A Noiva Estava de Preto – Divulgação
Coluna de Gabriella Tomasi sobre a sétima arte; uma análise mais aprofundada do cinema
Direção de François Truffaut. Roteiro por Jean-Louis Richard e François Truffaut. Elenco: Jeanne Moreau, Michel Bouquet, Jean-Claude Brialy, Charles Denner, Claude Rich, Michael Sonsdale, Alexandra Stewart, Daniel Boulanger, Daniel Pommereulle.
François Truffaut foi um dos precursores do movimento da Nouvelle Vague, que começou com a revista de críticas Cahiers du Cinéma. Amante do cinema, Truffaut empregou as próprias teorias que pregava junto com o teórico André Banzin e se tornou em um dos grandes diretores da história da sétima arte.
O diretor francês, ao longo de sua carreira, prestou homenagem a alguns diretores, incluindo o Mestre do Suspense: Alfred Hitchcock com A Noiva Estava de Preto (La Mariée Était En Noir) em 1968. Na realidade, sua admiração era tão grande, que chegou a entrevistar o diretor britânico: uma obra literária que atualmente é considerada uma das principais e mais importantes do cinema. Entretanto, após o lançamento deste longa, a crítica o recepcionou negativamente naquela época, até que o próprio diretor confessou que era o único filme que desejaria refazer.
O filme é baseado em um livro homônimo escrito por Cornell Woolrich, o mesmo autor de A Janela Indiscreta, cuja adaptação cinematográfica também foi realizada por Hitchcock. Ainda, a escolha de Antonio Vivaldi e o parceiro habitual Bernard Herrmann do diretor britânico no comando da trilha sonora seguramente contribuiu para a atmosfera de suspense.
Apesar de não ser a obra-prima de Truffaut, como Os Incompreendidos, sua análise é válida como objeto de estudo sobre os dois diretores e o estilo que cada um se apropria. Afinal, o diretor francês não tenta, sob forma alguma, copiar os elementos que identificam Hitchcock, mas os incorpora em seu próprio estilo, transformando-o em um suspense eficaz.
Nos primeiros minutos do filme, quase não há a presença de diálogos. Vemos uma mulher, interpretada por Jeanne Moreau, olhando um álbum de fotografias e tentando cometer suicídio após não dar conta das lembranças. Deduzimos, portanto, a perda de alguém muito importante para ela. Em seguida, vemos em um plano-detalhe nossa protagonista separar cuidadosamente notas de dinheiro e uma mala com roupas. O mais interessante é notar que as suas roupas são 100% pretas e brancas, e seu figurino permanece desta forma durante toda a trama. E isto não apenas denota as duas faces – angelicais e sombrias – da protagonista, mas também aquela aura misteriosa que Truffaut costuma ver nas mulheres e tão bem representadas em outros de seus filmes, como Jules e Jim – Uma Mulher para Dois, A Sereia de Mississipi, entre outros.
A Noiva Estava de Preto – Divulgação
E não é diferente com a atriz principal. Moreau é uma loira que carrega certa inexpressividade, certa frieza em seu caráter durante a trama, muito embora seja muito acolhedora, principalmente, com os personagens mirins. Essa afetividade se pode notar já nos primeiros minutos de projeção quando uma garotinha resolve fazer companhia à ela no caminho até a estação de trem. Convite prontamente aceitado. Ou seja, da mesma forma como as loiras de Hitchcock são tratadas: como pessoas misteriosas, fatais, gélidas, mas ao mesmo tempo amorosas. Não é à toa que Truffaut se identificara muito neste aspecto com o diretor. Porém, ao contrário de todo glamour hitchcockiano de suas heroínas, sendo o exemplo mais evidente em seu longa Pavor nos Bastidores em 1950, no qual exibe Marlene Dietrich em um papel de uma atriz elegantíssima e pomposa, opta-se por uma abordagem mais naturalista da Nouvelle Vague, já que Moreau se encontrava àquela época em seus 40 anos e com um figurino bem mais modesto e menos exuberante.
Ocorre que, ao invés de embarcar no trem, a protagonista Julie Kohler desembarca dele escondida pelo o outro lado e foge.
Em uma elipse, a encontramos novamente em roupas brancas e elegantes com uma aura pura e inocente, o que contrasta com a sua expressão facial que denuncia sua rigidez. Ela se depara com o zelador de um edifício luxuoso e indaga a ele acerca do Sr. Bliss (Rich). Tentando subordiná-lo, Julie falha ao tentar adentrar em sua residência. Em seguida, testemunhamos a chegada do proprietário que, após receber as informações sobre uma misteriosa mulher que veio procurá-lo (já que não a reconhece pela sua descrição), Bliss fica bastante intrigado. Essa reação é fundamental para que pudéssemos descobrir as facetas deste homem, cuja personalidade demonstra ser um tanto quanto mulherenga. Posteriormente, ele comenta o caso a um amigo íntimo (Pommereulle) e sua interação com ele permite que seu arco dramático seja devidamente definido. E recordem deste amigo, cujo personagem não foi nem creditado no filme. Ele, conforme veremos adiante, será importante para o desfecho.
Haja vista o insucesso da tentativa de um primeiro encontro com Bliss, Julie segue-o até a sua festa de noivado. Um lindo plano-detalhe de um anel de noivado denuncia o evento e a presença de Julie no local é logo detectada pelos amigos, especialmente o seu mais íntimo. Da mesma forma, Bliss não consegue conter sua curiosidade e tampouco sua atração pela bela moça misteriosa, de modo que aceita o convite em falar a sós com ela na sacada do apartamento.
Embora seus esforços, Julie fala pouco sobre si, e ao propositalmente deixar pendurado sua echarpe na ponta de um guarda-sol, ela pede que ele o apanhe, tendo em vista sua grande importância sentimental. Ao proceder desta forma, a protagonista anuncia seu nome e empurra-o para fora da sacada causando sua morte. Truffaut recria maravilhosamente, nesta oportunidade, a icônica cena de Um Corpo que Cai ao utilizar a câmera subjetiva em zoom-in/zoom-out de maneira mais sutil, a fim de representar a mesma vertigem experimentada por Ferguson, personagem interpretado por James Stewart. A queda do corpo de Bliss é projetada em um ângulo diferente, mas também de forma muito parecida à cena em que o corpo da personagem de Kim Novak cai do topo da igreja. Infelizmente, o longa não se preocupa em desenvolver como a fuga após o assassinato de Bliss ocorreu, mas não importa. Estes eventos bastam para deixar o espectador ao menos curioso com o sentido de tudo aquilo, em razão das pouquíssimas informações que a trama nos dá em pleno início do segundo ato.
Reencontramos Julie quando ela aborda e seduz o solitário e carente Sr. Coral (Bouquet). Ao localizar seu apartamento, a protagonista envia um convite anônimo para um concerto de música no teatro. Assim como Bliss, ele fica intrigado com o convite e comparece ao local. O assento se localiza em um dos privados balcões da platéia, e após alguns poucos minutos sozinho, Julie aparece no plano e senta ao seu lado para fazer-lhe companhia. Após confirmar ser sua secreta admiradora, a frieza da personagem contrasta, sendo palpável até para Coral. Ambos se olham, mas a protagonista somente transmite desprezo, enquanto Coral tenta entender a situação. Dessa forma, a apresentação musical simboliza ao mesmo tempo esta cena em um belo duelo entre os músicos, na medida em que se alternam planos de duração curta entre o pianista a violinista tocando.
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Por conseguinte, o espectador já preenche mentalmente a lacuna acerca das intenções de Julie ao se aproximar de Coral. No segundo encontro, o qual acontece na privacidade de sua casa, é notável e até cômico os esforços do personagem para recepcionar a amada. Retirando todos os artigos de seu apartamento que seriam considerados impróprios ou que ofenderia uma mulher somente para agradá-la, já que acredita viver um romance. Mas como estamos lidando com a mulher desenhada por Truffaut e inspirada em Hitchcock, Julie aproveita a ocasião para envenenar a bebida dele, deixando-o agonizar por um tempo no chão de carpete vermelho (a cor intencionalmente passional). Enquanto testemunha seu lento decesso, ela revela os motivos deste ato pecaminoso, tendo em vista que Coral não consegue entender porque aquela desconhecida teria algo contra a sua pessoa.
Julie comunica-o então que ele fora o responsável pela morte de seu noivo. Ceifado de sua vida com um tiro de uma arma, minutos depois da cerimônia religiosa, deixando a protagonista, portanto, viúva. Novamente, poucos dados acerca do que de fato aconteceu ao espectador, mas Coral entende bem a que ela se refere e sugerindo o envolvimento de mais pessoas no tal fatídico evento, a protagonista parte para a sua próxima vítima.
Na sequencia, Julie segue o caminho feito da escola até a residência de uma mãe e seu filho até conseguir ficar a sós com este. Neste contexto, é fascinante a forma como o roteiro e a direção conseguem despertar a empatia, novamente, pela interação da protagonista por meio de mais um personagem mirim, o garoto. Demonstra-se que Julie não é má: ela sorri, ela brinca e possui instintos maternais até o ponto de aceitarmos ou esquecermos a vingança perpetrada. Contudo, ao mesmo tempo em que ela é bastante amável e carinhosa, ela rouba um apito do menino para nos lembrar que ela ainda tem segundas intenções com as brincadeiras inocentes. Esse aspecto denota que a inocência e a pureza (principalmente por meio da infância) também foram temas bastante subvertidos pelos longas de Hitchcock, tais como o já citado Pavor nos Bastidores com uma boneca ensanguentada ou então cenas de terror e tensão criadas a partir de brinquedos inofensivos de um parque de diversões em Pacto Sinistro.
Para ficar à sós com o pai e, assim, dar continuidade ao seu plano, Julie envia um telegrama à esposa, como sua mãe, alegando falsamente que ela estaria doente. Ao afastar ela de casa, Julie não perde tempo em se apresentando como a Srta. Becker, professora do maternal, que se prontifica a ajudar a cuidar do filho em virtude da ausência da mãe. Homem desprovido de “inteligência” como é a natureza masculina, ou pelos aqui representado por Truffaut, o Sr. Clément (Sonsdale), pai da criança, aceita ingenuamente o auxílio mesmo ignorando o próprio filho afirmar veemente que Julie não é sua professora.
Assim, Julie cuida do filho e o prepara para dormir, e no momento em que serve a janta ela já se prontifica de cortar a fiação do telefone – em um competente plano-detalhe que nos remete ao longa Disque M Para Matar – para que ninguém tentasse contato. E uma vez sozinhos, Truffaut igualmente emprega o mesmo recurso para direcionar o olhar de Clément às belas pernas da protagonista. Uma luxúria que ela também repugna em outras ocasiões.
Em uma anterior brincadeira de esconde-esconde, a narrativa já nos concede uma pista que demonstra a forma como Clément é posteriormente morto. A direção de arte tenta, mas a possibilidade de alguém ser asfixiado ao ser trancado em um pequeno depósito embaixo da escada da casa é pouco crível ou impactante para o espectador. A eficiência desta cena acaba dependendo apenas nos suplícios do personagem, mas que não é suficiente.
Ao reconhecer Julie, ele tenta explicar a morte de seu amado por um acidente, um ato inconseqüente feito por Coral durante um encontro descontraído com amigos e causado por um disparo involuntário de uma espingarda (por todos praticarem a caça). Cenas que acompanham uma trilha sonora adaptando a melodia da marcha nupcial ao ritmo da narrativa criam um impacto muito marcante. Ouvindo toda a explicação, Julie sente, ela chora e se emociona, mas imediatamente se recompõe e deixa que Clément agonize no local.
Na sequencia, a protagonista busca refúgio em uma Igreja (a mesma onde casou), confessando ao padre que ela tem que continuar com o que está fazendo e, ignorando os alertas do eclesiástico, ela acredita estar vingando o nome de seu marido e, portanto, fazendo algo nobre.
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Neste sentido, a religião também foi essencial para Hitchcock, seja como seu refúgio, seja na exploração dos seus aspectos mais sombrios. A referência desta cena é visível pela semelhança com A Tortura do Silêncio quando o personagem de Montgomery Clift ouve a confissão de um crime ou em O Homem Errado quando mostra Henry Fonda em um plano fechado o personagem em seu julgamento segurando firme um rosário. Não coincidentemente, a fim de criar o mesmo efeito, o afastamento de Julie no plano ao sair da Igreja faz com que seu interior seja projetado em completo breu até que o fade-out acompanha com naturalidade a escuridão. Ou seja, a Igreja é lugar de pecadores.
A morte de Clément provoca as investigações pelas autoridades policiais. Durante elas, o filho aponta para a real professora Srta Becker (Stewart). Sem explicar a diferença da fisionomia, seguindo literalmente as formulações das perguntas do investigador (como toda criança o faz), a mulher equivocada vai à prisão. Truffaut, assim, tinha duas intenções com esses elementos. A primeira é evocar todo o modelo padrão das histórias de Hitchcock: uma pessoa inocente sendo incriminada. Exemplo deste tipo de trama me conduzirá a praticamente elencar quase toda a filmografia do diretor britânico, mas podemos citar alguns mais notórios como O Homem Errado, Jovem e Inocente e O Terceiro Tiro. A segunda, por sua vez, serve para criar uma belíssima rima visual de um plano mostrando um jornal noticiando o caso da Srta Becker com o plano do jornal em Intriga Internacional que anuncia a morte de um diplomata.
Outro aspecto importante para delinear e despertar, mais uma vez, a empatia por Julie, é o fato de que ao saber do ocorrido ela se apressa para inocentar a professora e entra em contato com a polícia. Rapidamente após esse ato, ela entra em um avião, ao mesmo tempo em que um jato particular pousa e o amigo íntimo de Bliss é projetado. Acredito que, neste caso, a chegada de nosso conhecido não tinha uma função para a história em si, mas meramente narrativa, de modo a não permitir que nos esqueçamos do personagem.
Julie parte, na realidade, para encontrar as duas vítimas restantes: Delvaux (Boulanger) e Fergus (Denner). A tentativa de matar o primeiro revela-se inexitosa quando no mesmo instante em que Julie se prepara para disparar uma arma contra ele, policiais surgem e o prendem por outro crime cometido. Esse evento leva Julie colocar uma interrogação ao lado do nome de Delvaux em sua lista.
Subsequentemente, Julie passa para Fergus, um artista que pinta em sua maioria mulheres (com uma fisionomia muito parecida à de Julie), como se fosse seu tema predileto. O que não é à toa o personagem se autodeclarar e também se comportar em todos os momentos como um paquerador e amante das mulheres. Conduta esta que é bastante visível, igualmente pelo fato de não conseguir tirar os olhos das pernas de Julie (como já mencionado com Clément) ou pintá-la na parede de sua cama como uma musa que, de acordo com ele: “passa todas as noites junto com ela”. Impossível conter as risadas.
Essa abordagem também não se revela uma mera coincidência quando quase 10 anos depois, o diretor francês explora a objetificação da mulher como uma “peça de arte” por meio do personagem interpretado por Charles Denner em O Homem Que Amava As Mulheres, o mesmo que aqui atua como Fergus. A admiração de cada traço feminino é estabelecida aqui pela sua expressão artística, ao invés de um sociopata.
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Em A Noiva Estava de Preto, a protagonista se aproxima de sua próxima vítima, sob o pretexto de querer ser pintada por ele. A partir daí eles engatam uma relação que inclusive afeta à Julie a ponto de quase abandonar o figurino preto e assumindo mais as cores brancas. Curiosamente ela é representada como uma guerreira na maioria das telas do profissional, posando com uma vestimenta branca em estilo grego e apontando um arco e flecha. Seguramente, para Truffaut as mulheres são grandiosas, mas nós sabemos que Julie é determinada e nem por isso a impedirá de concretizar o que seria a justiça pela morte de seu amado. Essa persistência para seguir com o planejado é, portanto, refletida nas cores pretas que invadem o fundo branco de seu outro vestido, como se seu lado obscuro estivesse tomando conta de si.
Um dado importante é que descobrimos também que o mesmo homem que conheceu Julie na festa de noivado de seu saudoso amigo, é íntimo também de Fergus. Pode parecer um pouco ilógico essa ligação de amizade, mas ela não é inaceitável, eis que já sabemos que todas as vítimas de Julie foram um dia amigos. Portanto, é natural que ao menos uma conexão seja feita com um ou outro personagem. Apesar da demora em reconhecê-la, sua presença causa não somente tensão em Julie, mas também de nós que estamos assistindo esperando o momento infeliz que ele a reconhecer.
Haja vista já, por óbvio, prevermos e aguardarmos a morte de Fergus, Truffaut faz uma engenhosa brincadeira visual que não somente nos engana, mas que funciona como uma pista em duas distintas ocasiões sobre como isto ocorrerá. A primeira é quando Julie, em posição estática para a pintura, dispara o arco flecha sem querer contra o vidro da sala. A edição, neste caso, utilizou de cortes rápidos querendo sugerir (pelo seu imediato grito) que ela possivelmente atingira Fergus, até o personagem socorrê-la, alertando o espectador que a fatalidade não aconteceu. Em ulterior oportunidade, o diretor foca em Fergus pintando sua modelo, enquanto levemente desfocada ao fundo, encontra-se Julie na mesma posição mencionada. O arco e flecha são propositalmente direcionados ao pintor por ela, simbolizando o ódio e o desejo de matar. Mais tarde, fazemos a conexão mental por meio de uma elipse temporal, na qual em um plano identificamos o corpo de Fergus deitado no chão com uma flecha cravada em suas costas.
E o amigo comum de Fergus e Bliss? Então. Embora nunca soubermos de sua identidade ou até mesmo seu nome, ele é propositalmente inserido na trama para possibilitar o desfecho almejado. Ao finalmente reconhecer Julie como autora dos crimes ele a denuncia à polícia. Porém, ao contrário do que presumimos, a protagonista realmente confessa todos os crimes com a frieza habitual e então é em seguida aprisionada.
Lá, um travelling em um plano sequencia cuidadosamente executado mapeia a prisão onde ela se encontra, até que o caminho percorrido pela câmera nos mostra que Delvaux, o único dos cinco homens que conseguiu “escapar” com vida, também está encarcerado no mesmo local. Julie, por sua vez, não perde tempo em se voluntariar para servir comida aos seus demais colegas. A sua motivação é logo percebida e o plano então é consumido por um silêncio até que o eco de um grito estarrecedor toma conta denunciando – satisfatoriamente – o que já prevíamos.
Por fim, a marcha nupcial retorna à trilha sonora em um desfecho maravilhoso.
Um galã, um adúltero, um ladrão e um mulherengo. O mais interessante aqui é essa representação masculina bem definida em cada um dos personagens nesta trama. Nele, há traços inegáveis dos personagens de Truffaut. A mulher é bela, fatal (neste caso, no seu sentido mais literal), perigosa e ambígua e o homem, por sua vez, não consegue sucumbir aos desejos e é facilmente manipulável. É como se a presença feminina destruísse a existência masculina. Um aspecto da Nouvelle Vague que Truffaut não quis é abdicar é a sua escolha na filmagem de ambientes externos, personagens não muito experientes, com exceção de Moreau, e como já abordamos inicialmente, uma narrativa bem mais orgânica e naturalista, ao contrário do estilo de Hitchcock.
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O elemento em que ambos se assemelham, contudo, é que o fato de termos personagens que são ao mesmo tempo vítimas e vilões, sendo uma das características mais brilhantes da trama. Esse contraste de sensações, ou seja, mesmo que às vezes repudiamos as atitudes da protagonista, fazendo ela merecer uma punição, também conseguimos desejar o mesmo destino às suas vítimas pela imbecilidade e inconseqüência de suas ações levarem à uma perda irremediável. Esse sentimento causado naturalmente é bastante explorado nos personagens ambíguos de Hitchcock. Como exemplo, temos a inesquecível agonizante e longa da cena do filme Pacto Sinistro quando o antagonista Bruno Anthony interpretado por Robert Walker tenta resgatar um isqueiro incriminador que caiu na sarjeta. A imensa tensão faz com que torçamos a favor dele, em uma brincadeira de subversão de princípios que é fascinante.
Ademais, a ausência de discussão profunda de uma moralidade é irrelevante para trama. Na realidade, mais que um objetivo primordial de se contar uma história, este é mais um trabalho voltado unicamente para a forma de como efetivamente se conta uma história imageticamente. Técnica que François Truffaut sabe dominar muito bem.
A Noiva Estava de Preto prova ser uma mistura estilos que surpreendentemente deu muito certo.
É uma sincera homenagem ao Mestre do Suspense ao Mestre da Nouvelle Vague.