Literatura

A Paixão de Cristo

A Paixão de Cristo

A Paixão de Cristo, por Elenilson Nascimento.

A internet vem facilitando muito a comunicação para que todos se localizem e se informem mais. Talvez, ao contrário disso, não existam mais cadernos de cultura nos jornais da província medíocre chamada Bahia. Os chamados de Cadernos-B, eram uma alternativa para acompanhar uma Literatura Brasileira – B resenhada, mas as empresas de comunicação preferem priorizar programas “espirra sangue” com os seus apresentadores patéticos que só sabem gritar e deseducar (*até a linda Jéssica Senra não escapou desse papel lamentável de adestradora de porcos!). Eu sou baiano e o jornalismo de Salvador não me representa!

Mas, como estamos vivendo num tempo da intolerância, onde as ideias ultrapassadas dos nossos representantes no Congresso Nacional extrapolam os limites; onde a religião de cabresto é regida ainda hoje, por princípios de milhares de anos atrás; onde os costumes, as condições sociais, o desenvolvimento e, principalmente, o conhecimento, são muito diferentes do que deveria ser o ideal, falar de amor passou a ser uma pauta clichê.

A Paixão de Cristo

Foi entre os dias 05 e 09 de abril, que a capital baiana foi palco de uma encenação da história que falar de amor, intolerância, preconceito e tudo o mais que estamos vendo nos últimos tempos, com o espetáculo A Paixão de Cristo, durante a Semana Santa.

Foram cinco apresentações populares, numa Concha Acústica do Teatro Castro Alves sempre lotada. Com um conceituado elenco e apresentando Márcio Bernardes (como Jesus Cristo), o espetáculo teve direção de Paulo Dourado (*irmão da Regina Dourado). O texto fez uma adaptação livre baseada nos evangelhos para narrar a vida e a obra de um  Jesus anarquista, interessantíssimo, inteligente, com ideias modernas e, sobretudo, cheio de amor pelo próximo, desde o nascimento até a sua ressurreição, na maior e mais conhecida história de todos os tempos, mas que eu até hoje acho demasiadamente triste. Não gosto daquele Jesus pregado numa cruz por um bando de ignorantes.

Estive lá no último dia da apresentação, e voltei pra casa tocado, primeiro pelo prazer de ver TEATRO numa Concha Acústica lotada (*mesmo com um bando de evangélicos que foram lá só para perturbar e colocar defeitos!) e, segundo, porque o espetáculo em questão emociona antes mesmo de começar.

A Paixão de Cristo

Ao escutar os primeiros acordes da Ave Maria de Gounod me arrepiei dos pés a cabeça, a música – muito alta e com microfonia – anunciava a homenagem feita pelo diretor a sua irmã, a já citada Regina Dourado que nos deixou em outubro passado. As diversas personagens vividas por Regina ocuparam um telão, e a medida que as imagens se sucediam a emoção tomava conta do público, a resposta veio da maneira que todo artista gosta: em forma de muitos aplausos. Regina, reconhecida por seus inúmeros papéis em novelas da Globo, fez seu último trabalho nessa mesma Concha: vivendo Maria, mãe de Jesus, na encenação da “Paixão de Cristo” do ano passado. E foi realmente emocionante! Esse ano, a atriz Joana Schnitman interpretou Maria e narradora do espetáculo.

A Paixão de Cristo contou com um elenco afinadíssimo, composto por vários e reconhecidos atores baianos, que se ligaram em cena à participação especial dos 25 jovens atores do PIM (Projeto de Iniciação Musical) do bairro de Coutos. E colocar 50 atores em cena, sem falar no coral (desnecessário?) dirigido pelo maestro Dilton César, deve ter sido uma trabalheira para o diretor Paulo Dourado.

A Paixão de Cristo

O uso de tecnologias na iluminação, na sonorização e nos efeitos especiais, fez um contraponto com a proposta do espetáculo, pois nas palavras do próprio diretor sua busca foi pela “realização de uma linguagem de teatro clássico. Essa é a forma adequada para apresentar para o público atual a celebração histórica da Paixão de Cristo, que é a mais permanente e profunda entre todas as tradições culturais de todo o mundo ocidental”. Tudo alinhado com a trilha do espetáculo, que foi uma grande compilação de composições clássicas de domínio público, criada pelo diretor musical Paulo Cunha. Show de bola!

Dessa forma, mais uma vez, realizando um projeto único no pobre cenário e cheiro de produtores culturais medíocres da Bahia, Paulo Dourado recebeu mais de 100 mil espectadores durante os cinco dias da encenação. Por isso a escolha da Concha Acústica, que é grande o bastante e apenas no ano passado voltou a receber uma apresentação de teatro – depois de uma década de vazio!

A Paixão de Cristo

A empreitada cênica segue uma linha épica, baseada no belo, contraditório, ainda questionado e poético texto dos evangelhos e é pontuada por expressões da Língua Portuguesa arcaica. Mas ficou tudo muito bom! Adorei o demo, a Madalena, o mar em fúria, João Batista, a loucura do Barrabás, Salomé, e, principalmente, aquele vôo “perigoso” do anjo Gabriel descendo com cordas do alto do palco e representado pelo sempre elegante Ciro Sales.

E fazer teatro na Concha deve ser sempre um grande desafio, pois é preciso ter o controle de uma grande plateia tão diversa. Desde evangélicos alienados, passando por muitas crianças atônitas com a conhecida história, velhinhas chorosas e funcionários mal educados e deslumbrados da organização (*alô direção da Concha, vocês deveriam rever isso porque é inadmissível que funcionário maluco fique gritando para que eu saísse de um espaço que segundo ele era para o coral. Um saco isso!).

A Paixão de Cristo

Espero que a proposta do Paulo Dourado de fazer com que o espetáculo continue sendo um evento fixo no calendário cultural anual de Salvador seja realmente efetivada, pois a realização d´A Paixão de Cristo, ano após ano, reafirma a importância formadora e educativa da mensagem do próprio Cristo: paz, tolerância e sabedoria.

Muito ambicioso, o projeto transcende o plano artístico-religioso e preenche um vazio cultural que gera repercussão nos planos turístico e econômico. Mesmo que, ao longo das últimas décadas ressurgiram espetáculos contemporâneos mais ricos na cenografia e publicidade sobre a “Paixão de Cristo”, produzidos com mais recursos tecnológicos e elenco de excelência artística do padrão Globo, a “Paixão de Cristo” de Paulo Dourado, além de estimular o mercado cultural do Estado, não tem missão diferente desta: pensar o verdadeiro sentido da Páscoa. Destaque para aquele final de Jesus subindo aos céus em meio a uma chuva de estrelas douradas. Lindo!

E se a religião de hoje só se preocupa com os aspectos teológicos ou ligados à fé, além de se preocupar em ditar normas de comportamento, de valores éticos, morais e educacionais, de acordo com seus próprios interesses. A vida de Kelé é muito mais importante do que a mensagem de amor e paz que Jesus tentou passar.

A Paixão de Cristo

Se a Igreja fosse mais inteligente saberia que os nossos filhos são muito diferentes de nós, assim como nós somos diferentes dos nossos pais, nossos pais de nossos avós, e assim sucessivamente. Imagine agora nós nos transportarmos para uma época há mais de 2000 anos atrás, com uma população mundial completamente desinformada, alienada e carente, onde só os nobres e alguns poucos privilegiados eram alfabetizados. O mundo evoluiu demais para ficarmos aqui preocupados com quem fulano dorme, e podemos citar como exemplo, os meios de transportes, onde no início, os pés eram o principal meio do homem se locomover, depois o cavalo, as caravelas, o navio, o automóvel, o avião e hoje já estamos na época das espaçonaves, em viagens interplanetárias, conquistando outros planetas. Mas a Igreja prefere viver no passado! Com seus dogmas ultrapassados e sua linguagem nazista!

Outro exemplo são os meios de comunicação, que no início, o homem utilizava a fumaça, os tambores, o telégrafo, o telefone, o fax, e hoje já vivemos na era do micro chip com a internet. E também a questão energética, que já foi gerada pelo vento, pela água, pelo carvão, pelo petróleo, e hoje nos encontramos na era do átomo. Como pudemos ver, as diferenças nas questões da informação e do conhecimento, evoluíram de uma forma impressionante. E que venham outros espetáculos para agregar e fazer pensar! E viva Jesus, Einstein, Obama, Paulo Dourado e muitos outros camaradas bacanas!

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.

Shares: