Até a eternidade
Mentir é feio, é errado.
Essa é uma das primeiras lições que recebemos, quando ainda somos crianças. Nossos pais, nossos parentes mais velhos, nossos professores, todos nos ensinam que não devemos, nunca, mentir.
E, ainda criança, mentimos.
Mentimos quando atendemos a porta, ou quando atendemos ao telefone, e somos orientados, pelos nossos pais – que nos ensinam a não mentir -, a dizer que eles não estão em casa, quando, na verdade, eles estão na sala, no quarto… Enfim, estão, de fato, em casa, mas não querem atender a visita ou atender aquele que está do outro lado do telefone.
Mesmo sendo, o não mentir, uma das primeiras e principais lições que recebemos, lá na tenra idade, a ação de mentir é algo que nos conduz por absolutamente todos os anos das nossas vidas. Mentimos, sim! E como mentimos! E precisamos mentir, até mesmo como um eficaz (mas, nem sempre tão eficiente assim) modo não só de preservação do que – e de quem – amamos, como também um modo de auto preservação. A mentira é condenável, mas todos nós mentimos porque sabemos que, para manter uma vida social aceitável e coerente com os nossos iguais, muitas vezes, torna-se necessário mentir. Às vezes, até o ponto de nós mesmos, criadores daquelas nem sempre pequenas mentiras, acreditarmos que elas – as mentiras – são verdades e elas passam a fazer parte da nossa verdade.
LES PETITS MOUCHOIRS (produção francesa de 2010), que recebeu o infeliz, irritante e idiota título brasileiro de ATÉ A ETERNINDADE, fala exatamente sobre mentiras. Mais precisamente, sobre as pequenas mentiras, ou as “mentiras brancas”, título, inclusive, recebido nos EUA: THE WHITE LIES.
A obra começa com um espetacular plano sequencia (muito bem feito do ponto de vista narrativo e técnico) seguindo o personagem de Jean Dujardin (que ganhou o Oscar de melhor ator por O ARTISTA), de dentro para fora de um bar. Por quase cinco minutos, a câmera, sem um único corte, segue Ludo (nome do personagem) do interior do bar, saindo para pegar sua moto estacionada à frente deste estabelecimento, pilotando-a numa Paris de ruas vazias, que está lindamente amanhecendo. O maravilhoso plano sequencia finaliza num acontecimento trágico que permeará toda a narrativa do filme.
A partir daí, acompanhamos a trajetória de alguns amigos, quase todos na faixa etária dos 40 anos, ou próximos dos quarenta que, mesmo sem a presença de Ludo, aparentemente o mais querido dos amigos, decidem passar as férias na casa de praia de um deles. Afinal, já tinham se programado com muita antecedência e, mesmo ficando em Paris, não iriam conseguir tirar o grande amigo Ludo da delicada situação em que ele se encontra, argumenta um dos amigos.
Argumento rapidamente aceito por todos, eles logo partem para a casa de praia e, como se não bastasse o que é narrado lá no plano sequencia inicial, percebemos, principalmente nos primeiros momentos de convivência desse grupo, que a narrativa, por mais que tenha alguns bons momentos cômicos é, decididamente, um drama com D maiúsculo. E o diretor Guillaume Canet – marido de Marion Cotillard, uma das atrizes do longa – nas mais de duas horas de filme, faz questão de deixar isso bem claro. ATÉ A ETERNIDADE é um drama. Um excelente drama, diga-se de passagem.
É inegável a semelhança de ATÉ A ETERNIDADE com O REENCONTRO, filme lá dos anos 80. No entanto, no filme de Lawrence Kasdan, o que víamos eram as desilusões de um grupo de amigos que se reencontravam, após a tragédia que fora o suicídio de um desses velhos amigos. Pessoas que tinham sido adolescentes cheios de sonhos e ideais e que, quando chegam à vida adulta, deparam-se com uma sucessão de desilusões. Assim era O REENCONTRO.
ATÉ A ETERNIDADE, não! Nenhum dos personagens tem um ideal de vida ou, até, um sonho a realizar ou alguma frustração por não ter tido um sonho realizado. Eles vivem bem, são resolvidos financeiramente, estão de férias e querem curtir essas férias – mesmo com o mais carismático amigo numa situação pra lá de delicada – e são um tanto quanto egoístas e estão tão decididos em acreditar nas suas mais íntimas mentiras, que não estão nem aí para defender um ideal de vida.
Acompanhamos os conflitos de Marie, personagem de Marion, que decididamente não consegue manter um relacionamento duradouro com ninguém, dividindo seu tempo entre pesquisas com tribos indígenas e conflitos amorosos bastante mal resolvidos; Max – interpretado por François Cluzet, numa atuação excelente assim como fora em INTOCAVEIS, no qual ele fazia o tetraplégico –, que é o dono da casa de veraneio, casado com Véro, interpretada por Valérie Bonneton (ambos casados, na vida real, à época do filme); Antonie, que vive enchendo o saco dos amigos pedindo conselhos sobre seu relacionamento – ou término de relacionamento – com Juliette (de longe, considero Antonie um dos personagens mais interessantes da trama, o qual, gradativamente, também vai se tornando um dos mais carismáticos, o que faz com que o espectador termine por torcer por ele); Eric, um ator de filmes inexpressivos, um cara que coleciona conquistas e que, no momento, tem um relacionamento que se encontra em risco e, por fim, Vicent, casado, pai de dois filhos que, mesmo afirmando ser um heterossexual convicto, não só se sente atraído sexualmente por Max como faz absoluta questão de contar, a Max, sobre seus sentimentos, desencadeando um desconforto entre os dois que gerará uma série de bons conflitos durante o filme.
O drama enfrentado por todos esses personagens é bastante valorizado pelo diretor, fato que leva o filme a ter bem mais do que duas horas: é preciso tempo para conduzir – e resolver – todas aquelas tramas. Entretanto, a narrativa é conduzida de forma tão eficaz que, simplesmente, não nos cansamos e, até, nos envolvemos nos conflitos daquelas pessoas, ao ponto de, em vários momentos e, em especial, no clímax do filme, ser difícil segurarmos as lágrimas.
Vale destacar, nesta produção, a presença do personagem Jean-Louis, interpretado por Joël Dupuch, um experiente marinheiro, o qual sempre esteve presente na vida daqueles amigos, e que será o personagem que, numa belíssima cena, revelará, para aquele grupo de amigos, a causa de todos aqueles males emocionais que permeiam suas vidas.
O roteiro é muito bom – mesmo que se perca em alguns raros momentos -, a direção, segura, e as atuações, o melhor que há no filme. Mesmo o oscarizado Jean Dujardin brilha, apesar de aparecer em pouquíssimas cenas. Entretanto, preciso afirmar que a presença de Marion Cotillard irradia a tela. Ela não só é uma atriz carismática, como é linda e talentosíssima. Ela chorando então, é de cortar o coração… Linda demais!
Atenção para as músicas que tocam no decorrer do filme, proporcionado ótimos efeitos clipe. Em especial, “My Way”, tocada num dos momentos finais e mais emocionantes.
ATÉ A ETERNIDADE é tudo aquilo que o cinema deve ser: envolvente. E proporciona aquilo que deve ser oferecido ao seu espectador: emoção.
Mauricio Amorim é professor de Linguistica e Produção Textual da Universidade do Estado da Bahia, Cineasta e Colaborador do Cabine Cultural.