Cinema

Análise filmica | Blow-Up – Depois Daquele Beijo, de Antonioni

Blow-Up – Depois Daquele Beijo

A busca por respostas é lenta, reflexiva, mas em momento algum sua finitude para estar entre os interesses de Antonioni

Por Rafael W. Oliveira

Apesar de inaugurar uma transição relevante no cinema de Michelangelo Antonioni, o auge na forma do cinema do cineasta italiano já alçava ares de grande pessoalidade e também universalidade desde O Grito, filme que marcou a passagem do neo-realismo italiano para o existencialismo, atravessando títulos de notável influência como a trilogia A Aventura, A Noite e O Eclipse, passando por O Deserto Vermelho (primeiro filme onde Antonioni trabalhou com cores) e culminando em sua primeira incursão internacional, o enigmático Blow-Up – Depois Daquele Beijo.

E dentro da temática existencialista, Antonioni desenvolveu um notável apreço sobre o estudo da natureza social através da incomunicabilidade e a solidão como resultado iminente. Antonioni voltava seus holofotes especialmente para o cotidiano burguês marcado por abundância material, ostentação e valorização das rígidas condutas sociais, mas incompleto e tedioso por dentro. Dentro deste círculo vicioso e de aprisionamento, Depois Daquele Beijo atravessou os anos firmado como o ponto de transcendência na temática predileta de Antonioni, explorando aqui o mundo ai sair de sua terra natal e rodar em cenários ingleses.

E Thomas (David Hemmings), nosso protagonista, é a personificação exata dessa incomunicabilidade e seus efeitos sociais. Ele é um dos fotógrafos mais bem pagos e requisitados da Londres dos anos 60, dirige um Rolls Royce, possui uma casa espaçosa e sempre tem diversas modelos a seus pés se entregando carnalmente para serem fotografadas por ele. Apesar disso, a vida de Thomas é marcada pelo tédio constante, um escravo das amarras sociais que lhe enxertam num marasmo cotidiano do qual o fotógrafo só se sente liberto diante de um comportamento angustiante e grosseiro, no qual trata suas modelos de forma machista e abusiva, assim como chega ao ponto de comprar uma enorme hélice apenas porque possui dinheiro suficiente para isso. É neste mesmo dia, num dos rompantes para quebrar sua rotina, que Thomas presencial um casal apaixonado se beijando num enorme parque. A cena, tão parte do cotidiano, lhe instiga. Thomas começa a fotografar o casal, e logo é notado pela mulher, que pede seu filme para que as fotos não sejam reveladas. Recusando o pedido, Thomas mais tarde descobre que entre suas fotografias (numa sequência enérgica e vibrante) está o possível registro de um assassinato, e partir dali a narrativa será centrada nas tentativas de Thomas em descobrir o que sua câmera realmente capturou.

Blow-Up – Depois Daquele Beijo

Fica claro, entretanto, que o que menos interessa ao roteiro do próprio Antonioni em parceria com Tonino Guerra (mais tarde indicado ao Oscar por Amarcord) e baseado no conto As Babas do Diabo de Juliano Cortázar, é qualquer resultado de sua investigação ou as consequências de seu envolvimento com Jane (Vanessa Redgrave, belíssima), mulher que fotografou no parque. Antes disso, Antonioni transforma seu filme num estudo imagético da luta contra a solidão, da luta contra a desesperança de um cotidiano nada desafiador, e não é por acaso que o cineasta explora com eficaz ambientação a Londre dos anos 60 marcada pela libertação através do sexo, das drogas e do rock’n roll. Icônicos, inclusive, são os momentos que o filme incorpora esse espírito libertino na sequência musical com os The Yardbirds, primeira banda de Jimmy Page (integrante do Led Zeppelin) e Jeff Beck. Assim, Antonioni transcende a sua própria superfície ao construir Depois Daquele Beijo como um estudo da força e do poder das imagens e suas representações  de uma época e significados pessoais. Isto fica particularmente claro na intensa coloração da direção de arte e da iluminação de Carlo Di Palma, que fundem os personagens a paleta de cores urbana das locações, em especial a cena do parque, mergulhada num verde que representa a liberdade de Thomas pela captura da imagem e em sua própria composição narrativa com as fotografias em seguida. Colabora também a trilha sonora de Herbie Hancock, pontual nos momentos em que se faz necessária e ausente nos momentos em que o silêncio se revela a chave para a imersão.

E neste aparente jogo de gato-e-rato, Antonioni evoca as questões sobre o que é autêntico na imagem, na busca da verdade além de sua superfície, discurso metafísico esse que viria servir de inspiração para obras de cineastas renomados como Stanley Kubrick e Terrence Malick. A busca por respostas é lenta, reflexiva, mas em momento algum sua finitude para estar entre os interesses de Antonioni. Suas imagens falam por si só, mas estará nelas a verdade, tal qual nas fotos tiradas por Thomas no parque? Em todo este mosaico, temos simbolizado a prisão social na qual o homem, desde os primórdios dos tempos, se mantém.

E no desfecho surreal onde acompanhamos uma partida de tênis aparentemente imaginária, Depois Daquele Beijo dialoga com a fuga da realidade cotidiana e com o poder da construção da imagem. É o cinema valorizando o cinema. E poucos em sua carreira falaram disto como Michelangelo Antonioni.

Cinéfilo em eterna formação, amante de Kubrick e Hitchcock, fã de musicais e um grande admirador do gênero terror. Pretende cursar a faculdade de Cinema em breve, mas enquanto este dia não chega, brinca de ser crítico nas horas vagas. Também está sempre acompanhado de um bom livro, além de suas músicas que tanto preza.

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