascido Para Matar (1987); A Escolha de Sofia (1982); ou a experiência a partir do ponto de vista de uma determinada pessoa como Platoon (1986) e Apocalypse Now (1979) e, ainda, o amor neste período tão conturbado como Desejo e Reparação (2007) e O Leitor (2008).
Nolan, por sua vez, aposta em uma perspectiva bastante simples e inovadora para estudar o conceito de heroísmo. Na nossa história nós estudamos durante a escola os combates e como eles aconteceram sob uma visão bastante distante, que raramente denomina o protagonista de certas batalhas a não ser que este seja uma figura política conhecida. Neste sentido, a verdade é que, enquanto a maioria dos filmes falam sobre especificadamente líderes, Dunkirk fala sobre soldados. Dessa forma, o fato de eles muitas vezes não terem um nome ou não serem referenciados por um durante a trama, ou seja, sempre são desconhecidos uns em relação aos outros, faz com que essa ausência dessa individualização e, portanto, de um arco dramático definido ser o próprio arco dos personagens. Porque a guerra é impessoal, ela deixa milhares de mortos e desaparecidos, cujos corpos ora não conseguem serem identificados ora nunca são achados pelas famílias. É apenas notar como a própria França possui diversos túmulos e homenagens prestadas no anonimato com placas que dizem “aqui jaz um soldado desconhecido” por jamais conseguirem denominá-los.
Não que Dunkirk seja imparcial. Na realidade, o longa tem um ponto de vista bastante expressivo e por vezes tendencioso, que é a experiência dos britânicos na França, sem que isso se traduza em um estudo do viés econômico ou político da guerra. Com uma premissa extremamente simples, aqui não existe uma trama complexa ou pretensiosa, mas ela se diferencia pela maneira intimista que ela é contada e a filosofia que ela trás consigo de maneira bem direta. Afinal, trata-se de uma reconstituição histórica – uma homenagem – da Batalha de Dunquerque, na qual 400.000 soldados da base aliada da Grã-Bretanha lutavam por sobrevivência e, com o intuito de evacuarem da costa da França, visam alcançar as terras seguras de seu país de origem. Assim, contavam com o resgate das forças aéreas e da marinha enquanto o Canal que ligava ambos os países estava cada vez mais cercado pela ofensiva nazista.
Dunkirk
Como afirmei antes que a narrativa, ou seja, a maneira de contar foi o diferencial desse filme, é que ele se divide em três subtramas: as dificuldades encontradas pelos soldados em Dunkirk para conseguirem evacuar o país francês; o resgate pelos civis; e o embate das forças aéreas para frear o inimigo de bombardear os navios que tentam seguir a rota, culminando no terceiro ato quando todas as partes se juntam para o desfecho. Para explorar os terrores da guerra, Nolan aposta na excelente (e de tirar o fôlego) trilha sonora composta por Hans Zimmer que confere o suspense na medida certa; seja na edição de som com os barulhos altos e ensurdecedores das bombas, tiros de armas e rifles; seja no conjunto de cordas de violinos que intensificam a luta contra o tempo e o medo da incerteza de vida das pessoas que estão inseridas naquela situação.
Neste aspecto, Nolan colocou a sua habilidade da direção junto com a direção da fotografia para explorar os ambientes. Os planos gerais conferem o senso de isolamento dos soldados na praia ou então no ar em cima do vasto oceano (tão vasto que não temos a perspectiva de um horizonte, no qual o diretor brinca com essa noção), tal como feito em Lawrence da Arábia (1962) em meio ao deserto; os planos fechados retratam milhares de pessoas reunidas nos espaços para darem sensação de lugares estreitos e confinados como nos decks; dentro das embarcações e aviões. Não poupando esforços para causar a tensão e os horrores da guerra, o diretor acompanha os personagens contra a água ou contra as embarcações; explora a solidão dentro da mais completa escuridão e o sentimento de abandono; além de acidentes de afogamentos; queimaduras e alturas. Em outras palavras, todos os medos mais humanos possíveis aqui são representados da forma mais intensa. A fotografia, por sua vez, possui um papel importante na recriação dos cenários e na ambientação da trama por meio de sua película no formato em 70mm, e cujos tons essencialmente azulados (com pontos em preto e cinza) em conjunto com os tons terrosos do figurino militar logra êxito em criar uma espécie de pesadelo frio recheado de melancolia, além de sutilmente dialogar com as cores patrióticas com os pontos em vermelho e branco que a Inglaterra e França compartilham em suas bandeiras.
Assim sendo, o espectador dificilmente sairá ileso do cinema sem sentir alguma sensação de desconforto por parte das situações que os personagens se encontram, principalmente pelo fato de que o diretor tem consciência do timing exato para elastecer longos planos ou posicionar a câmera na frente de seus personagens (sem que possamos ver o que está adiante) para criar suspense.
Mas o interessante é como a guerra é capaz de influenciar nas escolhas dos personagens: alguns deixam para trás companheiros para sobrevivência própria; outros se ajudam; outros permanecem tão atordoados e traumatizados que acabam tendo reações mais impulsivas. Vários e diferentes sentimentos como rancor, vingança, tristeza, desespero, são estudados aqui com o intuito de individualizar seres humanos que permanecerão anônimos. E o resultado é de uma abordagem tão realista de tal maneira que chega a ser palpável essa experiência agonizante e arrebatadora – o que é de se louvar.
Christopher Nolan é, por fim, um dos cineastas, cuja carreira ficará conhecida e mais prestigiada ainda por mais um grande sucesso do ano de 2017, Dunkirk.
Gabriella Tomasi é crítica de cinema, graduanda em letras, membro do coletivo de mulheres críticas de cinema – ELVIRAS, e possui o blog Ícone do Cinema