Cinema

Bahêa Minha Vida – O Filme

Clique na imagem e leia a crítica de Bahêa Minha Vida

Em 29 de março de 1960 um jovem grupo de rapazes saídos da cidade de Salvador resolveu fazer história no mundo do futebol. Leone, Nadinho, Henrique, Flávio, Vicente, Beto, Marito, Alencar, Leo, Bombeiro, Biriba, Mario, Nenzinho e outros mais entraram em um grandioso estádio do Maracanã e, tidos como verdadeiras zebras, foram ao Rio de Janeiro para vencer o mais poderoso time da época, certamente uma das equipes mais primorosas que o futebol mundial já produziu. O Santos, de nomes como Pelé e Pepe, era mais que favorito naquele jogo. E todos – imprensa, torcida, sociedade – sabiam disso. Só se esqueceram de avisar aos jogadores do Bahia que, após noventa minutos de um jogo mais que histórico, venceram o clube do litoral paulista por 3×1, sagrando-se campeões da Taça Brasil de 1959, título mais importante para o esporte daquela época.

Pouco mais de cinquenta anos após o feito, Marcio Cavalcante e sua equipe (Denis Ferreira, Sheila Gomes, Matheus Vianna, Bob Bastos, Lázaro Santana…) são agraciados com a incumbência de, não somente relembrar deste fato, mas também colocá-lo em um quadro mais amplo para assim contar um pouco da história do Esporte Clube Bahia, um dos mais emblemáticos e populares times do futebol brasileiro. E é daí que nasce o belo documentário Bahêa Minha Vida.

Emblemático por conta de sua mística, de seus títulos nacionais (1959 e 1988), de sua hegemonia (em determinado período) no cenário regional, e principalmente por causa de sua torcida que, mesmo em momentos desagradáveis e dramáticos que o clube vivenciou, se fez presente. É a torcida que nunca, em momento algum, deixou de lado essa viva paixão que a move; e sempre foi atuante, seja indo aos jogos, seja torcendo pelo rádio, torcendo de casa, do trabalho, da rua, da praia… O lema dessa turma sempre foi torcer e torcer e torcer e torcer…

Bahea Minha Vida

Utilizando-se eficazmente da torcida como um fio condutor, Marcio Cavalcante faz uma breve, dinâmica e eficiente cronologia da história do clube, desde o seu início, lá na década de 1930, passando pelo heróico título de 1959, pelo período de hegemonia no cenário baiano, pelo título brasileiro de 1988, chegando às fases menos vitoriosas, que vieram, sobretudo, a partir da década de 1990 e por fim, a sua volta por cima, que aconteceu por conta do acesso ao grupo dos vinte melhores times do Brasil no ano de 2010.

Sua escolha em construir um preâmbulo que busca entender um pouco desta magia que é o futebol dá um tom quase que de poesia ao documentário, pois são sequências bem realizadas, em um competente trabalho de fotografia, de montagem, de trilha sonora e principalmente de narrativa. O que é falado e mostrado na primeira sequência do filme já merece muitos elogios.

Mas a produção fez bem mais que isso, e em um admirável trabalho jornalístico, resolveram promover um encontro com alguns dos heróicos jogadores da equipe campeã de 1959. Esta passagem é a mais interessante e comovente de todo o documentário. Vê-los se reconhecendo e relembrando-se dos fatos que os marcaram na época traz um sentimento muito forte, e isso não fica restrito aos torcedores do clube. Neste caso específico, o sentimento é por conta daqueles senhores ali, já vividos, buscando em todos os instantes contar histórias, seus causos, suas vidas. E fazem isso de modo natural, emocionante.

Bahea Minha Vida

E a câmera está ali, naquele momento, como mero acessório, sem função alguma definida, além de registrar o encontro, obviamente. Talvez tenha sido somente no processo de edição que se descobriu (ou percebeu) que aquela gravação possuía um poder narrativo imenso e assim chegou-se ao resultado final exibido.

A reunião com o grupo de jogadores de 1988 também teve seu destaque devido. Os depoimentos de Evaristo de Macedo, técnico da equipe, e de craques como Bobô e Ronaldo, foram bem utilizados, com realce para o encontro de Bobô com Lourinho, uma das figuras mais fortes da história do clube. E vale menção de que se trata de um torcedor, e não um centro-avante ou goleiro. Poucos clubes possuem figuras como estas em sua história. O Bahia possui. E não somente uma. E o documentário faz questão de registrar isso. São dezenas, centenas, milhares de figuras… Todas com algo em comum: elas se doam integralmente, de corpo e alma, ao clube.

Também se destacam depoimentos dos mais variados, desde os mais apaixonados, como os de Claudia Leitte, Tuca Fernandes e Ricardo Chaves, até os mais didáticos e tecnicamente relevantes, como o do crítico e jornalista esportivo Juca Kfouri. A produção soube mesclar o sagrado com o profano e assim realizou um trabalho dos mais bacanas em se tratando de filmes sobre equipes de futebol. Outros casos chamam atenção, como o documentário sobre a história do Corinthians (SP) ou sobre a conquista do campeonato da série B (segunda divisão) pelo Grêmio (RS).

O desfecho do documentário de Marcio Cavalcanti chega a ser catártico, de tão intenso e comovente que é. A maneira como é contada a trajetória da equipe durante o Campeonato Brasileiro da Série B, misturando elementos de suspense e de drama, com trilha sonora toda especial e final feliz estabelecido, é de deixar qualquer espectador no mínimo afetado, para não dizer emocionado. Toda a montagem construída com base no histórico jogo do Bahia com a Portuguesa deve ser destacada.

No fim das contas o documentário Bahêa Minha Vida é bem mais que somente um retrato da história de um time de futebol. Ele serve como um interessante objeto de análise, de como este esporte fascina crianças, jovens e velhinhos pelo mundo afora. E, acima de tudo, ao promover aquele encontro com os senhores (campeões da Taça Brasil de 1959), Marcio e sua equipe oferecem aos torcedores do Bahia, e aos espectadores de cinema no geral, uma importante e tocante reflexão sobre como nossas vitórias, derrotas, conquistas e frustrações de hoje serão a razão do nosso viver no futuro.

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