“A atuação de Stepan é daquelas dignas de Oscar, Globo de Ouro, Kikito de Ouro, Grande Prêmio do Cinema Nacional, e por aí vai, pois o ator não só está completamente à vontade como Chacrinha, como ele é Chacrinha!”
Além dos adjetivos escritos no subtítulo, é tranquilamente possível afirmar que a primeira cinebiografia de Abelardo Barbosa, o famoso e saudoso Chacrinha, é também – e muito – polêmica e eficaz.
O filme, dirigido por Andrucha Waddington – um dos melhores cineastas brasileiros, basta lembrarmos que ele dirigiu o ótimo Casa de Areia e o já clássico Eu, Tu, Eles – não tem uma ideia original, afinal, o roteiro foi derivado de uma recente peça teatral e de um especial de televisão – especial esse que já havia sido derivado da peça. Inclusive, tanto no teatro, como na TV e, agora, no cinema, o intérprete de Chacrinha é o ator Stepan Nercessian.
O fato de não ser uma ideia original não tira, de forma alguma, as boas e as ótimas qualidades desse longa-metragem de Waddington. São tantas qualidades satisfatórias nessa obra que, até as não tão legais são, facilmente, esquecidas.
Contudo, como estamos em pleno século 21, são muitos os jovens que não tiveram a oportunidade de conhecer o comunicador Abelardo Barbosa e, muito menos, sabem que ele foi o responsável por um dos maiores campeões de audiência na televisão brasileira, e campeão em décadas distintas – um período na década de 70 e, sem sombra de dúvida, com a Rede Globo já consolidada como a maior emissora de TV brasileira, na década de 80 – com os programas Discoteca do Chacrinha e Cassino do Chacrinha, respectivamente.
Abelardo era nordestino, nasceu em 1917 na cidade de Surubim, em Pernambuco. Contudo, não permaneceu muito tempo nesse município, mudando-se para Caruaru, Campina Grande e, por fim, estabelecendo-se no Recife. Ainda na capital pernambucana, teve seu primeiro contato com o rádio, como locutor. Por volta de 1939, embarca numa viagem de navio para a Alemanha. Nesse navio, ele tocava numa banda. Contudo, no mundo àquela época, acontecia a Segunda Guerra Mundial e o navio em que se encontrava Abelardo não pode prosseguir navegando até outro continente, sendo obrigado a retornar para o Nordeste. Abelardo não retornou a Recife, fixou-se no Rio, a então capital brasileira e, a partir daí, deu início a sua controversa e espetacular carreira não só de locutor de rádio, como – tempos depois – de apresentador de TV.
O filme não retrata absolutamente toda a trajetória do comunicador. Entretanto, no que se propõe a retratar, o faz com maestria, do inspirado roteiro à impecável direção de arte e, obviamente, às atuações, em especial a de Eduardo Sterblitch – como Chacrinha jovem, em início de carreira – e Stepan Nercessian, como Chacrinha na maturidade.
A atuação de Stepan é daquelas dignas de Oscar, Globo de Ouro, Kikito de Ouro, Grande Prêmio do Cinema Nacional, e por aí vai, pois o ator não só está completamente à vontade como Chacrinha, como ele é Chacrinha! É uma atuação que pode ser comparada às grandes atuações cinematográficas do cinema nacional, como a de Daniel de Oliveira, no filme sobre Cazuza, Thiago Mendonça, como Renato Russo em Somos Tão Jovens, Andreia Horta, em Elis… Ou seja: a atuação de Sterblitch é muito boa mas, a do Nercessian, beira a reencarnação – ele é Chacrinha. E, o mais impressionante, ele é Chacrinha não só nos momentos da farra, da algazarra, da aparente anarquia dos programas de auditório. Ele é Chacrinha – o homem Abelardo Barbosa – principalmente nos momentos íntimos, em casa, com a família, no trabalho, sem a fantasia do apresentador de TV.
Outro grande acerto da obra é ser prazerosamente direta, objetiva. O filme não perde tempo! Não se tem nem duas horas de filme, mas tudo que há nele, é mostrado sem muito blá blá blá, inclusive as polêmicas.
Chacrinha
Logo nos minutos inicias da obra, vemos a grande polêmica que envolveu Chacrinha e José Bonifácio, o Boni, então todo poderoso da Globo, polêmica esta que fez com que Chacrinha se afastasse da Globo por uma década, somente retornando em 1982.
E o então não muito falado – e, para muitos, nem sabido – caso amoroso que, segundo o roteiro, houve entre Chacrinha e Clara Nunes, esta, em início de carreira. Caso extraconjugal que custou muitos desentendimentos e desgaste no casamento dele com sua única esposa, Dona Florinda.
Posso afirmar que Chacrinha: O Velho Guerreiro é uma homenagem deliciosa de ser assistida. Por mais que os dramas – e são, sim, muitos dramas e conflitos que o homem Abelardo passou durante 70 anos de vida – estejam, ali, presentes, a leveza, a alegria, o riso, estão, também, fazendo parte da obra e nos oferecendo momentos que fazem com que saíamos do cinema felizes… E pensativos.
Pensando, principalmente, no quanto um comunicador como Chacrinha faz falta, hoje em dia, e pensando no quanto um programa animado, alegre, audacioso, como o Cassino do Chacrinha faz falta na atual televisão brasileira.
Contudo, pensando, em especial, no quanto – creio eu – seria difícil para ele entender – e se comunicar – no mundo atual, um mundo evoluído tecnologica e cientificamente, mas completamente chato. Um mundo tão politicamente correto e chato que, muitas vezes, beira a insuportabilidade!
Quantos a nós, que ainda estamos nesse contexto de mundo atual, que tenhamos, pelo menos, mais exemplares de belas, dignas e equilibradas obras como essa.
Chacrinha: O Velho Guerreiro pode, com tranquilidade, ser considera como uma das melhores cinebiografias feitas pelo nosso cinema nacional.