Ariano Suassuna
“Chegará um tempo em que cada escritor apresentará a sua plaqueta, metendo na algibeira do outro o seu livro…”.
Por Elenilson Nascimento
Quantos escritores mortos em tão pouco tempo, meu Deus! Reverdy dizia-me: «Avisei o correio para que não me trouxesse mais livros… Não poderia abri-los. Não tenho espaço. Trepam pelas paredes, temi uma catástrofe, ruiriam em cima da minha cabeça»… E, nesse instante, acabei de saber que morreu na tarde desta quarta-feira, 23/07, o escritor Ariano Suassuna. O Suassuna das frases brilhantes. O Suassuna das contradições. O Suassuna do “Auto da Compadecida”. O Suassuna do “Jumento Sedutor”.
Semana passada ele esteve aqui em Salvador, numa aula show incrível no TCA, dias depois sofreu um infarto e, depois de receber alta, deu entrada novamente no hospital por causa de um aneurisma cerebral. Outra grande perda nas letras desse país. Outra grande figura que me deixa sozinho entre os porcos.
Mas muitos conhecem e simpatizam com João Grilo e Chicó… E, antes de ser pintor em nossos sonhos com a presença até de Nossa Senhora, de dirigir em teatros, de escrever luminosas linhas, de fazer críticas, Suassuna já era um dos grandes nomes da cultura nordestina. Exaltado principalmente pela atuação no teatro brasileiro, fundou o Movimento Armorial nos anos 70, que tinha como objetivo utilizar a cultura popular para formar uma arte erudita.
E entre as obras desse autor, lembro agora de mais alguns nomes como: “Um Mulher Vestida de Sol” que foi à primeira peça escrita; e “O Santo e a Porca”, de 1964, a primeira, inclusive, ganhou versões no cinema e na televisão. Li alguns dos seus livros… E sempre me sentia lisonjeado por me vê retratado naquelas folhas… Os críticos? Uns bobos da corte. Ninguém compreendia aqueles personagens… Até que um dia o povo começou a ler os seus contos, suas linhas, sua verve… e eu, egoisticamente, querendo ele só pra mim.
Um mês triste esse para a Literatura Brasileira. Tenho vontade agora de fechar-me no quarto, mas Chicó, através da porta, me grita… Estou triste e assustado nessa hora… Porque na minha vida os meus amigos presentes sempre foram os poetas, os escritores e, agora, cada vez mais mortos. Suassuna, dos livros, sempre esteve presente. Increpou-me: «Porque tratas assim Chicó?»… Respondi: «Não quero perder mais um amigo. Cultivei-o. Conhece até as rugas da minha poesia… Não tenho nenhum talento comparado com o seu… Para fazer livros… Pode escrever ensaios… Mas eu quero manter este amigo, conservá-lo, regá-lo como planta exótica… Compreendes-me, painho Suassuna?»… Porque a verdade, se isto continuar, é que os escritores vão acabar por publicar só para outros escritores…
Escritor Ariano Suassuna
Chegará um tempo em que cada escritor apresentará a sua plaqueta, metendo na algibeira do outro o seu livro… e deixá-lo-á no prato do outro… Eu já tenho uma Fanpage para comer livros. Suassuna deixou livros, um dia, debaixo do guardanapo de algum rei… Isso, sim, valia a pena… Ou em pleno sol, a poesia numa praça… Ou que os livros se desgastem, se esfrangalhem nos dedos da humana multidão… Mas esta publicação de escritor sem nome no Facebook para alguma outra alma carente de poeta não me tenta, não me incita, não me anima senão a emboscar-me nessa natureza morta, perante uma rocha e uma onda, longe das editoras, do papel impresso…
A escritora Anna Carvalho escreveu hoje, sob esse céu da Bahia:
“Oh morte, se constranja, você mais uma vez… Poderia me rasgar em elogios, mas me debruçarei sobre a sua falta de humanidade. Está feliz por levar de nós, povo brasileiro, pessoas que nos encorajaram em sermos tão corteses quanto úteis nas páginas dos livros?Desejo, diante da sua desumanidade confessa que você coloque no arauto da sua boa vontade, num céu meio mítico com uma Nossa Senhora humanista e um Cristo negro bem nordestino, Ariano e a sua criação, como um deus humano, talvez por medo de seu talento e divindade. Você que esteja levando inteligências sofisticadas e que ousaram devassar a sua humanidade. Quanto na Terra, ficamos cada vez mais inconstantes com a sensação de que há mais perdas do que ganhos em nossa trajetória de pouco sonho e muito choque de realidade. O que será de nós? Um pouco do niilismo de Shopenhauer, alguém que teve negatividade o suficiente para denegrir a vida de fato: ‘E as moscas nasceram’, para a nossa confissão de impotência mais uma vez. Estou muito triste”.
E igualmente triste, hoje, sinto informar, que a poesia perdeu o seu vínculo com o leitor distante… Tem de recuperar urgente… Tem de caminhar na escuridão dos conflitos e encontrar-se com o coração de algum homem ledor, com os olhos de alguma mulher chorosa, com os desconhecidos das ruas, com os problemáticos, daqueles que a certa hora crepuscular ou plena noite estrelada carecem nem que seja de um único verso… Meu amigo Oyama Almeida mandou-me esses versos agora a pouco:
“A passagem não é súbita, leva algumas horas, às vezes dias, às vezes anos… O Espiritismo sugere só cremar um corpo após 72 horas; o budismo tibetano também faz referência a isso. Tanto que eu paguei duas diárias extras para o corpo de minha mãe ficar na câmara frigorífica antes de ser cremado”. Nossa, pensei. Mas quanto tempo esperar por um ser como Suassuna?
Tal questionamento para fazer o texto ficar bonito, ao imprevisto vale de tese, em que todo o caminho andado, tudo o que se leu, tudo o que se aprendeu… nada é significativo agora. É preciso perdermo-nos entre os que não conhecemos para que de súbito recolham o que é nosso na rua, na areia, nas folhas caídas durante mil anos no mesmo bosque… e tomem ternamente esse objecto que nós criamos… Só então seremos verdadeiramente poetas… Nesse objecto viverá a poesia… Viverá Suassuna!
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina