nana
Salvador é uma cidade que já há bastante tempo se apresenta ao mundo como um caldeirão das artes, onde se encontra de tudo um pouco: músicos, atores, poetas, artistas plásticos, uma enormidade de representantes da cena artística, todos prontos para levar o nome da cidade para o resto do Brasil. Não sei bem se este caldeirão possui divisões estabelecidas, tal como de raça, de gênero ou de status econômico, mas neste momento – e fazendo uma pequena homenagem ao mês em que se comemora o dia internacional da Mulher – apresentarei três das mais interessantes representantes da cena cultural baiana, todas elas mulheres, jovens, belas, e acima de tudo, talentosas.
O primeiro nome deste trio atende pela alcunha de nana, cantora da mais nova safra da cena musical baiana. Seu recente trabalho, o EP Expressionismo Alemão, é um achado, destes que se encontram de tempos em tempos e que não pode-se deixar passar em branco. A faixa-título do álbum, Expressionismo alemão, é de uma beleza que salta os olhos, pela referência direta a um dos movimentos artísticos mais importantes da história, e pela própria estrutura da canção, uma mistura que nos traz lembranças da bossa nova, com elementos mais contemporâneos, e uma voz das mais agradáveis para se ouvir, que casa bem com a letra e melodia. As outras canções trazem referências das mais diversas partes do mundo, afirmando o caráter global da música de nana. Ela é baiana, mas consegue ser entendida em qualquer parte do planeta. Suas letras, bem elaboradas, são ajudadas por um trabalho de teclado/piano que agrega bastante à atmosfera passada nas músicas. Todo o processo de instrumentalização das canções é digno de elogios. Recentemente nana abriu o show do cantor Ben Kweller, proeminente artista da cena indie mundial, talentoso como poucos. A apresentação foi em São Paulo, mas a cantora passa a maior parte de seu tempo em Salvador mesmo. Por isso, aproveitem e sempre procurem por seu nome na agenda cultural dos jornais.
Carolina Kahro
Saindo da música e chegando ao teatro, apresento a multifacetada artista Carolina Kahro, que além de atuar, assumiu a direção e a cenografia do espetáculo teatral Grand Théâtre Pão e Circo, que representa dignamente o que de melhor o teatro baiano pode produzir. O espetáculo, que volta e meia é apresentado nas salas teatrais da cidade, conta duas histórias afastadas, mas que se interligam. Na primeira temos uma mulher e mãe solteira no seu dia a dia de classe média. Interessante aqui é observar sua relação com o filho, com os amigos, com a empregada, e compreender como todas estas situações fornecem elementos para uma reflexão mais séria sobre valores sócio-morais da modernidade. Em um segundo momento, a trama volta-se para a empregada: mulher casada e declaradamente pobre. Aqui é interessante observar como se desenvolve a interação desta personagem com o mundo, tendo a televisão como fundamental acessório para esta interação. É indiscutível – ao fim do espetáculo – que seu principal destaque reside na atuação de Carolina Kahro. Ela consegue fornecer ao público elementos instigantes à reflexão, transformando Grand Théâtre Pão e Circo numa peça rara do teatro, que alia grande poder imagético com crível capacidade de incitar o público para pensar seriamente sobre alguns temas. Carolina, com este seu trabalho, personifica a ideia de arte e prova que mentes criativas podem elevar o teatro baiano a níveis quase que espetaculosos.
Gabriela Amaral
Por fim, e flertando com o cinema, temos a jovem diretora baiana Gabriela Amaral, que tem conquistado admiração e simpatia pelo circuito dos festivais de cinema brasileiros, seja com Uma Primavera, curta que me fez conhecer seu trabalho, seja por A Mão que Afaga, filme que venceu as principais categorias no tradicional Festival de Gramado em 2012. Este último ainda está em turnê pelo Brasil, e volta e meia é apresentado em Salvador. Em Uma Primavera, Gabriela Amaral afirma sua enorme capacidade na direção. Não bastasse o roteiro bem elaborado, Gabriela traduz na tela toda a sensibilidade da história. Sua câmera consegue acompanhar e sublinhar as ações dos personagens, as imagens trabalham bem com tudo o que deseja ser passado – nas cenas fortes e também nas mais introspectivas. Todo o tempo, fotografia e edição formam uma harmoniosa dupla. Já em A Mão que Afaga, um trabalho ainda mais maduro, ela capta o conceito de solidão de maneira admirável. Suas histórias (Uma Primavera, Náufragos e A Mão que Afaga) dialogam com o estranho, e esse estranhamento é concebido vez ou outra por sequências que beira o surreal. Longe do surreal está a carreira da cineasta, que está em rápido processo de ascensão e solidificação. Gabriela, uma das mais talentosas e simpáticas representantes do atual cinema nacional, é mais um dos orgulhos desta cidade, que tem no poder de suas mulheres a chave para o contínuo crescimento cultural.